Adélia Prado
Adélia Luzia Prado Freitas é uma escritora brasileira. Seus textos retratam o cotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características de seu estilo único.
1935-12-13 Divinópolis, Minas Gerais, Brasil
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Duas Horas da Tarde No Brasil
Tanto quanto a vida amo este calor,
esta claridade metafísica,
este pequeno milagre:
no ar tórrido os alecrins de seda não se crestam,
espalmam como os jovens hebreus cantando na fornalha.
Quem sofre é meu coração,
às duas horas da tarde quer rezar.
Quem me chama é Deus?
É Seu olho centrífugo o que me puxa?
A vida tão curta e ainda não tenho estilo,
palavras como astrolábio desviam-me de meus deveres,
a forma de um nariz por semanas ocupa-me,
seu jeito triste de fechar a boca.
A quem amo enfim?
Acaso fui seduzida pelo Filho do Homem
e confundo você, mesquinho,
e confundo você, vaidoso,
com o que me quer com ele
gemendo na sua cama de cruz?
O europeu diz-se aturdido com o desperdício do sol.
Obrigada, respondo, com vergonha de carnaval,
de batuques, de meus quadris excessivos.
Jesus é búlgaro? Afegão? Holandês da colônia?
Brasileiro não é. Estranhíssimo, sim,
com seu corpo desnudo e perfurado,
mendigando carinho, igual ao meu.
Minha pátria, como as outras, tem folclore,
cantigas cheias de melancolia.
Como posso aceitar que morreremos?
E a alma do povo, a quem aproveitaria?
Frigoríficos são horríveis
mas devo poetizá-los
para que nada escape à redenção:
Frigorífico do Jiboia
Carne fresca
Preço joia.
De novo quero rezar pra não ficar estrangeira
meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?
Dizei-me quem sois Vós e quem sou eu,
dizei-me quem sois Vós e quem sou eu.
esta claridade metafísica,
este pequeno milagre:
no ar tórrido os alecrins de seda não se crestam,
espalmam como os jovens hebreus cantando na fornalha.
Quem sofre é meu coração,
às duas horas da tarde quer rezar.
Quem me chama é Deus?
É Seu olho centrífugo o que me puxa?
A vida tão curta e ainda não tenho estilo,
palavras como astrolábio desviam-me de meus deveres,
a forma de um nariz por semanas ocupa-me,
seu jeito triste de fechar a boca.
A quem amo enfim?
Acaso fui seduzida pelo Filho do Homem
e confundo você, mesquinho,
e confundo você, vaidoso,
com o que me quer com ele
gemendo na sua cama de cruz?
O europeu diz-se aturdido com o desperdício do sol.
Obrigada, respondo, com vergonha de carnaval,
de batuques, de meus quadris excessivos.
Jesus é búlgaro? Afegão? Holandês da colônia?
Brasileiro não é. Estranhíssimo, sim,
com seu corpo desnudo e perfurado,
mendigando carinho, igual ao meu.
Minha pátria, como as outras, tem folclore,
cantigas cheias de melancolia.
Como posso aceitar que morreremos?
E a alma do povo, a quem aproveitaria?
Frigoríficos são horríveis
mas devo poetizá-los
para que nada escape à redenção:
Frigorífico do Jiboia
Carne fresca
Preço joia.
De novo quero rezar pra não ficar estrangeira
meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?
Dizei-me quem sois Vós e quem sou eu,
dizei-me quem sois Vós e quem sou eu.
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