Sentados num muro
Interrompo o desfiar do corpo
pelos chãos verdes,
testemunhos que são
de passeios leves.
Neles se estendem agora
folhas brancas,
nuvens,
colocadas ali
com todo o cuidado
por deuses,
nos seus interlúdios merecidos,
prenhes da resposta
à pergunta que um poeta faz,
tão mais absorto está que as divindades.
Deleito-me ante aquelas sombras,
a tua,
a deles...
Olho-as e já as vejo
tornadas corpos cintilantes
pingando do céu
como que esvoaçando pelas noites cerúleas.
[Pareço divagar,
parece que nada do que digo faz sentido,
mas espera...
Apodero-me do que pensas,
procuro responder,
imaginando que são para mim
as perguntas,
todas as que não fazes, que adivinho.
Espera então,
porque já sou eu que me questiono
que descaradamente inverto os papéis.
Deixa-me continuar este devaneio,
retomar o fio
por em ordem o que penso,
o que te quero dizer,
fazer sentir.]
Vão ser lavradas,
sulcadas por pensamentos,
aradas,
as nuvens.
Vão alagar-se de suspiros
que choverão dos teus dedos
entrelaçados ludicamente nos meus...
Tornar-se-ão regadios que nos encherão,
tornando-nos campo exuberante.
Mas mesmo assim,
continuarão brancas,
enquanto,
incólumes,
nascerão de nós dias róseos,
nascerão de nós mais histórias,
onde correremos descalços.
Silenciar-se-ão por fim,
aquietar-se-ão,
aconchegar-se-ão
até adormecerem,
deixando-se apenas deslizar
pela pergunta,
margem de um rio que não cruzamos
com medo de nos afastarmos
do quanto nos queremos.
Se olharmos bem,
estarão dois vultos que se passeiam
na outra margem.
Se olharmos bem,
cruzaram o rio,
o receio ficou ancorado do lado de lá.
Se olharmos bem,
conseguiremos, até, vislumbrar uma cidade,
espécie de lugar onde ficaram as espadas...
E já é um jardim aquela margem,
um canteiro de cravos e de rosas,
e,
mais ao fundo,
um muro de pedra...
[Alonguei-me, perdoa,
mas valeu a pena.]
Se olhares bem,
pousada no muro
está a resposta,
está um lugar onde já estou sentada,
onde também já estás
e um outro lugar bem no nosso meio,
um espaço que espera, ansioso,
pela frase guardada.
Enchamos então o silêncio,
Meu Amor,
porque é nosso, por direito, o momento.
Vamos ver como um canteiro
pleno de cravos e rosas
vai ficar então completo
com o que nos diremos:
Quem somos na nossa memória?
Duas margens que se encontraram
num rio.
Afinal,
foi sempre parte integrante de nós.