Marcial

O poeta Marco Valério Marcial nasceu em 40 d.C. em Bilbilis (próxima da atual cidade de Calatayud) na Hispânia Terraconense, e lá morreu em 104 d.C.. Quando em Roma, privou da amizade dos poetas Juvenal e Sílio Itálico, de Quintiliano e do epistológrafo Plínio, o Jovem, que frequentaram a corte de Tito e Domiciano. Dedicando-se apenas ao gênero epigramático, escreveu 16 livros e é o mais abundante epigramatista que nos chegou da Antiguidade. Embora não tenha sido o primeiro a empregar turpilóquio, foi, porém, quem explicitou que a "lasciva franqueza das palavras" (lascivam verborum veritatem) é particularmente adequada ao gênero, de modo que, quer por isso mesmo, quer porque de fato a lascívia lhe é assídua, o poeta nunca é dissociado das espécies invectiva e jocosa de epigrama, em que ela ocorre e em que se vê o ferrete contra vícios e viciosos, como poetastros, fanchonas, mineteiros, feladores, felatrizes, banguelas, carecas, bêbados, bafientos e quejandas torpezas. Quase nunca, pois que aqui se lerão dois epigramas homoeróticos, no primeiro dos quais se entrevê, no mercado de expectativas amorosas que eram os balneários romanos, o olhar concupiscente que a nudez dos bem dotados provoca, o que implica, devo admitir, que o epigrama contem ainda alguma derrisão. O outro é a um tempo votivo - pois que se assiste à oferenda dos próprios cabelos feita a Apolo por um rapazinho escravo, o amante passivo de seu senhor, - e por isso também é epigrama propriamente pederástico. Não só por isso, senão porque celebra em seguida, no irrealizável pedido ao deus, o derradeiro esplendor de beleza juvenil no adolescente, prestes a perder a graça feminina na pilosidade viril que lhe despontará. Não há invectiva, turpilóquio ou irrisão, que não há vício nem viciosos naquela normal pederastia. Este é epigrama excepcional.

--- João Angelo Oliva Neto.