Florbela Espanca
Florbela Espanca, batizada como Flor Bela de Alma da Conceição Espanca, foi uma poetisa portuguesa.
1894-12-08 Vila Viçosa
1930-12-08 Matosinhos
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Poetisa portuguesa, natural de Vila Viçosa (Alentejo). Nasceu filha ilegítima de João Maria Espanca e de Antónia da Conceição Lobo, criada de servir (como se dizia na época), que morreu com apenas 36 anos, «de uma doença que ninguém entendeu», mas que veio designada na certidão de óbito como nevrose.
Registada como filha de pai incógnito, foi todavia educada pelo pai e pela madrasta, Mariana Espanca, em Vila Viçosa, tal como seu irmão de sangue, Apeles Espanca, nascido em 1897 e registado da mesma maneira. Note-se como curiosidade que o pai, que sempre a acompanhou, só 19 anos após a morte da poetisa, por altura da inauguração do seu busto, em Évora, e por insistência de um grupo de florbelianos, a perfilhou.
Estudou no liceu de Évora, mas só depois do seu casamento (1913) com Alberto Moutinho concluiu, em 1917, a secção de Letras do Curso dos Liceus. Em Outubro desse mesmo ano matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que passou a frequentar. Na capital, contactou com outros poetas da época e com o grupo de mulheres escritoras que então procurava impor-se.
Colaborou em jornais e revistas, entre os quais o Portugal Feminino. Em 1919, quando frequentava o terceiro ano de Direito, publicou a sua primeira obra poética, Livro de Mágoas.
Em 1921, divorciou-se de Alberto Moutinho, de quem vivia separada havia alguns anos, e voltou a casar, no Porto, com o oficial de artilharia António Guimarães. Nesse ano também o seu pai se divorciou, para casar, no ano seguinte, com Henriqueta Almeida. Em 1923, publicou o Livro de Sóror Saudade.
Em 1925, Florbela casou-se, pela terceira vez, com o médico Mário Laje, em Matosinhos. Os casamentos falhados, assim como as desilusões amorosas, em geral, e a morte do irmão, Apeles Espanca (a quem Florbela estava ligada por fortes laços afectivos), num acidente com o avião que tripulava sobre o rio Tejo, em 1927, marcaram profundamente a sua vida e obra.
Em Dezembro de 1930, agravados os problemas de saúde, sobretudo de ordem psicológica, Florbela morreu em Matosinhos, tendo sido apresentada como causa da morte, oficialmente, um «edema pulmonar».
Postumamente foram publicadas as obras Charneca em Flor (1930), Cartas de Florbela Espanca, por Guido Battelli (1930), Juvenília (1930), As Marcas do Destino (1931, contos), Cartas de Florbela Espanca, por Azinhal Botelho e José Emídio Amaro (1949) e Diário do Último Ano Seguido De Um Poema Sem Título, com prefácio de Natália Correia (1981). O livro de contos Dominó Preto ou Dominó Negro, várias vezes anunciado (1931, 1967), seria publicado em 1982.
A poesia de Florbela caracteriza-se pela recorrência dos temas do sofrimento, da solidão, do desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude que só poderão ser alcançados no absoluto, no infinito.
A veemência passional da sua linguagem, marcadamente pessoal, centrada nas suas próprias frustrações e anseios, é de um sensualismo muitas vezes erótico. Simultaneamente, a paisagem da charneca alentejana está presente em muitas das suas imagens e poemas, transbordando a convulsão interior da poetisa para a natureza.
Florbela Espanca não se ligou claramente a qualquer movimento literário. Está mais perto do neo-romantismo e de certos poetas de fim-de-século, portugueses e estrangeiros, que da revolução dos modernistas, a que foi alheia. Pelo carácter confessional, sentimental, da sua poesia, segue a linha de António Nobre, facto reconhecido pela poetisa.
Por outro lado, a técnica do soneto, que a celebrizou, é, sobretudo, influência de Antero de Quental e, mais longinquamente, de Camões. Poetisa de excessos, cultivou exacerbadamente a paixão, com voz marcadamente feminina (em que alguns críticos encontram dom-joanismo no feminino).
A sua poesia, mesmo pecando por vezes por algum convencionalismo, tem suscitado interesse contínuo de leitores e investigadores. É tida como a grande figura feminina das primeiras décadas da literatura portuguesa do século XX.TORMENTO DO IDEAL
Laury Maciel[1]
Florbela d’Alma da Conceição Lobo Espanca nasceu em Vila Viçosa (Alentejo), em 1894. Seus primeiros versos são da época em que fez o curso secundário, em Évora, e que somente viriam a ser reunidos em volume depois de sua morte.
Malogrado seu casamento, vai para Lisboa estudar Direito e, nesse mesmo ano, 1919, publica Livro de mágoas, que passa despercebido. Igual destino teve a obra seguinte, Livro de Soror Saudade, dado a lume em 1923. Novamente infeliz no casamento, retira-se do convívio social, embora continue a escrever poesia e a publicá-la ao acaso. Recolhe-se a Matosinhos, já agora estimulada pelas renovadas esperanças de felicidade conjugal, mas seus versos entram a dar sinais de exaustão. Morre, segundo alguns estudiosos, de suicídio, em 1930.
Toda a produção de Florbela entre os anos de 1915 e 1917 – tanto em poesia como em contos – foi escrita em um livro de mercearia ao qual ela deu o título de Trocando olhares. Deste livro ela separou 33 poemas para publicar sob o título de O livro d’ele, o que não aconteceria.
Publicou os livros de poesia: Livro de mágoas, 1919; Livro de Soror Saudade, 1923; Reliquiae, 1931; Charneca em flor, 1929. E contos: As máscaras do destino, 1931; Dominó negro, 193l.
Talvez Tormento do ideal, título de um dos sonetos de Antero de Quental[2], de quem Florbela Espanca foi discípula – e que recorrera ao suicídio, na impossibilidade de respostas para suas indagações de ordem teológico-existencial –, possa lançar tênue luz sobre a trajetória filosófica e moral da poeta, da qual certamente a base é o amor. “Dele brotam – como notou muito bem Antônio Freire – todas as qualidades e defeitos da poetisa; nele, até, mergulha raízes profundas a prodigiosa inspiração poética que a imortalizou como artista”.
Portadora de uma insaciável sede de amar, logo convertida em ideário de vida, tem início sua dolorosa tragédia: a impossibilidade de expressar, à perfeição, este estado de alma.
Feliciano Ramos, em sua excelente História da Literatura Portuguesa, assinala que “Escolheu (Florbela Espanca) o soneto para transmitir a sua perturbante e sombria interioridade. Dentro dessa pequenina fórmula métrica e estrófica, Florbela move-se e realiza-se com todo o à vontade: crê-se que os seus versos registram com estridência dramática o cruciante viver de sua ‘alma trágica e doente’ (soneto Ao vento). E, no entanto, embora os sonetos de Florbela sejam tão angustiosos e contagiantes, ela tristemente verifica a impossibilidade de efetuar a comunicação integral de sua desventura: no soneto Impossível, confessa que a sua dor é tão grande que não caberia mesmo em ‘cem milhões de versos’, caso os viesse a escrever.” E continua Feliciano Ramos: “Agitada por eterna ansiedade, está sempre longe de encontrar o que espera: ‘o meu reino fica para além’ dirá Florbela, assediada pelo tormento de constantemente pedir à vida mais do que ela pode dar. Esta ‘inquietação’ de exilada da realidade inspira-lhe versos comoventes”.
Nesse sentido – me parece – é que no mencionado Tormento do ideal (soneto em que Antero traduz, à perfeição, todo o seu pessimismo à Schopenhauer), reside integralmente o drama existencial de Florbela Espanca: a inútil busca da forma para expressá-lo:
E fiquei triste.
Pedindo à forma, em vão, a ideia pura,
Tropeço em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.
De ti que és a vitória, a salvação,
De ti que me trouxeste pela mão
Até ao brilho desta chama quente.
Ensinou-me a cantar... e essa canção
Foi ritmo nos meus versos de paixão,
Foi graça no meu peito de descrente,
Da noite negra o mágico farol,
Cravos rubros a arder numa fogueira.
Ergo a cabeça ao alto, encaro o sol!
– Águia real, apontas-me a subida!
Florbela quase não sabe escrever senão sobre o amor: Livro do meu amor, do teu amor, /Livro do nosso amor, do nosso peito... /Abre-lhe as folhas devagar, com jeito, / (...) Olha que eu outro já não sei compor.
Sempre o amor: Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho, /Viste o Amor acaso em teu caminho?” / E o velho estremeceu... olhou...e riu... / (...) E eu paro a murmurar: “Ninguém o viu!”
Pior: o amor ludibriou-a: Procurei o amor que me mentiu.
A própria poeta, num autorretrato, mostra até que ponto o seu temperamento, visceralmente insatisfeito, a fadava à incompreensão: O meu talento! De que me tem servido? Não trouxe nunca às minhas mãos vazias a mais pequena esmola do destino. Até hoje não há ninguém que de mim se tenha aproximado que não me tenha feito mal. Talvez culpa minha, talvez... O meu mundo não é como o dos outros; quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê!
É lícito, pois, diante de tanto sofrimento, que a confissão acima corrobora, admitir-se a ideia de que Florbela Espanca se teria suicidado. Amélia Vilar, uma estudiosa da grande poeta, afirma: Essa neurastenia que, sem dó nem piedade, lhe tumultuava no sangue, tinha de produzir os seus funestos estragos nas lamentáveis consequências do suicídio.
Se colocarmos a questão sob a jurisdição da patologia, talvez Amélia Vilar tenha razão. Mas não. Florbela padece de uma sede de infinito que nem seu invulgar talento pode saciar: um tormento do ideal, que tem a ver muito mais com a verdade literária do que com a patologia.
A verdade é que o suicídio nunca se provou, por mais que queiram justificá-lo também com uma provável relação incestuosa com seu irmão Apeles, tragicamente morto nas águas do Tejo, por quem, de fato, votava extremado amor de irmã. Tudo não passou de uma campanha difamatória, como tantas que circularam em torno da poeta.
Há um testemunho decisivo, definitivo (colhido pelo citado Antônio Freire), sobre o assunto e, que, a nosso ver, encerra o assunto: é o do padre Nuno Sanches, de Matosinhos, e que diz o seguinte: Como sacerdote católico, sei o que a Igreja estabelece para os suicidas; como coadjutor da paróquia (de Matosinhos), no cemitério do qual foi inumada a poetisa Florbela Espanca, sei que o seu enterro foi feito religiosamente, assim como o fora antes o seu casamento. Para o enterro religioso não foi pedida nenhuma dispensa ou autorização especial às autoridades eclesiásticas, o que exclui, portanto, essa tal hipótese, que tenho por caluniosa e tanto mais reprovável quando se trata de alguém que não pode defender-se.
Por tudo isso, Florbela Espanca tem sido considerada, com muita justiça, a figura feminina mais importante da Literatura Portuguesa. Sua poesia, mais significativa que seus contos e produto duma sensibilidade exacerbada por fortes impulsos eróticos, corresponde a um verdadeiro diário íntimo, cuja temperatura de confidência só encontra semelhança nas Cartas de Amor de Mariana Alcoforado.
Cansada de suplicar, a Morte é o próximo passo (como em Antero, no soneto Com os mortos): Deixai entrar a Morte, a iluminada /A quem vem para mim, pra me levar /Abri todas as portas par em par /Como asas a bater em revoada.
A tragédia da impossibilidade de comunicar um amor incorrespondido foi, portanto, a grande tragédia de Florbela Espanca, compreensível (se é que há compreensão para essas coisas) na fusão das duas personalidades da poeta numa só: a artista e a amante.
É neste sentido que o mencionado Tormento do ideal, de Antero de Quental, pode ajudar a derramar alguma luz sobre sua alma trágica.
[1] Laury Maciel (1924-2002) foi escritor, autor de Pedra dos anjos e Noites no sobrado, entre outros, livros e professor de Literatura Portuguesa.
[2]Antero Tarquírio de Quental (1842-1891), grande poeta português, figura polêmica, ativista político, teve grande influência sobre a geração de intelectuais da segunda metade do século XIX e início do século XX. Poeta notável, seu livro mais importante é Sonetos completos (1866). Esteve em Paris em 1868, onde conheceu Michelet e Proudhon, de quem passou a comunhar das ideias socialistas. Suicidou-se em 1891 com um tiro de revólver, em plena praça principal da cidade de Ponta Delgada, nos Açores.
Registada como filha de pai incógnito, foi todavia educada pelo pai e pela madrasta, Mariana Espanca, em Vila Viçosa, tal como seu irmão de sangue, Apeles Espanca, nascido em 1897 e registado da mesma maneira. Note-se como curiosidade que o pai, que sempre a acompanhou, só 19 anos após a morte da poetisa, por altura da inauguração do seu busto, em Évora, e por insistência de um grupo de florbelianos, a perfilhou.
Estudou no liceu de Évora, mas só depois do seu casamento (1913) com Alberto Moutinho concluiu, em 1917, a secção de Letras do Curso dos Liceus. Em Outubro desse mesmo ano matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que passou a frequentar. Na capital, contactou com outros poetas da época e com o grupo de mulheres escritoras que então procurava impor-se.
Colaborou em jornais e revistas, entre os quais o Portugal Feminino. Em 1919, quando frequentava o terceiro ano de Direito, publicou a sua primeira obra poética, Livro de Mágoas.
Em 1921, divorciou-se de Alberto Moutinho, de quem vivia separada havia alguns anos, e voltou a casar, no Porto, com o oficial de artilharia António Guimarães. Nesse ano também o seu pai se divorciou, para casar, no ano seguinte, com Henriqueta Almeida. Em 1923, publicou o Livro de Sóror Saudade.
Em 1925, Florbela casou-se, pela terceira vez, com o médico Mário Laje, em Matosinhos. Os casamentos falhados, assim como as desilusões amorosas, em geral, e a morte do irmão, Apeles Espanca (a quem Florbela estava ligada por fortes laços afectivos), num acidente com o avião que tripulava sobre o rio Tejo, em 1927, marcaram profundamente a sua vida e obra.
Em Dezembro de 1930, agravados os problemas de saúde, sobretudo de ordem psicológica, Florbela morreu em Matosinhos, tendo sido apresentada como causa da morte, oficialmente, um «edema pulmonar».
Postumamente foram publicadas as obras Charneca em Flor (1930), Cartas de Florbela Espanca, por Guido Battelli (1930), Juvenília (1930), As Marcas do Destino (1931, contos), Cartas de Florbela Espanca, por Azinhal Botelho e José Emídio Amaro (1949) e Diário do Último Ano Seguido De Um Poema Sem Título, com prefácio de Natália Correia (1981). O livro de contos Dominó Preto ou Dominó Negro, várias vezes anunciado (1931, 1967), seria publicado em 1982.
A poesia de Florbela caracteriza-se pela recorrência dos temas do sofrimento, da solidão, do desencanto, aliados a uma imensa ternura e a um desejo de felicidade e plenitude que só poderão ser alcançados no absoluto, no infinito.
A veemência passional da sua linguagem, marcadamente pessoal, centrada nas suas próprias frustrações e anseios, é de um sensualismo muitas vezes erótico. Simultaneamente, a paisagem da charneca alentejana está presente em muitas das suas imagens e poemas, transbordando a convulsão interior da poetisa para a natureza.
Florbela Espanca não se ligou claramente a qualquer movimento literário. Está mais perto do neo-romantismo e de certos poetas de fim-de-século, portugueses e estrangeiros, que da revolução dos modernistas, a que foi alheia. Pelo carácter confessional, sentimental, da sua poesia, segue a linha de António Nobre, facto reconhecido pela poetisa.
Por outro lado, a técnica do soneto, que a celebrizou, é, sobretudo, influência de Antero de Quental e, mais longinquamente, de Camões. Poetisa de excessos, cultivou exacerbadamente a paixão, com voz marcadamente feminina (em que alguns críticos encontram dom-joanismo no feminino).
A sua poesia, mesmo pecando por vezes por algum convencionalismo, tem suscitado interesse contínuo de leitores e investigadores. É tida como a grande figura feminina das primeiras décadas da literatura portuguesa do século XX.TORMENTO DO IDEAL
Laury Maciel[1]
Florbela d’Alma da Conceição Lobo Espanca nasceu em Vila Viçosa (Alentejo), em 1894. Seus primeiros versos são da época em que fez o curso secundário, em Évora, e que somente viriam a ser reunidos em volume depois de sua morte.
Malogrado seu casamento, vai para Lisboa estudar Direito e, nesse mesmo ano, 1919, publica Livro de mágoas, que passa despercebido. Igual destino teve a obra seguinte, Livro de Soror Saudade, dado a lume em 1923. Novamente infeliz no casamento, retira-se do convívio social, embora continue a escrever poesia e a publicá-la ao acaso. Recolhe-se a Matosinhos, já agora estimulada pelas renovadas esperanças de felicidade conjugal, mas seus versos entram a dar sinais de exaustão. Morre, segundo alguns estudiosos, de suicídio, em 1930.
Toda a produção de Florbela entre os anos de 1915 e 1917 – tanto em poesia como em contos – foi escrita em um livro de mercearia ao qual ela deu o título de Trocando olhares. Deste livro ela separou 33 poemas para publicar sob o título de O livro d’ele, o que não aconteceria.
Publicou os livros de poesia: Livro de mágoas, 1919; Livro de Soror Saudade, 1923; Reliquiae, 1931; Charneca em flor, 1929. E contos: As máscaras do destino, 1931; Dominó negro, 193l.
Talvez Tormento do ideal, título de um dos sonetos de Antero de Quental[2], de quem Florbela Espanca foi discípula – e que recorrera ao suicídio, na impossibilidade de respostas para suas indagações de ordem teológico-existencial –, possa lançar tênue luz sobre a trajetória filosófica e moral da poeta, da qual certamente a base é o amor. “Dele brotam – como notou muito bem Antônio Freire – todas as qualidades e defeitos da poetisa; nele, até, mergulha raízes profundas a prodigiosa inspiração poética que a imortalizou como artista”.
Portadora de uma insaciável sede de amar, logo convertida em ideário de vida, tem início sua dolorosa tragédia: a impossibilidade de expressar, à perfeição, este estado de alma.
Feliciano Ramos, em sua excelente História da Literatura Portuguesa, assinala que “Escolheu (Florbela Espanca) o soneto para transmitir a sua perturbante e sombria interioridade. Dentro dessa pequenina fórmula métrica e estrófica, Florbela move-se e realiza-se com todo o à vontade: crê-se que os seus versos registram com estridência dramática o cruciante viver de sua ‘alma trágica e doente’ (soneto Ao vento). E, no entanto, embora os sonetos de Florbela sejam tão angustiosos e contagiantes, ela tristemente verifica a impossibilidade de efetuar a comunicação integral de sua desventura: no soneto Impossível, confessa que a sua dor é tão grande que não caberia mesmo em ‘cem milhões de versos’, caso os viesse a escrever.” E continua Feliciano Ramos: “Agitada por eterna ansiedade, está sempre longe de encontrar o que espera: ‘o meu reino fica para além’ dirá Florbela, assediada pelo tormento de constantemente pedir à vida mais do que ela pode dar. Esta ‘inquietação’ de exilada da realidade inspira-lhe versos comoventes”.
Nesse sentido – me parece – é que no mencionado Tormento do ideal (soneto em que Antero traduz, à perfeição, todo o seu pessimismo à Schopenhauer), reside integralmente o drama existencial de Florbela Espanca: a inútil busca da forma para expressá-lo:
Tropeço em sombras, na matéria dura,
E encontro a imperfeição de quanto existe.
De ti que me trouxeste pela mão
Até ao brilho desta chama quente.
Ensinou-me a cantar... e essa canção
Foi ritmo nos meus versos de paixão,
Foi graça no meu peito de descrente,
Cravos rubros a arder numa fogueira.
– Águia real, apontas-me a subida!
Sempre o amor: Mesmo a um velho eu perguntei: “Velhinho, /Viste o Amor acaso em teu caminho?” / E o velho estremeceu... olhou...e riu... / (...) E eu paro a murmurar: “Ninguém o viu!”
Pior: o amor ludibriou-a: Procurei o amor que me mentiu.
A própria poeta, num autorretrato, mostra até que ponto o seu temperamento, visceralmente insatisfeito, a fadava à incompreensão: O meu talento! De que me tem servido? Não trouxe nunca às minhas mãos vazias a mais pequena esmola do destino. Até hoje não há ninguém que de mim se tenha aproximado que não me tenha feito mal. Talvez culpa minha, talvez... O meu mundo não é como o dos outros; quero demais, exijo demais; há em mim uma sede de infinito, uma angústia constante que nem eu mesma compreendo, pois estou longe de ser uma pessimista; sou antes uma exaltada, com uma alma intensa, violenta, atormentada, uma alma que se não sente bem onde está, que tem saudades... sei lá de quê!
É lícito, pois, diante de tanto sofrimento, que a confissão acima corrobora, admitir-se a ideia de que Florbela Espanca se teria suicidado. Amélia Vilar, uma estudiosa da grande poeta, afirma: Essa neurastenia que, sem dó nem piedade, lhe tumultuava no sangue, tinha de produzir os seus funestos estragos nas lamentáveis consequências do suicídio.
Se colocarmos a questão sob a jurisdição da patologia, talvez Amélia Vilar tenha razão. Mas não. Florbela padece de uma sede de infinito que nem seu invulgar talento pode saciar: um tormento do ideal, que tem a ver muito mais com a verdade literária do que com a patologia.
A verdade é que o suicídio nunca se provou, por mais que queiram justificá-lo também com uma provável relação incestuosa com seu irmão Apeles, tragicamente morto nas águas do Tejo, por quem, de fato, votava extremado amor de irmã. Tudo não passou de uma campanha difamatória, como tantas que circularam em torno da poeta.
Há um testemunho decisivo, definitivo (colhido pelo citado Antônio Freire), sobre o assunto e, que, a nosso ver, encerra o assunto: é o do padre Nuno Sanches, de Matosinhos, e que diz o seguinte: Como sacerdote católico, sei o que a Igreja estabelece para os suicidas; como coadjutor da paróquia (de Matosinhos), no cemitério do qual foi inumada a poetisa Florbela Espanca, sei que o seu enterro foi feito religiosamente, assim como o fora antes o seu casamento. Para o enterro religioso não foi pedida nenhuma dispensa ou autorização especial às autoridades eclesiásticas, o que exclui, portanto, essa tal hipótese, que tenho por caluniosa e tanto mais reprovável quando se trata de alguém que não pode defender-se.
Por tudo isso, Florbela Espanca tem sido considerada, com muita justiça, a figura feminina mais importante da Literatura Portuguesa. Sua poesia, mais significativa que seus contos e produto duma sensibilidade exacerbada por fortes impulsos eróticos, corresponde a um verdadeiro diário íntimo, cuja temperatura de confidência só encontra semelhança nas Cartas de Amor de Mariana Alcoforado.
Cansada de suplicar, a Morte é o próximo passo (como em Antero, no soneto Com os mortos): Deixai entrar a Morte, a iluminada /A quem vem para mim, pra me levar /Abri todas as portas par em par /Como asas a bater em revoada.
A tragédia da impossibilidade de comunicar um amor incorrespondido foi, portanto, a grande tragédia de Florbela Espanca, compreensível (se é que há compreensão para essas coisas) na fusão das duas personalidades da poeta numa só: a artista e a amante.
É neste sentido que o mencionado Tormento do ideal, de Antero de Quental, pode ajudar a derramar alguma luz sobre sua alma trágica.
[1] Laury Maciel (1924-2002) foi escritor, autor de Pedra dos anjos e Noites no sobrado, entre outros, livros e professor de Literatura Portuguesa.
[2]Antero Tarquírio de Quental (1842-1891), grande poeta português, figura polêmica, ativista político, teve grande influência sobre a geração de intelectuais da segunda metade do século XIX e início do século XX. Poeta notável, seu livro mais importante é Sonetos completos (1866). Esteve em Paris em 1868, onde conheceu Michelet e Proudhon, de quem passou a comunhar das ideias socialistas. Suicidou-se em 1891 com um tiro de revólver, em plena praça principal da cidade de Ponta Delgada, nos Açores.
Ver também
robertinho de roberto
FLORBELA ESPANCA : paixão na primeira poesia! poesia que vasa sentimento pra todos os lados! sentimentos que espelham sofrimentos d'alma!
21/outubro/2024
texto bom
naseu en 8 de dezembro e moreu em 8 de dezembro
08/setembro/2021
Conde Alentejano
Para ser sincero isto não é nada bom ando eu a comprar terreno e gado a ainda a pagar aos meu trabalhadores para eles cavarem à força toda para depois a malta da cidade andar a escrever poemas,realmente o meu pai tinha razão ele bem dizia que deviamos fuzilar e esquartejar a malta da cidade por isso é que ele um dia espancou a minha mãe que era lisboeta
25/abril/2021
Pablo 1
Sinto-me nas nuvens com esta escrita
24/abril/2021
Pablo 2
moça muito bonita sim aiaiai bonitona aiai mui spicy yes yes
24/abril/2021
Ao meu amigo Português
Procure trabalhar mais a tolerância! Sugiro pesquisar mais sobre a literatura Brasileira. Ela é sim muito bela. Sugiro que procure por Manuel Bandeira, no caso, meu autor predileto. Lembre-se que o mundo precisa mais do que nunca da tolerância e do amor! Trabalhemos para engrandecer a língua portuguesa.
13/dezembro/2020
Português
Por que motivo no topo da página aparece a bandeira brasileira e a palavra português por baixo??? Não devia aparecer a bandeira portuguesa?? Não se percebe este assassinato da belíssima língua portuguesa por parte dos brasileiros, é um terror, já ninguém percebe o que dizem / escrevem, como é que ainda têm coragem para afirmar que falam / escrevem em português? É uma vergonha!!
18/novembro/2020
Marciel Barbosa
vendo essa musica, fico imaginando qual seria a reação de Florbela Espanca se visse este soneto dela musicado assim com tanta esmeria na voz de Fagner. A gente se maravilha tanto com leitura do soneto quando ouvindo a música.
21/outubro/2020
amanda
e amei
28/setembro/2020
amanda
eu sou espanhola
28/setembro/2020
juju
eu gostei bastante delicado
28/setembro/2020
Professor Ray
Oque vcs entenderam no video
18/setembro/2020
furries mandarao no mundo em 2022
...............intensso
11/agosto/2020
euskadia
.....erro atrás de erro....
Cada calinada ortográfica capaz de por vacas a grunhir.....Deus, assevera que a língua portuguesa em locais de domínio linguístico como este é suposto ser, dizia, deixa no exterior erros crassos, quer de incúria, quer por livre arbítrio
08/agosto/2020
euskadia
.....quanto à violência mefítica daqueles que, por não se saberem sentados em palha, julgarão seus atributos na jactância da vil existência que se lhes (a eles próprios) conferem. Falar ou opinar sobre língua portuguesa e, com quem dela se serviu para redesenharem a sua alma como Deus assentiu o mundo pela geometria, sem o fervor da deferência, então nada sabe sobre o parir duma Essência
06/agosto/2020
euskadia
.....começo sempre com reticências quando a minha alma não sabe o que ordenar à mão manuense....algo tangível que se lhe dedique humanamente possível atingi-la por tamanha arte de pôr na dor a poesia de sentir,, eu estive em Vila viçosa, e esta de flor só tem que ser viva
06/agosto/2020
mgenthbjpafa21
Nâo. Ser poeta nâo é ser maior. A vossa ordem está errada. Quando quiserem saber onde comessa (o meu teclado está hostil) a a grande sabedoria de uma, talvez, quiça, a mais impoortante poetisa portuguesa, não inicuam na soberba, que, eu ateista e tolerante com todas as religiões....não posso aceitar. Grande poetisa, nâo maior que ninguém. Grande é aquele que vê na Humanidade seu alto desiderato.
10/janeiro/2020
mgenthbjpafa21
Florbela, com metro ou sem métrica tenho raiva do tempo em que nos perdemos. Não acredito em épicas declarações apesar de um dos maiores de todos. Preferia ser aquela ou quem quisesses que fosse e saciasse rua sede de infinito como amiga ou realidade à tua escolha. Essa languidez envolve-me e esse medo esse frio... Pudera estar aí para te dar uma palavra uma mão uma opinião de como és real e completamente gente, admiravelmente mulher, poetiza por decorrências irresolvidas. Beijinhos
05/agosto/2019
#vski
Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente!
22/maio/2019
quanta besteira leio aqui, de pessoas que julgam, uma pessoa por seus escritos e vidaa particular.poesia é poesia, o particular fica a parte. porem, deus infelismente não dá a todos em seus neuroneos, a capacidade de ser e escrever como ''Flor Bela''...é quando se vê quanta estupidez e inguinorância.
09/julho/2016
MARIA FERNANDA 9 ANOS
POESIAS SAO CHATAS MAS SAO MUITO ESPERIENTES DE FAZER NAO SEI OQUE MAS E LEGAL KKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKKK
29/setembro/2015
OLiveira
Cada um é livre de pensar....penso que Florbela viveu a "sua vida" como ela entendeu. Os seus Sonetos sâo uma Obra prima em verso; Soneto; duas quadras e dois terceitos...neles mostra bem que conhecia e manobrava bem a lingua portuguesa. A sua Vida, mesmo no nascimento vemos que toda ela é uma procura de Amor filial e muito mais: três casamentos que falham...Amor que ela procura e procurou sem Nunca o ter encontrado, devido a ser, talvez, impossivel; pois, ela procurava um Amor perfeito, esse amor tâo desejado e Nunca conseguido....penso que viveu muito cêdo em relaçâo à sua época.
22/janeiro/2013
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Amei os poemas a histótia dessa muher incrivel
17/outubro/2012
SANDRA ZIEGLER
"OS VERSOS QUE TE FIZ" ESTE È O MEU POEMA PREFERIDO!!ROMANTICO EROTIZADO....
13/agosto/2012
Carol
https://www.youtube.com/watch?v=jXWXnapDDdI
30/junho/2012
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Tomei conhecimento por um cartaz no metro de São Paulo... projeto "poesia no metrô" e li o trecho de "amiga" achei de uma sensibilidade maravilhosa. Concordo com Ruth Rossini " OLHAR TRISTE...
COMO QUEM ESTA A ESPERAR ALGO,ALGO QUE NUNCA CHEGA..
E ACHO QUE PARA ELA NUNCA CHEGOU.." E quem nunca se sentiu assim ?
COMO QUEM ESTA A ESPERAR ALGO,ALGO QUE NUNCA CHEGA..
E ACHO QUE PARA ELA NUNCA CHEGOU.." E quem nunca se sentiu assim ?
22/junho/2012
kika mendes
Só li esta biografia porque tenho de fazer um trabalho sobre ela na escola, senao, eu acho que nunca iria dar ao trabalho de ler este monte de palavras!
07/maio/2012
Neife mBakri
Florbela Espanca era um nome que eu trago desde a infância,sem ter a noçâo de quem era,sem ter a miníma idéia da importãncia dessa pessoa,do seu legado etc..Hoje movida por um sentimento de não -sei-o-que,resolvi pesquisar e matar minha curiosidade sobre ela.Diante de tudo lido visto,relido,revisto resta-me uma questão porque eu me sinto ligada a Florbela?Sempre tive uma certa atraçâo por ela,só pelo nome,agora então os sentimentos dela parecem com os meus.
28/abril/2012
Manuela Clérigo
Vou apenas dizer isto: Concordo com a MARIANA(02/10/2011),e RUTH ROSSINI(20/06/2011), e as pessoas não podem falar sem saber, sentir, amar, assim :´´perdidamente´´, como Ela. PONTO FINAL.
19/abril/2012
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so estou aki pq tenho q fazer um trabalho sobre ella naescola
24/fevereiro/2012
Mariana
Com certeza a maior poetisa portuguesa. As pessoas deveram se informar para não ficar escrevendo tantas bobagens a respeito de uma poetisa de tamanha grandeza.
02/outubro/2011
gustavo henrique
eu adorei nota 10 para FLORBELA ESPANCA.
28/setembro/2011
António
Foi a maior poetisa portuguesa até hoje. Pelo domínio da Língua Portuguesa, pela sensibilidade. Leiam-lhe a obra e sintam-na! Infelizmente possuía uma alma sôfrega de um tipo de amor que não existe. Daí a sua tragédia. Mas, mesmo assim, foi grande, grande!
05/julho/2011
RUTH ROSSINI
OLHAR TRISTE...
COMO QUEM ESTA A ESPERAR ALGO,ALGO QUE NUNCA CHEGA..
E ACHO QUE PARA ELA NUNCA CHEGOU..
COMO QUEM ESTA A ESPERAR ALGO,ALGO QUE NUNCA CHEGA..
E ACHO QUE PARA ELA NUNCA CHEGOU..
20/junho/2011
maria
Tive uma professora de literatura q nos apresentou florbela espanca,nunca esqueci de sua palavras em relação a poetisa,soube q Fagner inspirou-se em muitas músicas sua,e ele dizia q havia um caso enter ela e o irmão q não podia ser concretizado,daí tanta angustia,solidão.....
15/junho/2011
Luís Durões
Não conheçia a Florbela Espanca, até saber que a música FANATISMO - Cantada pelo cantor brasileiro - FAGNER, teve a letra baseada em sua poesia de mesmo nome. Gostei de algumas poesias - contudo acho-as tristes e uma pessoa que cultivava tanta tristeza, não poderia ter outro fim.
14/maio/2011
janete
calen-se masé , a ´women é sensacional e very beutiful, but acho very bad o facto de ela ter batido a bota tão cedo , tenho very penucha de vocês , vocês têm very lucky de não ter batido a bota em vez dela, curtam a vida , fiquem bem peace and love .!
21/abril/2011
Marta
Por amor de Deus Filipa isso que dizes é pura ignorância ... Se leste bem a biografia entenderias que ela sofreu bastante ao longo da sua vida
08/março/2011
filipa
esta mulher suisidou-se nao acho isso cotrrecto tantas crianças que vao á net e ficam assustadasjskkslklzd
24/fevereiro/2011