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Marcelo Felipe Toledo Bortolotto, ou apenas, O louco no ápice dos seus 24 anos, nascido em Curitiba, vivendo em Laranjeiras do Sul, PR. Escrevendo mais do que vivendo, e consequentemente vivendo mais pelas histórias inventadas do que a própria vida.

1997-02-15 Laranjeiras do Sul, PR
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Alguns Poemas

Vida.

À juventude em mim, ainda, e ainda sou jovem, se assim posso dizer é que a alma de criança sapeca ainda vive em mim, a vontade de correr descalço no mato de tomar banho de chuva e de nadar pelado, ainda correm em minhas veias. A vida me deu dois pés, tortos e inúteis, a vida me deu um presente, uma mulher que concertou meus pés e que mal sabe ela, mas eu a amo por isso, hoje eu corro eu brinco e eu canto, pelos quatro cantos do lugar onde vivo. Eu tive medo de morrer eu tive medo de perder eu tive medo a minha vida toda, e hoje o meu medo é de não conseguir viver o suficiente pra escrever tudo que  desejo escrever. 
Eu era assim, uma criança meio triste e meio feliz, eu sou assim, um jovem adulto meio confuso e meio certo da minha confusão, eu já me perdi muito neste vasto mundão, mas eu me perdi mais ainda no meu próprio mundo, esse mesmo, o mundo inventado de cada indivíduo que vive ao teu lado, e não negue nem por um segundo, não negue que tu vive no teu mundo, todos temos nossos refúgios mas não se perca também, ou também ira sofrer com a dor de se perder em si mesmo.
É difícil achar uma agulha em um palheiro, mas eu digo e repito e afirmo quantas vezes for preciso, é mais difícil achar a si mesmo dentro de si. Olhar pra quem é e admitir que não é um ser perfeito, abraçar os defeitos corrigir os erros e ser sempre alguém melhor do que foi, hoje cedo. A vida é uma peça de teatro eu sou diretor e o elenco, eu sou o público que se prepara para ver o espetáculo, uma peça de quebra cabeça que não se encaixa, uma peça da engrenagem de um relógio quebrado, por ser maú usado e nem um pouco conservado. A vida é dura feito pedra, a vida é leve feito o vento, a vida é curta demais pra se apegar demais à um momento, a vida é um passeio de escola onde conhecemos gente nova, fazemos amizades e temos que nos despedir, a vida é um trem bala que não para e se você parar, ou ela te atropela ou você fica para trás.
Eu já vivi duas décadas e um pouco mais, e eu sei ou eu acho que sei, mas eu espero ou eu ao menos quero, viver um pouco mais, a vida é uma coisa doida, demora pra entender e quando entende você percebe que sofria por coisa pouca.
Eu acredito,  ou quase isso, que a vida é uma dádiva, tem mil jeitos diferentes de morrer, mas só um de nascer, a vida é uma obra prima de um pintor desconhecido que morreu sem assinar ao terminar de pintar, a vida é tudo isso e muito mais, a vida é o que a gente faz.

A confeiteira e seus bolos.

[...] Sete longos anos se passaram, desde a última vez em que há vi. Ao longo destes anos todos, contei os meses, as semanas, as horas, os minutos e os segundos para revê-la, pela vaga memória que reside nos meus pensamentos cotidianos, o que mais me fazia sentir saudade dela, era o cheiro dos bolos que ela preparava com tanta ternura ainda que muito embora o último que tive o prazer de provar, estivesse um tanto triste.
Sim, triste, permita-me explicar. Todos os bolos que aquela jovem condessa preparava, tinha em sua receita, muito dos teus sentimentos que carregava contigo ao longo do dia, desde o primeiro sentimento que tinha ao acordar pela manhã com o sol adentrando pela janela do teu quarto e beijando seu delicado rosto como um desejo de bom dia e boa sorte, até o que sentia ao fazer a mistura para os seus bolos, com a água gelada, o leite morno e os ovos em temperatura ambiente. 
Se acordasse triste, seus bolos eram recheados de sentimentos pesados e delicados, como a calda de ameixas que ela usava junto de um suave creme de merengue, nem muito doce nem muito neutro, exatamente na medida para que os corações de quem provasse pudesse de deleitar com a sensação de um beijo da pessoa amada depois de muito separados pelo tempo e espaço, e enfim se reencontrando. Ou quando acordava alegre e radiante como o sol em um dia de verão, tinha em mente alguns ingredientes diferentes para passar o frescos e o perfume desses dias alegres, algo como raspas de laranja por cima do bolo, a sua massa regada em água de coco, chocolate branco e preto com uma cobertura no meio contendo o frescor dos morangos mais vermelhos e suculentos que os olhos humanos poderiam presenciar.
O fato é, o último bolo que eu provei, estava excessivamente triste, fazia meu coração pesar e os olhos se derramar em rios de lágrimas. A minha queria e amada confeiteira, no dia em questão, estava de partida sem data de retorno prevista. Era aterrorizante pensar que, não saberia a data em que meus olhos poderiam se aconchegar nos dela, em um abraço de almas pelas janelas de suas gaiola. Mas fiz uma promessa em silêncio para ela, que mesmo sem que uma palavra fosse pronunciada ao menos, ela entendeu e concordou com o que foi prometido. 
Havia te prometido, jamais em hipótese alguma, provar outro bolo que não o dela levasse o tempo que fosse. E assim se foram os longos sete anos, passando como os pássaros em migração, como as estações em transição. Neste meio tempo, vaguei pelas confeitarias da cidadezinha de Nautilus, apenas vendo o que tinham de melhor no quesito bolos, sem que provasse qualquer um deles, apenas degustava com os olhos e olfato. Em cada uma das confeitarias que passava certo tempo do meu dia, eu dedicava além dos meus sentidos e tempo de vida, as minhas palavras descritivas e imaginativas do que seria e qual sabor teriam aqueles belos bolos enfeitados cheios de requinte e sofisticação.  Muito embora, alguns dos mais belos e perfumados bolos que vi e degustei com os olhos, me chamassem a atenção e me tentassem a quebrar a promessa e cair na tentação do desejo em prová-los, eu me mantive firme e forte como meu amor pela dama dos meus sonhos. 
Levou cerca de seis anos e nove meses para que "o livro dos sabores" ficasse pronto, foi assim que o chamei. O livro dos sabores. E mesmo que não tivesse de fato provado nem um dos bolos, a descrição imaginativa era quase fiel ao sabor, segundo alguns dos leitores que adquiriram o livro, fazendo o sucesso de vendas exponencial por servirá muito bem como um guia de sabores da cidade de Nutilus, garantindo certa riqueza e calmaria de serviços pesados para este que vos escreve. 
Comprei então, uma bela casa não muito grande não muito pequena, apenas na medida, com um vasto terreno plano repleto das mais belas árvores frutíferas mais saborosas e perfumadas de toda a pequena ilha onde a cidade se localizava. Tinha ao fundo da casa, um jardim de vidro para fins de tarde em relaxamento com a companhia de xícaras de chá. A casa em si, era rustica, de madeira, com cheiro de saudade e aconchego misturados com calmaria e amor, por todas as paredes que se olhava, via-se livros de receitas de bolos, doces e outras guloseimas e também alguns de histórias de reinos encantados e contos de fadas para que a mente pudesse viajar na companhia do chá e dos doces.
Meus afazeres diários, consistiam em ver o sol nascer, ouvir o canto dos pássaros e senti o perfume do pomar em passeios matutinos, sentar-me em uma namoradeira para ver o sol se por, e dar boa noite e boas vindas a chegada da lua. Entre um passa-tempo e outro, me pegava pesando nela, contando as horas sem saber quando poderia vê-la novamente. Minha casa se localizava no topo da colina alta, onde poderia ver o sol e a luz, as ondas do mar e as estrelas refletidas no espelho oceânico, onde eu podia ver toda a cidade, prever a chega dos barcos com suas mercadorias e especiarias, e pessoas do grande continente do outro lado do oceano que vinham em busca de aventuras gustativas e palatáveis. Motivo? O livro dos sabores.
Não querendo me gabar, mas o reconhecimento como cidade turística, se deve ao livro qual eu escrevi. Mas voltando ao foco central. Era 23 de setembro, o primeiro dia de primavera e também o mais perfumado do ano. Como de costume, naquele dia já pela manhã me levanto e dou bom dia ao sol e ao vasto oceano azul que reluzia o dourado dos raios do sol, servi de uma xícara de chá e fui para a varanda sentar-me na namoradeira como sempre, ouvindo o canto dos pássaros e sentindo o vento perfumado e salgado. 
Me aprontei para descer a cidade, comprar um pouco de açúcar e outras coisas que estavam por acabar em meu estoque alimentício. Então, ia eu descendo a nem tão íngreme colina floridas, quando avisto ao horizonte, o mesmo barco que a sete anos atrás havia levado o meu grande amor para longe de meu coração. Era inconfundível, "Princesa Helena II" era o nome da embarcação, e pude ter pela certeza, assim que o mesmo atracou ao porto.
Rapidamente, meu pobre coração sofredor, deu-se em pulos de alegria e esperança de que ela estivesse voltando para casa. No mesmo segundo, meus passos aceleraram o compasso, me levando ao pé da colina e início da cidade. Me dirigi rapidamente ao porto afim de logo encontrar a outra metade do meu coração que havia partido.
Com toda a esperança e saudade que transbordava em meus olhos, sequer prestei atenção no tempo que fazia na ilha. Embora houvesse sol e fizesse calor, vinha do outro lado da ilha algumas nuvens negras e tempestuosas. 
Chegando ao porto, me deparo com a cena mais bela que poderia ver com meus olhos alegres e apaixonados, era ela realmente. Linda como sempre, com teus cabelos negros e encaracolados, os lábios grossos e carnudos como me lembrava, a pele tão branca quanto a neve que caia nos meses de inverno, e um sorriso radiante capaz de ofuscar até mesmo o sol, sem esquecer aqueles olhos cor de mel esverdeado com leves manchas negras pintando toda a íris. 
Enfim, meus olhos e braços com saudade e cansados de esperar, puderam novamente se entrelaçar ao corpo delicado e frágil de minha amada, Taísa.
Corri em direção a ela, com todo o amor que havia guardado para dar-lhe, e toda a saudade estampada em minha face, corri e ao chegar bem diante dela, disse.
- Obrigado, grande e vasto oceano, obrigado por trazer de volta o meu grande amor. 
Sem que pudesse conter a saudade, ambos desabam em lágrimas juntos, colados um ao outro. Então tomei ar aos pulmões e disse olhando aos olhos dela, segurando suas mãos quentes e macias. 
- Vamos, sem demora, vamos até minha casa e lá, te sirvo um chá e então tu me conta dos longos anos fora, como foram e como era a tua vida longe de Nautilus e do seu amado e fiel freguês.
E sem demora, fomos juntos em meio a conversas, troca de olhares e sorrisos posteriormente, fomos até o cume da colina onde residia toda minha vida. 
Chegamos, e fui mostrar a casa para ela, mostrei os muitos livros de culinária e confeitaria, mostrei o pomar, mostrei também o jardim de vidro, e sem esquecer, mostrei também a bela cozinha que havia construído pensando nela.
Faltou-lhe palavras para expressar tudo que sentia, mas não me importava tanto assim, apenas desejava de coração saber como tinha sido todos estes anos longe, queria saber de tudo que havia feito até o dia de sua volta para a ilha. Então, ficamos horas sentados na namoradeira conversando sobre os anos, sobre as mudanças e aprendizados, ficamos horas até perder a noção do tempo, e quando nos demos conta a lua já estava aparecendo no horizonte. 
Eu e ela, adentramos de mãos dadas a casa, e nos dirigimos até a cozinha onde fiz-te um pedido.
- Oh Taísa, meu grande e esplêndido amor, desejas tua vida comigo dividir, nesta casa que te pertence mais que a mim mesmo?
Pudesse eu, prever o tempo e suas árduas intempéries. Taísa disse-me que já havia se casado com um grande e rico conde do outro lado do oceano, o qual possuía grandes fábricas de confeitaria. Falta de atenção a minha, pois como não pude ver o grande anel de brilhantes em seu dedo. Tolo, como pude ser tão tolo.
Enfim, depois de me explicar toda a situação enquanto preparava um bolo para acompanhar o chá, em meio a tempestade de começava a cair. Pasmo com o fim da história, só pude compreender e aceitar, aquele amor, jamais me pertenceu. Ela ela dormiu em minha cama, e eu sem sono, continuei no comodo de baixo, olhando aquele bolo quase tão triste e ao mesmo tempo alegre, quanto eu.
No outro dia, bem cedo, ela partiu sem se despedir.

(A)mor(te).

Em uma noite de inverno próximo ao fim do mês de Maio, o ar gélido e petrificante cobria os ares da cidade a noite parecia um retrato sem vida, ou melhor, a vida que se fazia presente estava em estado próximo a da morte, inerte, as ruas da cidade vazias, sem sons de uma cidade movimentada nem grilos ou o canto das madrugadas vindo dos gatos correndo por todos os telhados, a cidade havia congelado por uma noite, como uma paisagem capturada em uma fotografia.
O relógio marcava duas e meia da manhã de uma noite gélida, a insonia vagava livre pelos meus pensamentos, chegando a questionar o que ocorria dentro do quarto escuro e sem vida, e fora pelas janelas que choravam lágrimas frias. O ar frio adentrava o recinto pelas frestas do assoalho velho e mesmo assim ainda resistente, a casa estalava e rangia porém, curiosamente não ventava lá fora.Os cães que guardavam a casa todas as noites, em estado de total alerta e dispostas a afugentar qualquer que fosse, não estavam nem mesmo mostrando disposição na noite em questão. Ouvia alguns ruídos estranhos vindos da cozinha, do banheiro e do lado de fora da casa.
Os sons ecoavam pela sala vazia e fazia estremecer as portas dos meus pensamentos mais medonhos, mesmo com o corpo bem aquecido por rigorosas roupas de inverno, e os pés cobertos por meias quentes de lã ainda assim, o ar parecia fogo ardendo a pele. Não seria estranho dizer, que talvez eu seja a única testemunha capaz de relatar o frio que fazia naquela noite, pois todas as outras almas bem aventuradas já estavam em seu quarto sono da noite, enquanto este que vos fala em palavras frias e quase sem vida, está destinado a passar todas as noites acordado na espera dela.
Olhava em direção a janela do meu quarto enquanto deitado com mais algumas cobertas por cima, sim acredite no que digo, a noite foi de um frio intenso e rigoroso. Enquanto me perdia em pensamentos e com os sons que estava escutando, noto algo peculiar. O quarto que muito escuro estava, foi tomado de um fino véu branco como leite ou como a neve, o que for mais branco dos dois. Uma brisa quente soprava pela janela, mesmo que ela estivesse fechada, e então em aquela existência bela e vaga que via sempre em devaneios noturnos de memórias a muito passadas, adentra o quarto com a pele branca e brilhante e teus pés descalços, vestindo apenas um leve e refrescante véu branco perfumado de mil primaveras. Olho espantado e sem saber como proceder, estava petrificado e sem reação enquanto ainda deitado e envolto pelas cobertas que me aqueciam.
Notei que o quarto estava sendo tomado por vários pontos luminosos e brilhantes, como se o céu e as estrelas fizessem morada no teto do meu quarto.Tinha cabelos quase tão brancos quanto os cravos de um campo de plantações, olhar tênue e limpo de qualquer pecado ou maldade, mãos firmes e pele manchada que me lembravam crateras de um grandioso planeta ou então, as estrelas de uma constelação.Tocou o chão sem fazer barulho algum, e em uma casa de madeira que range a cada passo dado, isto era novidade. Voltou seus olhos para o ser que estava deitado e perplexo com aquilo tudo, estendeu sua mão e disse.
- "É chegada a hora, você sabia que eu voltaria pois foi te avisado em sonhos passados, então cá estou, a tua amante como você me chamava em suas cartas, vim te conceder a última dança."
Me levantei da cama, a qual me protegia do rigoroso frio, toquei o chão com os meus dois pés e me levantei bem diante dela, e olhei profundamente nos olhos, tuas mãos tocaram as minhas. Como descrever aquela sensação, as mãos macias e quentes de uma dama de branco que adentrou meu quarto pela janela fechada, e as minhas mãos gélidas e tremulas como as de quem sente frio e medo, olhando maravilhado aquela encantadora e majestosa presença há minha frente.Foi quando novamente ela me disse.
- "Olhe só você, está lindo, exatamente como eu estou, limpo puro e pronto parar a última dança sem arrependimentos."
Foi ai que me dei conta, olhando para o meu corpo em pé na frente dela, de que eu também estava vestido de branco dos pés a cabaça e por falar em pés, estes estavam igualmente descalços. Dançamos nossa última e prometida dança, com muito louvor e alegria. Ao final, ela me disse olhando bem no fundo dos meus olhos.
- " Vamos agora, é chegada a hora, a sua última dança na terra já se acabou, venha comigo dançar eternamente nos céus recheados de estrelas magnificas e brilhantes."
Pegou em minha mão, e me levou ao mais elevado espaço, ao lado de todas as outras estrelas e lá dançamos até o fim dos dias.

Ensaio sobre a loucura.

Não decorreu muito tempo, desde a última vez que senti a loucura tomando conta do meu corpo e corrompendo a existência deste ser que vos escreve. Mas para explicar melhor, é preciso voltar alguns meses no tempo, até o dia em que pensei que a morte beijaria minha carne nua e envolta por pecados hediondos. Fazia frio naquela noite, mas não tanto quanto o frio que sentia dentro do meu corpo, também pudera não sentir frio e estar em estado quase de hipotermia depois desses longos meses solitários no mar e sem pisar em terra firme. O que aquecia toda a tripulação da Princesa Helena II era o rum e mesmo assim não era o suficiente, o infortúnio da minha vida foi não ter dado a devida atenção necessária as palavras sábias de minha mãe. Ela que sempre me dizia que havia me criado não para o trabalho pesado, mas para as belas artes, isto é, a poesia e pinturas tendo em vista que desde os meus sete anos de vida sempre fui aficionado por retratar com fidelidade eventos ou tempo decorrido de algum evento passado. Era uma criança feliz, correndo livre pelos grandes jardins da casa onde minha mãe prestava serviços, uma gente de requinte e certo renome na cidade de onde vim, mas muito cruel com seus empregados também. 
 
O dono da casa tinha uma afeição por mim, que nunca entendi bem mas não ligava muito também, era bem tratado por ele que sempre me presenteava com telas em branco e tintas para minhas pinturas. Certa noite, Senhor Philips chamou-me até a sala de reuniões, um comodo peculiar que nunca tinha entrado mas mesmo assim minha imaginação que muito fértil, fez questão de idealizar em meus pensamentos. Falou em tom de seriedade com um olhar vago em seu rosto estampado, quase via a tristeza presente ao teu lado sentada junto de ti, na poltrona estofada com detalhes de tapeçaria indiana. O que ele disse naquela noite, para aquela pobre criança que havia completado oito anos de vida, não era algo tragável aos ouvidos delicados que possuía, mas mesmo assim eu já deveria ter previsto que algo do tipo aconteceria, cedo ou tarde. 

-"Veja bem Willian, a guerra está prestes a chegar a este continente e não posso mais sustentar tantos empregados como estou fazendo por todos esses anos, devo investir meus últimos recursos em minha própria segurança e de minha família, mas não posso deixar que seja envolvido em atos inumanos como os que ocorrem nos campos de batalha, por isto tomei de antemão a decisão de lhe assegurar um emprego em um navio que parte hoje mesmo para sabe deus onde, porém eu não vou força-lo a ir." Disse o Senhor Philips com uma voz vaga e demorada em tons cinza de tristeza e saudade. 

Já deve imaginar, qual foi a primeira coisa que perguntei ao homem logo após ouvir o que tinha para dizer. -"Senhor Philips, e minha mão? ela ira comigo neste navio?"

O Senhor petrificou me olhando e era nítido a resposta, muito embora ela demorou a vir, pensei estar envolto em um pesadelo no primeiro momento, pois vi o choro sendo engolido por ele e uma respiração funda e pesada até que a resposta atingiu os campos mais profundos do meu pensamentos devastando toda a paisagem bela que tinha em mente até o momento.

-"Sua mãe vai comigo e com a minha família, ela é nossa melhor empregada e sabe bem disto, não queria ter que fazer uma criança como você passar por algo tão aterrador assim mas infelizmente não há outra escolha."

Pensei comigo mesmo "sempre há outra escolha" afinal, era o que minha bela mãe sempre me dizia. -"Se chegar a uma situação onde não consegue ver outra escolha a não ser a pior possível, pare e deixe teu coração se acalmar e vera que logo outra escolha ou caminho ira brotar em teus pensamentos."
Eu chorei, chorei muito depois de ouvir o que o Senhor me disse, e mesmo não querendo isto eu tive de aceitar as condições. 

-"Dou-te vinte minutos para arrumar tudo que tem de valor e que deseja levar contigo nesta nova vida, e então vou leva-lo até o navio que parte logo mais."

Subi até meu quarto e peguei meus pincéis e telas em branco, porém não cabia dentro da pequena mala que me deram, então coloquei apenas as tintas e pincéis, e entre outros apetrechos artísticos. Não tinha muito o que levar, nem muitas roupas e nem nada de valor real, apenas de valor pessoal, fechei a mala, olhei o comodo onde dormia junto de minha mãe pela última vez e desci as escadas daquela casa. Realmente a casa não era muito grandiosa, mas naquele momento me parecia, cada porta que via pelo corredor que percorri até chegar na escada, me fazia lembrar de algo que vivi naquele lugar magico e seguro.

Chegando a ponta da frente da casa com minha mala na mão direita e o coração na mão esquerda, encontrei o Senhor e o chofer que iria conduzir a carruagem. 
Se me pedissem para entrar em detalhes sobre a casa e os jardins nos dias de hoje, seria impossível e frustrante qualquer tentativa que fosse, pois em minha memória um maú terrível havia devastado as boas lembranças que tinha. Durou bem pouco o percurso de carruagem da casa até o porto onde conheci a Princesa Helena II.
O capitão um homem muito ríspido pegou minha mala assim que cheguei e jogou para dentro do convés e disse em tom de raiva e bem apressado. 
-"Entre logo, vamos partir em cinco minutos." 

Entrando daquela enorme embarcação, pude sentir um frio indescritível em meu corpo todo, um calafrio subia da ponta dos meus pés até o último e mais longo fio de meu cabelo. Novamente eu comecei a chorar, e pedir para que o Senhor Philips não me deixasse ali. Sem exito algum, apenas aceitei o fato de que não veria novamente minha mãe e nem aqueles jardins. 

-"Você, novato. Pegue sua mala e venha comigo, vou te mostrar o seu novo quarto de hoje em diante." Clarence foi o primeiro dos marujos que conheci, um rapaz um tanto peculiar, era manco de uma das pernas e tinha um cabelo meio alaranjado e pintas no rosto, as quais estranhas que nunca tinha visto em nenhum outros ser humano até aquele dia.

-"Sim, já estou indo!" Disse ainda em meio as lágrimas que rolavam pelo meu rosto, e peguei a mala e fui o mais depressa que pude. Embora a tristeza e o sentimento de abandono que sentia naquele momento, eu queria muito conhecer o tal quarto. A embarcação possuía nove quartos, sem contar o do capitão, pois transformou a cabina de comando em seus próprios aposentos, cada quarto detinha um número em sua porta, indo de zero a nove, e como pode imaginar o meu quarto era o último.

Nove nunca foi um número que me chamou muita atenção, eu costumava dizer que meu número da sorte era o sete pela forma bela de se escrever, mas naquela hora eu me contentei com o número nove. Nenhuma grande exuberância nem muito conforto como todos os outros quartos, mas mesmo assim era o meu quarto. Clarence ordenou que eu arrumasse minhas coisas e depois fosse até a cozinha para receber instruções e algumas informações de grande valia para um marinheiro de primeira viagem.
O quarto tinha uma cama ao centro encostada na parede e logo abaixo da escotilha pequena e redonda, um baú ao pé da cama para guardar os pertences e algumas alças para pendurar chapéu e camisas usada. Simplório como deve ser os aposentos de um marinheiro, mas não o de uma criança. Coloquei todas as minhas coisas de valor quase nulo dentro do baú, e me dirigi até a cozinha. 
Vinte minutos, foi o tempo decorrido de todos os acontecimentos, desde entrar na Princesa Helena II até estar diante de um velho barrigudo, com uma imensa barba suja e um cutelo em mãos, que seria o meu superior.
-"Qual o seu nome garoto?" 
-"Meu nome é Willian senhor." Disse quase sussurrando para responder a pergunta do cozinheiro, pois o medo se fazia presente em mim ao olhar para aquele colossal homem de poucos bons modos.

-"Pois bem filhos, eu não sei e não quero saber se sabe ou não descascar batatas, mas ali no canto tem um saco chamando por teu nome, então sem demora vá e descasque duas duzias de batatas." Logo me ordenando assim de cara, sem nem se apresentar. 

Pois bem, não questionei e nem perguntei o nome do meu parceiro de cozinha, apenas cumpri com o que me foi ordenado e comecei logo a descascar as batatas. Sentado no canto próximo ao saco das batatas havia uma faca, não muito grande e nem muito pequena mas muito bem afiada. Logo que comecei a descascar as batatas vi o olhar do chefa da cozinha, e sem demoras meio a primeira ofensa.
-"Garoto imprestável, metade da batata foi jogada fora junto com a casca não sabe nem usar uma faca." 
Me desculpei pelo empecilho que fui em cumprir a única coisa que me foi ordenada, mas logo comecei a me derramar em lágrimas e soluçar a ponto de me afogar com a angústia e o medo que percorria o interior do meu corpo pequeno e frágil. 

-"Engula esse choro e termine de fazer o que te foi ordenado." Falou em tons de raiva e de desgosto, o homem que nem sabia o nome até o então momento. E pensou em voz alta logo depois "o que deu na cabeça do capitão, ficar aceitando garotos chorões" e continuou a preparar o ensopado de porco e legumes. -"Poderia me dizer seu nome, se não for incômodo." Perguntei enquanto limpava as lágrimas do rosto.
Fiquei sem resposta, mas em troca recebi uma ajuda para ao menos aprender a descascar as batatas. -"Clarence venha já aqui, este garoto vai me deixar louco até o ensopado ficar pronto." Gritou enquanto batia com o cutelo em um rígido osso da perna do porco. 
Clarence demorou parar chegar até a cozinha, devido a sua perna não muito boa. -"Chamou senhor Severo?" 

-"Sim Clarence, ensine aquela criatura odiosa a não desperdiçar mais batatas." E foi assim que descobri o nome do cozinheiro sem que ele mesmo notasse. Pois bem, Clarence começou a descascar e falar como era o jeito mais fácil e que não iria desperdiçar batata no processo. Não demorou muito até que eu entendesse o processo, muito embora as mãos de uma criança de oito anos não fossem de grande tamanho comparada as batatas, mas ainda assim a habilidade com o pincel me foi útil, logo a faca se tornou meu novo objeto de diversão e quando vi o saco já estava pela metade. -"Por ter descascado demasiadas batatas, sua janta hoje vai ser as primeiras batatas que descascou errado." Disse Severo balançando aquele cutelo com sangue e fragmento de ossos ainda na lamina.

Apenas aceitei, já que não queria passar fome o que eu não sabia era que eu mesmo teria que preparar as minhas batatas, sendo que nunca havia pegado em uma faca e agora já teria que cozinhar para mim mesmo. Enfim, fiz do jeito que me parecia mais sensato, cozinhei em água fervente e depois usei os restos de carne de porco que estavam jogadas em cima da mesa, não foi um banquete e nem chegou perto, mas por hora me alimentou bem. Posteriormente ao jantar, Clarence me instruiu de minhas obrigações, que seria ajudar na cozinha e quando não houvesse o que ser feito lá, iria limpar o convés. Rapidamente ia me adaptando por mais que as funções motoras e cognitivas para realizar as tarefas não fossem das melhores.
As coisas começaram a dar errado a partir do terceiro dia, enquanto descascava batatas na cozinha com a companhia de Severo, mesmo que calado e sério, me perdi em devaneios e acabei cortando o dedo com a faca. O sangue logo estava por toda a minha roupa, devido ao corte profundo, e começou a regar as batatas já sem cascas no cesto, foi ai que Severo notou o ocorrido e me jogou um pano para estancar o sangramento e disse para eu ir me trocar e lavar minha mão. Lavei minha mão e troquei as vestes, mas não tinha avisado o Severo sobre o sangue nas batatas. Corri até a cozinha para lavar elas em água corrente assim tirar aquele sangue delas, mas chegando lá já era tarde. Severo já tinha colocado elas inteiras dentro da grande panela, eu não quis falar nada para não o aborrecer nem atrapalhar seu serviço, mas naquela noite eu não jantei. Meu estômago começou a revirar como as ondas do grande oceano, e de fato o oceano se fazia revolto e tempestuoso, passei grande parte da noite vomitando pela escotilha do meu quarto. 

Quando me levantei na manhã seguinte, me dirigi até a cozinha como habitualmente fazia, e notei algo estranho, não havia encontrado nenhum dos marujos e nem o capitão pelo caminho que leva a cozinha. Muito embora o oceano estivesse mais calmo do que na noite passada, ainda balançava muito o barco. Meu estômago foi se embrulhando novamente e tive que correr até o convés para vomitar.
Vomitei até o que não tinha para ser vomitado, e ainda com náusea olhei em volta e notei que o convés estava vazio, o que era ainda mais estranho pois a esta hora todos já deviam estar em seus postos de trabalho. Fui até a cabine do capitão, bati na porta duas vezes e esperei. Ninguém respondeu, bati mais duas vezes e chamei em seguida, de novo sem resposta, então tomei a decisão de abrir a porta.

-"Com a sua licença Senhor, estou entrando." 
Assim que abro a porta, o aroma da morte beija meu rosto e deixa meus cabelos em pé, os pelos do meu corpo se ouriçam e o vomito sobe até a boca e como se não fosse o suficiente eu vomito novamente. A cena era terrível e devastadora, havia sangue e vomito para todos os lados. Cheguei próximo ao capitão deitado em sua cama, e seus olhos estavam pálidos e sem vida como os olhos de um peixe morto, tinha espuma saindo de sua boca, sangue saindo dos seus ouvidos e nariz, a cama estava toda molhada em meio a urina e vomito. Entrei em choque.
Ainda em estado de insanidade, resolvi ir até os outros quartos e não poderia esperar menos, todos estavam no mesmo estado e até pior. Comecei a pensar. 
-"Eu os matei, eu os matei, eu os matei." 
Subi até o convés novamente, com as pernas bambas e deitei no deck olhando o céu e as gaivotas que voavam acima. E ali fiquei, o dia todo e a noite toda sem me mover, entrei em um estado de dormência em decorrência ao choque que tive após vislumbrar com meus olhos ingênuos todo aquele horror.
Acordei somente no raiar do outro dia, com um estrondo oriundo da proa. Uma batida, a embarcação havia chegado em terra firme, mas inóspita o que piorava mil vezes o cenário atual. Escrevi com o pincel uma carta a qualquer que fosse o destinatário, coloquei dentro de uma garrafa vazia e tapei com uma rolha, arremessando ao mar posteriormente.  

Boteco.

[...] Sem perceber, me pego pensando em tempos passados e na saudade de um certo alguém, que ainda residia em meu peito, com uma presença ardente e marcante como as chamas que queima e devasta as florestas inóspita aos homens. 
Deixe-me explicar melhor o que acontecia. Cerca de quatro anos atrás, havia conhecido um pobre rapaz sem muita riqueza mas ainda assim, muito afortunado de imaginação e por isso não morreu de fome. Tirava seu sustento diário, com o esforço do seu trabalho não muito reconhecido mas muito apreciado - ao menos por este que vos fala. 
Todos os dias, no mesmo horário ele chegava quieto, calado e cabisbaixo ao seu local de trabalho, sentava na mesa do canto e bebia sozinho pelo menos dois ou três copos de cerveja e por fim, uma dose de licor de Jaboticaba.
Então, batia sua roupa, tirava a poeira e a tristeza que trazia junto de ti. Levantava e vinha em direção ao centro do salão do boteco, parava em pé de olhos fechados, ofuscado pela luz que brilhava fraca.

- "Contava-me histórias de infância, aquelas criança que brincavam pelas ruas, pelas árvores e pelas nuvens, contava-me histórias que já não me lembrava[...]"
Começando então, o seu monologo longo e demorado, porém muito bem arranjado, dos que faz a mente nos transportar para outros tempos, tempos do passado, tempos velhos que não voltam mais, assim enchendo os corações de nostalgia. Ao fim da sua apresentação, como de costume, ele torna a sentar na mesa do canto e pedia mais uma bebida, deixando seu chapéu próximo a borda da mesa, para que depositasse algum trocado como forma de agradecimento. Bebia seu último trago, se despedia de todos no boteco e partia para a rua, onde geralmente dormia ou apenas apreciava a vista da noite clara pela luz da lua e das estrelas, acompanhado da sua imensa solidão.
O fato é, aquele jovem rapaz de vasta imaginação criativa, morreu. Morreu por uma nevasca que atingiu a região, seu corpo foi encontrado dias depois da neve sumir, em um beco qualquer, em uma situação de dar dó. 
Aquele boteco, nunca mais foi o mesmo, e a mesa do canto nunca mais foi usada por ninguém. 
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Escreve como quem têm uma ancora no peito, você é um escritor belíssimo, adoro tudo o que você faz!
04/maio/2020

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