Kenneth Rexroth

Kenneth Rexroth

Kenneth Rexroth foi um poeta, tradutor e ensaísta crítico norte-americano. Foi um dos primeiros poetas norte-americanos a explorar em seu trabalho formas tradicionais da poesia japonesa. É considerado uma das figuras centrais do chamado Renascença de São Francisco, e um dos pais da Geração Beat. Serviu de inspiração à personagem Rheinhold Cacoethes de Brasil: Os Vagabundos Iluminados /Portugal: Os Vagabundos do Dharma (2000) ou Os Vagabundos da verdade (1965), romance de Jack Kerouac.

1905-12-22 South Bend
1982-06-06 Santa Bárbara
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Alguns Poemas

Entre mim mesmo e a morte

p/ a música de Jimmy Blanton:
SOPHISTICATED LADY, BODY AND SOUL
O ardor vem e te resseca às vezes,
Você se curva sobre ele, quieta,
Cruel e tímida; às vezes
Você se assusta com a devassidão
E me oferece apenas desespero.
Às vezes enroscados nas cobertas,
Protegendo nosso tédio, fingindo
Que nossos curativos são as feridas.
Mas a roda da mudança pára às vezes;
A ilusão desaparece em paz;
E aí a altivez te ilumina a carne –
Diamante lúcido, sábio como pérola –
Teu rosto vago, absoluto,
Definitivo como o de um animal.
É um barato observar você
Mulher vivente num quarto
Cheio de gente careta, estéril,
E pensar no arco das tuas ancas
Sob a seda do teu vestido de noite,
No fogo derramado lindamente
Do teu sexo, queimando carne e ossos,
No tecido incrível e complexo
Do teu cérebro vivo
Debaixo da bagunça esplêndida do teu cabelo.
~
Gosto de pensar em você nua.
De pôr teu corpo nu
Entre mim mesmo e a morte.
Se imerso no meu cérebro
Ateio fogo ao bico doce dos teus peitos,
E aos tendões dos teus joelhos,
Posso ver muito além de mim.
É bem vazio onde minha vista alcança,
Mas pelo menos é iluminado.
Conheço o brilho dos teus ombros,
O modo de teu rosto entrar em transe,
Teus olhos como os de um sonâmbulo,
Teus lábios de mulher cruel
Consigo mesma.
Gosto de
Pensar em você vestida, teu corpo
Fechado para o mundo, auto-contido,
Sua adorável arrogância
Que faz com que te invejem as mulheres.
Posso lembrar de todos os vestidos,
Mais altivos que uma freira nua.
Eu vou dormir e meus olhos
Fecham numa trama da memória.
A nuvem dos seus cheiros íntimos
É que sonha em meu lugar.
BETWEEN MYSELF AND DEATH
to Jimmy Blanton’s music:
SOPHISTICATED LADY, BODY AND SOUL
A fervor parches you sometimes,
And you hunch over it, silent,
Cruel, and timid; and sometimes
You are frightened with wantonness
And give me your desperation.
Mostly we lurk in our coverts,
Protecting our spleens, pretending
That our bandages are our wounds.
But sometimes the wheel of change stops;
Illusion vanishes in peace;
And suddenly pride lights your flesh –
Lucid as diamond, wise as pearl –
And your face, remote, absolute,
Perfect and final like a beast’s.
It is wonderful to watch you,
A living woman in a room
Full of frantic, sterile people,
And think of your arching buttocks
Under your velvet evening dress,
And the beautiful fire spreading
From your sex, burning flesh and bone,
The unbelievable complex
Tissues of your brain all alive
Under your coiling, splendid hair.
~
I like to think of you naked.
I put your naked body
Between myself alone and death.
If I go into my brain
And set fire to your sweet nipples,
To the tendons beneath your knees,
I can see far before me.
It is empty there where I look,
But at least it is lighted.
I know how your shoulders glisten,
How your face sinks into trance,
And your eyes like a sleepwalker’s,
And your lips of a woman
Cruel to herself.
I like to
Think of you clothed, your body
Shut to the world and self contained,
Its wonderful arrogance
That makes all women envy you.
I can remember every dress,
Each more proud than a naked nun.
When I go to sleep my eyes
Close in a mesh of memory.
Its cloud of intimate odor
Dreams instead of myself.
Kenneth Rexroth nasceu em 1905, na pequena cidade de South Bend, no estado americano de Indiana. Começou a publicar na década de 20 e teve poemas incluídos no famoso número editado por Louis Zukofsky para a revistaPoetry, em 1931, que ficaria conhecido comothe Objectivist issue, mas Rexroth não se associaria ao grupo. No entanto, a ligação é interessante, pois, com estes e outros poetas surgidos na década de 30, como o já mencionado Zukofsky, mas também George Oppen ou Lorine Niedecker, seu trabalho entraria em óbvio conflito com a mentalidade crítica dominante de seu país, entre as décadas de 30 e 50, a doNew Criticism, o que acabaria lançando o trabalho destes poetas na obscuridade, até que foram valorizados e amplamente lidos pelos jovens poetas da década de 50 e 60, como osBeats, a Escola de Nova Iorque ou os poetas ligados à comunidade universitária em Black Mountain, como Robert Creeley e Charles Olson. Aos poucos, o trabalho destes poetas mostra-se cada vez mais incontornável para a historiografia literária e a prática poética norte-americana.


Não é sem uso o acaso de que tudo o que se sabe sobre Kenneth Rexroth no Brasil seja um dado contextual: em 1955 ele foi o mestre de cerimônias da primeira leitura pública de Howl, o uivo de Allen Ginsberg na Six Gallery para meia dúzia das melhores cabeças daquela geração, evento decisivo pro papel que viriam a ter as leituras públicas de poesia nos Estados Unidos da contracultura e marco inaugural da geração beat.

Não é sem uso, nos dá uma primeira imagem, a desta militância: a Kenneth Rexroth fazia sentido tudo o que significasse algo contra o conservadorismo bélico e geral da nação. Anarco-pacifista nos anos da I Guerra Mundial, budista leitor de Bakunin, à época da II Guerra declarou completa sua disaffiliation from the American capitalist state diante da prisão em massa de imigrantes e descendentes de japoneses. Professor de poesia na Universidade da Califórnia, mobilizador de protestos contra a Guerra do Vietnã. Ancestral adepto de orientalismos e do amor livre, místico mundano, ativista pela construção da alma humana universal.

Aí a imagem se desdobra e se redimensiona: a militância de Rexroth se dá na trincheira da linguagem. Interessado no potencial da comunicação de massa, pilotou programas de rádio por onde passaram Bob Kaufman, Amiri Baraka, Diane di Prima, Gary Snyder, Lawrence Ferlinghetti ou Philip Lamantia. Também um habitual polemista nas colunas de jornal que manteve a vida inteira, panfletário divulgador de poetas jovens tanto quanto um ferrenho opositor dos alto-modernistas. Tradutor dos gregos, de poesia clássica chinesa e japonesa, de Neruda, Lorca, Heine, Reverdy. Sessenta anos de escrita, 54 livros.

Começa a publicar na década de 1920, e livros como The art of worldly wisdom (1920-30), A prolegomenon to a theodicy (1925-27) ou The Phoenix and the Tortoise (1944) o aproximam das experiências estéticas de modernistas como Ezra Pound (com quem mantém correspondência nos anos 30, motivada pelo interesse comum pela poesia chinesa) e T. S. Eliot, William Carlos Williams e Louis Zukofsky. Mas a evidência da proximidade formal é posta em causa por desavenças radicais com os modernistas expatriados (e não só: seu entusiasmo pelos jovens beats não se estendia ao católico e nacionalista Jack Kerouac), e suas escolhas e recusas dentro da página são feitas sempre a partir de suas implicações para além dela. Exemplo disso é o abandono de experiências mais próximas do cubismo (como em The art of worldly wisdom), motivado pela desconfiança de serem legíveis apenas para poucos iniciados. A escrita de Rexroth se encaminha cada vez mais na direção dum despojamento, e mesmo seus ensaios em muitos casos são transcritos diretamente de gravações, composed on the tongue.

Despojamento de linguagem cujo fundo é político, mas que encontra munição nas leituras e traduções dos poetas gregos e latinos, e no envolvimento com o budismo e o taoísmo. Tudo isso apontando na direção de uma poesia experimentada como cosmovisão, pensamento, iluminação. Eixos de experiência e poética indissociáveis de seu erotismo vital, que dizia: erotic love is one of the highest forms of contemplation. Chamo atenção por fim para a convergência e síntese, em sua poesia, desses três princípios, o político, o erótico e o espiritual, a partir dos quais a escolha afetiva destes textos.

Reuben da Cunha Rocha
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