Joaquim Cardozo

Joaquim Cardozo

Joaquim Maria Moreira Cardozo foi um engenheiro estrutural, poeta, contista, dramaturgo, professor universitário, tradutor, editor de revistas de arte e arquitetura, desenhista, ilustrador, caricaturista e crítico de arte brasileiro. Era poliglota, conhecedor de cerca de quinze idiomas.

1897-08-26 Recife PE
1978-11-04 Olinda
25138
0
12


Alguns Poemas

Canto do Homem Marcado

Sou um homem marcado...
Em país ocupado
Pelo estrangeiro.
Sou marinheiro
Desembarcado;
Marcho na bruma das madrugadas;
Mas —
Trago das águas
A substância
Da claridade.
DA CLARIDADE!
Sou o indefinido,
O inesperado
Viajante da tarde nua,
Que uma dor augusta comoveu...

Tudo a renuncia,
Tudo
O que eu conservo
De altivo e puro,
Sob o meu manto adormeceu.

Em outros tempos e antigos
Plantei alfaces, vendi craveiros,
Fui hortelão, fui jardineiro;
E a escura terra...
Terra
Dos meus canteiros,
Sempre arqueava o dorso
Ao gesto amigo
De minha mão.

Hoje provo, na boca, um desgosto,
Hoje tenho, no sangue, um sinal
Que não foi e não é das algemas
Da prisão da Vida,
Nem do jugo da Terra,
Nem do pecado original.
Muito bem sei, senhores,
Que sou um sonho cravado na morte,
Que sou um homem ferido no olhar...
E que trago, bem viva, entre as nódoas do mundo,
A mancha do meu país natal.

Sou um homem manchado de sombra
No sonho, no sangue, no olhar,
Sou um homem marcado...
Em país ocupado
Pelo estrangeiro.

Mas esta marca temerária
Entre a cinza das estrelas
Há de um dia se apagar!

Por isso é que me amparo às mãos dispersas da noite...
E pelos pés difusos do vento é que marcho
Na bruma das madrugadas...
Trazendo das águas a substância
Da claridade
E um cheiro manso
De manhã fria...

Oh! Soledade!
Oh! Harmonia!

1952


Publicado no livro Signo estrelado (1960). Poema integrante da série Elegias.

In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.76-7

Visão do Último Trem Subindo ao Céu

II
As locomotivas na rotunda
Olhavam para a noite do pátio da noite, imóveis, silenciosas
— Molossos deitados, dóceis, esperando: os olhos apagados os
[faróis.

Qual seria, seria, qual dentre elas
A que conduziria aquele trem, aquele que era o trem
E o último seria?
Qual delas ouviria a voz do Senhor?

Quando houve um trilo no ar: uma luz brilhou
No ar noturno — carvão do dia —
E uma dentre todas sentiu, de repente,
O alento do calor;
Alento que se estendeu do fogo,
E que lhe veio em sangue ardente,
Em respiração rumorosa de brancos vapores.

Uma dentre elas
Que era preta, violentamente, luzidia;
Que era preta, vagarosamente preta;

Preta e lentamente e luzidia;
Avançando, transpôs o virador;
E foi!
Foi um touro selvagem a princípio
Depois se fez um boi pesado e manso
Correndo as linhas de trilhos: as fitas, os fios, os trilhos de
[linha.
À sua aproximação as agulhas se abriram —
Porteiras de um curral — furos do espaço, aberturas
Para distâncias possíveis... aberturas, costuras
De rápidas passagens em direções ocultas.
Pouco e pouco, mais pouco, pouco a pouco
Ao trem se atrela, ao trem ligando o engate, os freios
Ajustando... ao trem disposto ao longo
Da plataforma — platimorfa, platibanda, alegrete
Canteiro cultivado — florido de gente.

E logo e depois, justo depois ficou imóvel
À espera, no ante-ritmo da espera
No anseio da esperaesperança:
Harmônicos da espera (intervalo! Vocalises do intervalo).

— Foi assim que se fez a composição daquele trem.
Daquele que era o trem, e o último seria.


Publicado no livro Poesias Completas (1971). Poema composto de onze partes.

In: CARDOZO, Joaquim. Poesias completas. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979. p.124-125
Joaquim Cardozo (Recife PE 1897 - Olinda PE 1978) concluiu o curso de Engenharia Civil em 1930; já havia, então, trabalhado como diretor e colaborador da Revista do Norte, de Recife. Poeta e engenheiro, conviveu com os grupos das revistas modernistas Verde e Festa. Em 1946 teve oito poemas publicados na Antologia de Poetas Brasileiros Bissextos Contemporâneos, organizado por Manuel Bandeira; em 1947, sairia seu primeiro livro, Poemas, por iniciativa de João Cabral de Melo Neto. Nos anos seguintes, trabalhou como tradutor, crítico de arte e calculista do arquiteto Oscar Niemeyer, colaborando inclusive para a construção de prédios em Brasília. Sua obra poética, filiada à segunda geração do modernismo, tem como temas constantes Recife e o Nordeste, que aborda com linguagem objetiva e pictórica, em formas simples e musicais, que antecedem o estilo de João Cabral de Melo Neto. Em 1971 foram publicadas suas Poesias Completas; em 1973, saiu o livro Os Anjos e os Demônios de Deus e, em 1975, O Interior da Matéria e O Capataz de Salema. Antônio Conselheiro. Marechal, Boi de Carro.
Joaquim Cardozo nasceu no Recife, Pernambuco, em 1897. Engenheiro civil, trabalhou com Oscar Niemeyer e Lucio Costa na construção de Brasília, e é frequentemente incluído na linhagem lírica pernambucana dos poetas, digamos, secos (como dava prazer dizer nos anos 90 do século passado) e lacônicos, como Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, com Sebastião Uchôa Leite como "representante" no pós-guerra. Apenas alguns poucos anos mais jovem que os poetas dos primeiros grupos modernistas, Joaquim Cardozo viria a publicar o primeiro livro (como Dante Milano) somente em 1947, intituladoPoemas. Mais tarde, publicaria o importanteSigno Estrelado (1960) e reuniria sua produção pela primeira vez em 1971, no volumePoesias Completas. Joaquim Cardozo morreu em Olinda, em 1978.
 
 Meditar sobre a "posição" de Joaquim Cardozo na poesia brasileira moderna levanta algumas questões interessantes. Muitas vezes mais lembrado, ao menos no sul do país, como o poeta a quem João Cabral de Melo Neto dedicou vários poemas, esta relação nem sempre ajuda a recepção e compreensão de sua obra, que merece ser lida e estudada fora do âmbito de nota-de-rodapé biográfica para outros poetas ou arquitetos. A produção de Cardozo foi pequena, mas bastante plural, incluindo a lírica cristalina do volumePoemas, os textos dramáticos e longos deSigno Estrelado, assim como poemas visuais e textos-para-performance dos últimos anos de sua vida.
 
 Em minha opinião, ao meditar sobre a recepção crítica de sua obra, vejo o desmascarar da falsa sincronia que se acredita seguir no Brasil, onde ainda impera o linear-unívoco na narrativa histórico-literária. Ainda que livros importantes dos primeiros modernistas tenham surgido no pós-guerra (os melhores poemas de Joaquim Cardozo e de Henriqueta Lisboa, por exemplo, assim como livros extremamente importantes de Carlos Drummond de Andrade), o conceito de cânone no Brasil ainda soterra as obras que não se encaixam na falácia teleológica das narrativas históricas lineares. Cânone deveria serteia, nãocorrente. Há, em cada momento histórico, est-É-ticas variadas, em conflito e fertilização recíprocas, e a narrativa linear do cânone expõe seu caráter de estabelecimento de hegemonias, já que grupos específicos muitas vezes acabam por monopolizar "as vagas da década".
 
 
 Penso, por exemplo, nas duas últimas décadas do século XIX, quando estavam em atividade, no Brasil, escritores tão diversos quanto Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas, "fundação realista", é publicado em 1881), Joaquim de Sousândrade (incluído entre os românticos, publica a primeira edição d´O Guesa em 1884) e Cruz e Sousa (o "iniciador do Simbolismo no Brasil", escrevendo poemas exemplares como "Litania dos pobres" antes de morrer em 1898), sem mencionar Qorpo-Santo, contemporâneo de Cruz e Sousa, Machado de Assis e Sousândrade, que morre em 1883. Ou Sapateiro Silva e Luiz Gama. Na narrativa linear do cânone, quando não excluídos inteiramente, estes poetas são alinhados uns após os outros como se "tomassem o poder", numa noção de cânone que o faz parecer uma "peleja pelo trono".
 
 Joaquim Cardozo estava atento, obviamente, aos debates est-É-ticos de cada um dos momentos de sua vida, contribuindo para a criação de uma poesia brasileira moderna, baseada na fala regional, assim como uma tendência construtivista natural de engenheiro, manifesta em poemas exemplares como “Arquitetura Nascente & Permanente”. Este poema, no entanto, demonstra uma preocupação construtivista que não nega o corporal e o transitório, encarando também o corpo humano como arquitetura delicada. Neste aspecto, parece-me interessante notar certo poema visual de Joaquim Cardozo, que se entrega ao caligráfico dos vestígios corporais.
 
 
 Poderíamos mostrar aqui os poemas daquela "luz-Velázquez" de que fala João Cabral de Melo Neto em um de seus poemas dedicados a Joaquim Cardozo, mas gostaríamos de chamar a atenção para um texto especial de Joaquim Cardozo, um dos poucos poemas-para-vozes ou textos-para-performance dentre os modernistas, chamado "Poema para uma voz e quatro microfones", em que Joaquim Cardozo apresenta um texto experimental e cheio de implicações políticas, um poema-da-historicidade, sem perder por qualquer segundo a alta qualidade poética que caracteriza seus textos líricos. O poeta mineiro Ricardo Aleixo foi quem chamou minha atenção para este texto há algum tempo, a quem dedico esta postagem.
 
 
 Passamos por um momento histórico em que várias est-É-ticas (muitas vezes conflitantes) buscam encontrar uma narrativa apropriada, assim como estratégias de intervenção política. Estudar o trabalho de poetas como Joaquim Cardozo, e como ele lidou com os problemas do seu tempo, pode ajudar-nos a resolver os nossos.
 
 
--- Ricardo Domeneck
 
 
"Joaquim Cardozo" por José Mário Rodrigues
Conheça o engenheiro poeta que tornou possível realizar as obras de Niemeyer
Joaquim Cardozo - Circuito da Poesia do Recife
Opinião Pernambuco - "Joaquim Cardozo - Vida e Obra" Bloco 1 (21/02/2018)
Ed.: 32° Minuto da Memória Candanga - Joaquim Cardozo
ENGENHEIROS NOTÁVEIS JOAQUIM CARDOZO
Joaquim Cardozo, o gênio por trás da construção de Brasília - History Channel
Foi Deus - Joaquim Cardoso
Poema de Joaquim Cardozo - Canção elegíaca
Desce Zaqueu- Joaquim Cardoso
Joaquim Cardozo - Poesia em Pedra
Joaquim Cardozo - Circuito da Poesia do Recife
Joaquim Cardozo 520
III SIELLI | "O meu canto é de sol": A poesia de Joaquim Cardozo
Opinião Pernambuco - "Joaquim Cardozo - Vida e Obra" Bloco 3 (21/02/2018)
Joaquim Cardozo
Joaquim Cardozo, o poeta e engenheiro
Lamento Cigano - Joaquim Cardozo
Canção elegíaca | Joaquim Cardozo
A carta - Joaquim Cardozo
Canção elegíaca de Joaquim Cardozo
Viajando pelo Tempo - Joaquim Cardozo
Perdão - Joaquim Cardozo
Minha Vida - Joaquim Cardozo
CITYALLTECH - Monalisa Overdrive (The Criminal Five) [Live] Teatro Joaquim Cardozo
CITYALLTECH - Anencefalida (Carinho Caritó) [Live] Teatro Joaquim Cardozo
LAURO MOREIRA interpreta: Fábulas de João da Tarde II, Joaquim Cardozo
ASSIM ME CONTARAM, ASSIM VOU CONTANDO... Temporada Joaquim Cardozo
Início do Especial Joaquim Cardozo na Globo Brasília e Nordeste (05 dez. 2020)
Chuva de Caju - Joaquim Cardozo
Amor De Verdade - Joaquim Cardoso
Joaquim Cardoso- Sou Teu Deus
Sua Canção - Joaquim Cardozo
O Baile dos Seres Imaginários no Teatro Joaquim Cardozo.
Verdade ou mentira - Joaquim Cardozo
Opinião Pernambuco - "Joaquim Cardozo - Vida e Obra" Bloco 2 (21/02/2018)
Pergunto a Deus - Joaquim Cardozo
Joaquim Cardozo - Canção Elegíaca
Viajando pelo Tempo -Joaquim Cardozo
Joaquim Cardoso e Soelli ( visitantes ) - 20.06.14 - São Rafael
Um ser de luz_ Nanau Nascimento (Teatro Joaquim Cardozo)
TFG - Arquitetura Sensorial- Templo Macroecumênico para o Campus Joaquim Cardozo
PEÇA: O CORONEL DE MACAMBIRA de Joaquim Cardoso - Música: Maurício Tapajós.
Cartas de Amor - Joaquim Cardozo
Sonetossom e Arquitetura Nascente, poemas de Joaquim Cardozo por João Diniz
Volte pra casa - Joaquim Cardozo
Joaquim Cardozo, 6'54", 2018.
Deus que ama - Joaquim Cardoso
Meu canto é de Sol ( Poema de Joaquim Cardozo)
MEMÓRIA E POESIA NA OBRA DE JOAQUIM CARDOZO
CeliaRegina
Pra mim e novo a data de morte 1978 e minha data de Nacimento 1977 A visão do utimo trem locomotiva que subiu ao ceu simbolo de locomotiva viagem trilhos ir embora partida ir pra algum lugar ate mesmo esperando ass CeliaRegina dos ypirangas YLHA yndio planise através da planise a lua fica mais maior na fotografias do que vendo com os próprios olhos
05/dezembro/2020

Quem Gosta

Seguidores