Pier Paolo Pasolini
Pier Paolo Pasolini foi um cineasta, poeta e escritor italiano. Em seus trabalhos, Pasolini demonstrou uma versatilidade cultural única e extraordinária, que serviu para transformá-lo numa figura controversa. Embora seu trabalho continue a gerar polêmica e controvérsia até hoje, enquanto era vivo, seus trabalhos foram tidos como obras de arte segundo muitos pensadores da cultura italiana.
1922-03-05 Bolonha
1975-11-02 Ostia
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Alguns Poemas
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Livros
Não houvesse sido massacrado naquela praia de Óstia na noite de 2 de novembro de 1975. Tivesse sobrevivido a outras violências. É apenas especulação, sei bem, imaginar se Pasolini ainda estaria entre nós hoje, tivesse sido dado a ele o direito de morrer, como dizemos no Brasil, de velhice. Sua lucidez poderia ser, hoje, não uma luz na escuridão, como gostamos de dizer sobre guias, mas talvez uma sombra para o aparente excesso de claridade, nesses tempos em que presenciamos nova escalada nas bipolarizações que se alardeou como mortas na década de 90. Pasolini parecia saber navegar entre duas margens. Contraste, essa era a habilidade luminar de sua inteligência, para percebermos melhor os contornos do que, sendo ameaças, possuem quinas, cantos. Esta não é uma postagem comum. A biografia de Pasolini é conhecida, seria fácil obter os títulos de seus livros. Este texto é uma homenagem, um lamento, ou outra coisa inútil qualquer à qual vocês talvez queiram dar o nome.
Eu penso no discurso de Alberto Moravia no velório de Pasolini, em sua fúria e indignação e sinto, quase 40 anos depois de sua morte, algo dela. Talvez seja apenas imaginação. Há uma passagem no ensaio "Lírica e sociedade", de Adorno, em que ele diz, de certa forma, que compreende o porquê os esbirros de Franco precisaram assassinar Lorca. Adorno queria-o como exemplo em sua defesa de uma lírica que ataca e se torna perigosa pela negação do mundo ao redor. Que acusa pela ausência. Que se faz insuportável para o poder por abster-se de participar da divisão dos despojos, que sempre foi coisa dos vencedores sobre os vencidos. Por mais que aquilo me emocionasse como jovem poeta aprendiz, sabia que aquilo turvava a imagem de Lorca e sua participação completa na comunidade de seu tempo: com sua poesia, com seu teatro... com seu próprio corpo de homem que negava a violência do patriarca. A violência do vencedor.
Pasolini é, na Itália, mais que o cineasta como é visto ao redor do mundo e mesmo no Brasil, poeta. Talvez seja apenas natural que a sua linguagem cinematográfica seja mais conhecida no mundo, já que a poesia segue nas margens do marginal. A lírica de Pasolini sonhava com uma terra de infância idealizada e perdida no Friûl, mas jamais se absteve de participar da vida de sua comunidade, os pés sobre as cinzas de Gramsci. O homem que os esbirros da direita italiana odiavam e precisaram matar atacava com sua poesia, seu cinema, seus romances, seus artigos... e seu corpo de homem que negava a violência do patriarca. A violência do vencedor. Nunca se abstendo, mas imiscuindo-se na vida de sua comunidade. Política.
Mahmoud Darwish falou certa vez sobre a história de Troia, contada por um poeta grego, por um poeta do povo vencedor. Aquele que divide entre si os despojos. Mas grande poeta que foi, tenha ou não sido um único homem, sente-se em Homero a tristeza em meio à divisão dos despojos. Assim como em Eurípides, As Troianas são as troianas mas são também as mulheres da ilha de Melos, devastada pelos atenienses no ano em que Eurípides escreveu As Troianas. A poeta canadense Anne Carson reuniu suas traduções para quatro tragédias de Eurípides num livro chamado Grief Lessons. Lições em luto? Lições em aflição? Minha mãe dizia: "Não peça paciência a Deus, que ele manda provação". Eu gostaria de um dia encenar As Troianas com soldados norte-americanos e mulheres afegãs. Mas, ora, por que não com soldados brasileiros e mulheres dos Munduruku? Por que não com policiais militares paulistanos e as mães negras da periferia? Por que não com machos violentos quaisquer e transsexuais tão despojados de direitos quanto as troianas?
Como para os gregos o espectro frio de Aquiles valia mais que o sangue quente de Polixena, também para os esbirros da direita italiana o espectro frio de sua masculinidade bélica valia mais que o sangue quente irrigando uma mente como a de Pier Paolo Pasolini. A História se repete ad nauseam. Quem dera tivesse realmente fim, como dizia a propaganda do fim de século.
Não quero generalizar sobre a natureza da poesia ou falar sobre o poeta usando um artigo definido, ah, sempre masculino. Mas os poetas que mais amo são aqueles que sempre se colocam, de uma maneira ou de outra, entre os povos menores. E se tenho hoje fome e, como poeta, tenho dois alugueis atrasados, ao menos os poetas ainda podem dizer que não estão dividindo os despojos com os vencedores. Não, isso não é uma apologia da pobreza ou a velha desculpa metafísica do poeta como outsider. Marina Tsvetáieva escreveu que todo poeta é um judeu, no tempo em que estes eram um povo menor. É melhor que um poeta esteja do lado dos povos menores de seu tempo. Que serão sempre subjugados. Pasolini escreveu: "Sexo, consolação da pobreza". Porque ele, poeta, sabia como os povos menores do território que hoje chamamos de Brasil que "o outro sempre chega". E eu gostaria de acreditar, como o Pasolini dos poemas amorosos, que nem sempre o outro chaga.
--- Ricardo Domeneck