Luiza Neto Jorge

Luiza Neto Jorge

Luiza Neto Jorge foi uma tradutora e poetisa portuguesa.

1939-05-10 Lisboa
1989-02-23 Lisboa
36393
0
18


Alguns Poemas

Difícil Poema de Amor

Separo-me de ti nos solstícios de verão, diante da mesa do juiz supremo
dos amantes. Para que os juízes me possam julgar, conhecerão primeiro o
amor desonesto infinito feito de marés ambulantes de espinhos nas pálpebras
onde as ruas são os pontos únicos do furor erótico e onde todos os pontos
únicos do amor são ruas estreitíssimas velocíssimas
que se percorrem como um fio de prumo sem oscilação.
Ontem antes de ontem antes de amanhã antes de hoje antes deste
número-tempo deste número-espaço uma boca feita de lábios alheios beijou.
Precipício aberto: ele nada revela que tu já não saibas.
Porque este contágio de precipícios foste tu que mo comunicaste
maléfico como um pássaro sem bico.
Num silêncio breve vestiu-se a cidade. Muito bom-dia querido
moribundo. Sozinho declaraste a terceira grande paz mundial quando abrindo
os olhos me deste de comer cronometricamente às mil e tantas horas da
manhã de hoje.
Deito-me cedo contigo o meu sono é leve para a liberdade acordas-
-me só de pensares nela. As casas e os bichos apoiam-se em ti. Não fujas não
te mexas: vou fixar-te para sempre nessa posição.
Que há? Abrem-se fendas no ar que respiro vejo-lhe o fundo. Tens os
olhos vasados. Qual de nós os dois "quero-Te" gritou?
Bebe-me espaçadamente encostada aos muros. Se és poeta que fazes tu?
Comes crianças jogas ases sentado és uma estátua de pé a cauda de um cometa.
Mães entretanto vão parindo. Os filhos morrerão ainda? Entregas-te a
cálculos. Amas-me demais.
Confesso: não sei se sou amada por ti.
Virás
quando houver uma fala indestrutível devolvida à boca dos mais vivos. Então
virás
vivo também. Sempre esperei ver-te ressuscitado. Desiludiste-me.
E iremos com o plural de nós nos leitos menores onde o riso, onde o
leito do rio é um filho entre os dois. Que farei de teus braços de meus cabelos
benignos que faremos?
Nasci-te da minha pele com algumas fêmeas te deitei por vezes.
Conheces-me. Não me tens amor
Grave esta corda cortada agudo seixo me ataste aos olhos para me
afundar.
Só por grande angústia me condenas à morte se de mim te veio a cidade
e os minúsculos objectos que já amaste ou que irás amar um dia espero.
Ah a cratera o abismo eléctrico!
Por isso o teu novo amor será comigo mais perigoso que este imaculado
com mais visco de amor cópula mortal.
Calo-me.
Reparei de repente que não estavas aqui. Pus-me a falar a falar. Coisas
de mulher desabitada. Sei que um dia desviarei sem ti os passeios rectos
esvaziarei os gordos manequins falantes. A razão é uma chapa de ferro
ao rubro: se acredito na tua morte começo o suicídio.
Enquanto penetrantemente te espero a luz coalhou. Os pássaros
coalharam enquanto te espero. O leite enquanto te espero coalhou. Haverá
outro verbo?
Submersa, muito distante de qualquer inferno de um paraíso qualquer existo
eu. Existirão tais palavras?
É a altura de escrever sobre a espera. A espera tem unhas de fome, bico
calado, pernas para que as quer. Senta-se de frente e de lado em qualquer
assento. Descai com o sono a cabeça de animal exótico enquanto os olhos se
fixam sobre a ponta do meu pé e principiam um movimento de rotação em
volta de mim em volta de mim de ti.
Nunca te conheci - assim explico o teu desaparecimento. Ou antes:
separei-me de ti no solstício de um verão ultrapassado. As mulheres viajavam
pela cidade completamente nuas de corpo e espírito. Os homens mordiam-
-se com cio. Imperturbável pertenceste-me. Assim nos separámos.
Não calhasse morrer um de nós primeiro que o outro porque ambos ao
mesmo tempo será impossível enquanto não houver relógios que meçam
este tempo e as horas fielmente se adiantarem e atrasarem.
Alguma vez pretendi dizer-te o que quer que fosse? Falava por paixão
por tibieza por desgosto por claridade por frio por cansaço
nunca por pretender dizer o que quer que fosse.
Não me desculpo. Se já me cai o cabelo se já não sinto os ombros é
porque o amor é difícil ou a minha cabeça uma pedra escura que carrego
sobre o corpo a horas e desoras ostentando-a como objecto público sagrado
purulento. O odor que as pedras têm quando corpos. O apocalipse de tudo
quando amamos. O nosso sangue em pó tornado entornado.
O teu amor espreita o meu corpo de longe. De longe por gestos
lhe respondo. Tenho raízes nos vulcões ternuras íntimas medos reclu-
-sos beijos nos dentes.
A pobreza surge dentro de nós embora cautelosos deitados de manhã e
de tarde ou simplesmente de noite despertos. Ambos meu amigo estamos
sentados neste momento perfeitamente incautos já. Contemplamos um país
e sentamo-nos e vestimo-nos e comemos e admiramos os monumentos e
morremos.
Inventei a nossa morte em toda a impossível extensão das palavras.
Aterrorizei-me segundos a fio enquanto em corpo nu ouvindo-me ador-
-mecias devagar.
Com a precaução de quem tem flores fechadas no peito passeei de noite
pela casa. Um fantasma forçou uma porta atrás de mim. Gemendo como um
animal estrangulado acordei-te.
Enterro o meu terror como um alfange na terra. Porque é preciso ter
medo bastante para correr bastante toda a casa celebrar bastantes missas negras
atravessar bastante todas as ruas com demónios privados nas esquinas.
Só o amor tem uma voz e um gesto mesmo no rosto da ideia que me
impus da morte.
És tu tão único como a noite é um astro.
Sobre a poeira que te cobre o peito deixo o meu cartão de visita o meu
nome profissão morada telefone.
Disse-te: Eis-me.
E decepei-te a cabeça de um só golpe.
Não queria matar-te. Choro. Eis-me! Eis-me!
Poetisa portuguesa, natural de Lisboa. Estudou Filologia Românica na Faculdade de Letras de Lisboa. Dedicou-se, depois, à tradução de poesia, prosa e teatro. Como escritora, fez parte do grupo Poesia 61. Ligada à vanguarda da literatura portuguesa, por vezes próxima do surrealismo, foi um dos nomes marcantes da poesia portuguesa das últimas décadas. Foi, também, autora de diálogos para filmes (por exemplo «Brandos Costumes», de Alberto Seixas Santos, ou «A Ilha dos Amores», de Paulo Rocha) e adaptações para teatro ( «O Fatalista», de Diderot, em 1978), salientando-se ainda como tradutora de autores como André Breton, Gérard de Nerval, Jean Genet ou Marguerite Yourcenar. Estreou-se com A Noite Vertebrada (1960), tendo sido publicados ainda, Quarta Dimensão (1961), Terra Imóvel (1966), O Seu a Seu Tempo (1967), Dezanove Recantos (1969), Os Sítios Sitiados (1973, colectânea), A Lume (1989, póstumo) e Poesia (1994, que engloba todas as suas obras poéticas).
Luiza Neto Jorge foi uma poeta e tradutora portuguesa, nascida em Lisboa em 1939. Estudou Letras na Universidade de Lisboa, mas mudou-se para Paris antes de concluir o curso. É geralmente associada ao grupo de poetas portugueses que ficou conhecido como Poesia 61. Publicou, entre outros, os livros Noite Vertebrada (1960), Quarta Dimensão (1961), Terra Imóvel (1964), O Ciclópico Acto (1972) e A Lume (1989). Sua obra foi reunida, postumamente, em 1993. A poeta morreu em Lisboa, pouco antes de completar 50 anos, em 1989.
 
 
Desinferno II | Poema de Luiza Neto Jorge com narração de Mundo Dos Poemas
luiza neto jorge
Luiza Neto Jorge :: A Magnólia / Música de Rodrigo Leão & Gabriel Gomes
Os poetas - "A magnólia" (Luiza Neto Jorge) disco "entre nós e as palavras" (1997)
luiza neto jorge
fractura luiza neto jorge
Luiza Neto Jorge Minibiografias Joana Seixas
Acordar na Rua do Mundo de Luiza Neto Jorge
Luiza Neto Jorge, «DO MEDO I»
LUIZA_IINEW.wmv
𝓐 𝓶𝓪𝓰𝓷ó𝓵𝓲𝓪 | Poema de Luiza Neto Jorge, com narração do SonsdosVersos
Luiza Neto Jorge - Só a poesia nos Salvará
LUIZA NETO JORGE - Poetas do Mundo #38
Semana Família EB1 Luiza Neto Jorge
Minibiografia, Luiza Neto Jorge
21 MAR 2020 | #ligadospelapoesia | Luiza Neto Jorge, "A porta"
La madre del actor Dinis Gomes | Luiza Neto Jorge "Magnolia"
LUIZA_IA.wmv
Luiza Neto Jorge e Vasco Graça Moura
LUIZA_IB.wmv
O Poema I, Luiza Neto Jorge
Luiza Neto Jorge
Livro Aberto Luiza Neto Jorge parte 1 29 jan 2021
Marília Garcia empresta sua voz a Luiza Neto Jorge
Livro Aberto Luiza Neto Jorge parte 2 12 jan 2021
Poesia Minibiografia de Luíza Neto Jorge
dia 4 (02/02) senhoras de si: sophia de mello breyner e luiza neto jorge
O poema ensina a cair - (Luiza Neto Jorge) poema narrado por Ema Machado
DESINFERNO II - Luiza Neto Jorge (Dose Literária) # 116
O poema ensina a cair - Luísa Neto Jorge
776 - Desinferno II - Luísa Neto Jorge
Marta Chaves lê Minibiografia, de Luísa Neto Jorge.
ep. 148 "Poesia" Luiza Neto Jorge
"The Magnolia" of Luiza Neto Jorge in This poem is not mine - March 2021 - flower month
Agostinho Costa Sousa lê "Uma Arquitetura", de Luisa Neto Jorge
"A Magnólia" de Luiza Neto Jorge em Este poema não é meu - março de 2021 - mês das flores
Luiza e Maurílio - "S" de Saudade part Zé Neto e Cristiano - EP Ensaio Acústico
Luciana Fonseca Tanure de Castro (ed. resp.), MG, "A MAGNÓLIA", Luiza Neto Jorge.
Poesia O POEMA ENSINA A CAIR de LUÍSA NETO JORGE na Pandemia da Covid 19
João Neto & Frederico - Ele Não Vai Mudar (DVD ao Vivo em Vitória)
Henrique e Juliano - BRIGA FEIA - DVD Ao Vivo No Ibirapuera
Diego & Victor Hugo - A Culpa é do Meu Grau (Ao Vivo em Brasília) ft. Zé Neto & Cristiano
João Bosco & Vinicius feat. Matheus - Segunda Taça (Ao Vivo em Goiânia)
Uma lentíssima corrida, para pensar bem naquele verso da Luiza Neto Jorge.
Felipe e Rodrigo - Média Boa (Clipe Oficial) #NoSentimento
Luíza e Maurílio, Dilsinho - PARA EM MIM DE NOVO
Henrique e Juliano - COMPLETA A FRASE part. Marília Mendonça -DVD Menos é Mais - IG henriqueejuliano
Dilsinho & Luísa Sonza - Não Vai Embora
Luan Santana - ERRO PLANEJADO feat Henrique e Juliano (LUAN CITY)
Gustavo Mioto, Mari Fernandez - Eu Gosto Assim
Junior
Sou parapelegico. Este poem fez me levantar da cadeira de rodas. Tão mau que tive de o fechar
06/março/2023
jacinto leiteno rego
adorei
24/janeiro/2022
Peixe da terra
O meu pai agrediu-me após ter-lhe dito que gostava deste site
12/abril/2021
Gato do ar
Parti o ecrã do meu computador com raiva
12/abril/2021
Aurélio o primeiro da Moldávia
Os infiéis que produziram este pecado serão crucificados e serão obrigados a pedir perdão quando chegarem aos pés de nosso senhor no reino dos céus
12/abril/2021
João Vitor Silva
Coimbra!!!
12/abril/2021

Quem Gosta

Seguidores