Vitorino Nemésio

Vitorino Nemésio

Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva foi um poeta, escritor e intelectual de origem açoriana que se destacou como romancista, autor de Mau Tempo no Canal, e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

1901-12-19 Ilha Terceira
1978-02-20 Lisboa
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Alguns Poemas

Outro Testamento

Quando eu morrer deitem-me nu à cova
Como uma libra ou uma raiz,
Dêem a minha roupa a uma mulher nova
Para o amante que a não quis.

Façam coisas bonitas por minha alma:
Espalhem moedas, rosas, figos.
Dando-me terra dura e calma,
Cortem as unhas aos meus amigos.

Quando eu morrer mandem embora os lírios:
Vou nu, não quero que me vejam
Assim puro e conciso entre círios vergados.
As rosas sim; estão acostumadas
A bem cair no que desejam:
Sejam as rosas toleradas.
Mas não me levem os cravos ásperos e quentes
Que minha Mulher me trouxe:
Ficam para o seu cabelo de viúva,
Ali, em vez da minha mão;
Ali, naquela cara doce...
Ficam para irritar a turba
E eu existir, para analfabetos, nessa correcta irritação.

Quando eu morrer e for chegando ao cemitério,
Acima da rampa,
Mandem um coveiro sério
Verificar, campa por campa
(Mas é batendo devagarinho
Só três pancadas em cada tampa,
E um só coveiro seguro chega),
Se os mortos têm licor de ausência
(Como nas pipas de uma adega
Se bate o tampo, a ver o vinho):
Se os mortos têm licor de ausência
Para bebermos de cova a cova,
Naturalmente, como quem prova
Da lavra da própria paciência.

Quando eu morrer. . .
Eu morro lá!
Faço-me morto aqui, nu nas minhas palavras,
Pois quando me comovo até o osso é sonoro.

Minha casa de sons com o morador na lua,
Esqueleto que deixo em linhas trabalhado:
Minha morte civil será uma cena de rua;
Palavras, terras onde moro,
Nunca vos deixarei.

Mas quando eu morrer, só por geometria,
Largando a vertical, ferida do ar,
Façam, à portuguesa, uma alegria para todos;
Distraiam as mulheres, que poderiam chorar;
Dêem vinho, beijos, flores, figos a rodos,
E levem-me - só horizonte - para o mar.

Escritor e professor universitário português, natural da Praia da Vitória, ilha Terceira (Açores). Fez os estudos secundários em Angra do Heroísmo e na Horta. Em 1916 publicou o seu primeiro livro de poemas, Canto Matinal, e interrompeu os estudos. Tendo vindo para o continente, foi empregado de escritório em Lisboa e, em 1921, tornou-se redactor de A Pátria e da Imprensa Nacional, sendo ainda um dos fundadores de Última Hora, precursor do Diário de Lisboa. Em 1922, ano em que publicou Nave Etérea e o seu primeiro livro de contos, Paço do Milhafre, inscreveu-se no curso de Direito, passando depois à Faculdade de Letras (1924), primeiro na secção de História e Geografia e, finalmente, em Filologia Românica, concluindo a sua licenciatura em 1931. Durante os anos de permanência em Coimbra foi presidente do Centro Republicano Académico e da Associação Cristã de Estudantes de Letras, director dos jornais Humanidades e Gente Nova e da revista literária Tríptico, precursora da Presença. Em 1933 foi contratado como professor auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa, aí se doutorando, em 1934, com a tese A Mocidade de Herculano Até à Volta do Exílio. Foi professor universitário em Montpellier (1935-1937), em Bruxelas (1939), na Universidade da Baía (1958), na Universidade Federal do Ceará (1965) e na Faculdade de Letras de Lisboa, desde 1941, ano em que se tornou professor catedrático, até 1971, ano em que atingiu o limite de idade, o que deu lugar à publicação, em 1972, do seu Limite de Idade. De 1957 a 1959 foi director da Faculdade de Letras de Lisboa, pelo que fez parte da Comissão de Reforma das Faculdades de Letras. Em 1960, participou nas comissões nacionais dos centenários da morte do infante D. Henrique e da publicação de Os Lusíadas. Colaborou na Presença e lançou a Revista de Portugal, que proporcionou um amplo reconhecimento do movimento modernista e de outras correntes de vanguarda, dando origem à divulgação das tendências das literaturas portuguesa e brasileira da época. Foi autor e apresentador do programa televisivo «Se bem me lembro...», que o popularizou, e dirigiu o jornal O Dia entre 1975 e 1976. Nemésio foi ficcionista, poeta, cronista, ensaísta, biógrafo e ainda historiador. Levou a cabo, na sua obra, uma transformação das tendências da Presença (que de certa forma precedeu), garantindo a perenidade dos seus textos. Fortemente marcado pelas suas raízes insulares, a vida açoriana e as recordações da sua infância percorrem a obra do escritor, numa espécie de apelo, revelado pela ternura da sua inspiração popular, pela presença das coisas simples e das gentes, e por uma profunda compreensão, em relação à existência e ao sofrimento implícito na vida humana. Por outro lado, a sua obra poética e ensaística revela também o conhecimento e a assimilação de pensadores e poetas da vanguarda internacional, como Heidegger, Rilke ou Valéry, com reflexos na exploração da linguagem nas suas capacidades metafóricas e imagéticas, procurando renovar as formas de criação poética. Aliando uma vasta erudição à capacidade de intuir imagens de grande intensidade poética, foi um dos grandes escritores portugueses do século XX, recebendo, em 1966, o Prémio Nacional de Literatura e, em 1973, o Prémio Montaigne. Entre os seus romances, destaca-se Mau Tempo no Canal, publicado em 1944 e desde logo considerado pela crítica como o primeiro romance português contemporâneo. Em torno de uma história de amores contrariados desencadeiam-se, num processo próximo da tradição do romance inglês, motivos e eventos representativos da sociedade açoriana do primeiro quartel do século XX. Segundo David Mourão-Ferreira, este «romance de situações e de ambientes, de costumes e de estados de alma, realista e simbólico», define-se, sobretudo, pela «dimensão poética, através da qual tudo o mais se avoluma e eterniza». Escreveu as obras poéticas Canto Matinal (1916), Nave Etérea (1922), O Bicho Harmonioso (1938), Eu, Comovido a Oeste (1940), Festa Redonda (1950), Nem Toda a Noite a Vida (1953), O Pão e a Culpa (1955), O Verbo e a Morte (1959), O Cavalo Encantado (1963), Andamento Holandês e Poemas Graves (1964), Ode ao Rio, ABC do Rio de Janeiro (1965), Canto de Véspera (1966), Violão de Morro (1968), Limite de Idade (1972), Poemas Brasileiros (1972), Sapateia Açoriana, Andamento Holandês e Outros Poemas (1976). É ainda autor de romances, novelas, contos, viagens e crónicas como Paço do Milhafre (1924), Varanda de Pilatos (1926), A Casa Fechada (1937), Mau Tempo no Canal (1944, Prémio Ricardo Malheiros), O Mistério do Paço do Milhafre (1949), O Segredo de Ouro Preto e Outros Caminhos (1954), Corsário das Ilhas (1956, crónicas), O Retrato do Semeador (1958, crónicas), Viagens ao Pé da Porta (1965), Caatinga e Terra Caída (1968), Quatro Prisões Debaixo de Armas (1972) e Jornal do Observador (1974, crónicas). De entre os variados ensaios e volumes de crítica que escreveu, destacam-se Sob os Signos de Agora (1932), A Mocidade de Herculano (1934), Ondas Médias (1945) e Conhecimento de Poesia (1958). Dedicou-se também à investigação histórica, criando as obras Isabel de Aragão (1936), O Campo de S. Paulo, A Companhia de Jesus e o Plano Português do Brasil (1954) e Vida e Obra do Infante D. Henrique (1959)
Vitorino Nemésio foi um poeta açoriano, nascido a 19 de dezembro de 1901. Foi também romancista, crítico e professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Lecionou no Brasil em 1958. Publicou em poesia, entre outros, O Bicho Harmonioso (1938), Eu, Comovido a Oeste (1940), Nem Toda a Noite a Vida (1953), O Verbo e a Morte (1959), Canto de Véspera (1966) e Sapateia Açoriana, Andamento Holandês e Outros Poemas (1976). Foi contemporâneo exato de poetas brasileiros como Murilo Mendes (1901 - 1975) e Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987).
 
Publicou ainda os romances Paço de Milhafre (1924), Varanda de Pilatos (1926) e seu trabalho mais famoso, Mau Tempo no Canal (1944). Vitorino Nemésio faleceu em Lisboa, a 20 de fevereiro de 1978.
 
 
--- Ricardo Domeneck
 
 
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