António Nobre

António Nobre

António Pereira Nobre, mais conhecido como António Nobre, foi um poeta português cuja obra se insere nas correntes ultra-romântica, simbolista, decadentista e saudosista da geração finissecular do século XIX português.

1867-08-16 Porto, Portugal
1900-03-18 Porto
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Prémios e Movimentos

Simbolismo

Alguns Poemas

Pobre tísica

Quando ela passa à minha porta,
Magra, lívida, quase morta,
E vai até à beira-mar,
Lábios brancos, olhos pisados:
Meu coração dobra a finados,
Meu coração põe-se a chorar.

Perpassa leve como a folha,
E, suspirando, às vezes olha
Para as gaivotas, para o Ar:
E, assim, as suas pupilas negras
Parecem duas toutinegras,
Tentando as asas para voar!

Veste um hábito cor de leite,
Saiinha lisa, sem enfeite,
Boina maruja, toda luar:
Por isso, mal na praia alveja,
As mais suspiram com inveja:
«Noiva feliz, que vais casar...»

Triste, acompanha-a um "Terra Nova"
Que, dentro em pouco, à fria cova
A irá de vez acompanhar...
O chão desnuda com cautela,
Que "Boy" conhece o estado dela:
Qunado ela tosse, põe-se a uivar!

E, assim, sozinha com a aia,
Ao Sol, se assenta sobre a praia,
Entre os bebés, que é o seu lugar.
E o Oceano, trémulo avozinho,
Cofiando as barbas cor de linho,
Vai ter com ela a conversar.

Falam de sonhos, de anjos, e ele
Fala damor, fala daquele
Que tanto e tanto a faz penar...
E o coração parte-se todo,
Quando a sorrir, com tão bom modo,
O Mar lhe diz: «Há-de sarar...»

Sarar? Misérrima esperança!
Padres! ungi essa criança,
Podeis sua alma encomendar:
Corpinho danjo, casto e inerme,
Vai ser amada pelo verme,
Os bichos vão-na desfrutar.

Sarar? Da cor dos alvos linhos,
Parecem fusos seus dedinhos,
Seu corpo é roca de fiar...
E, ao ouvir-lhe a tosse seca e fina,
Eu julgo ouvir numa oficina
Tábuas do seu caixão pregar!

Sarar? Magrita como o junco,
O seu nariz (que é grego e adunco)
Começa aos poucos de afilar,
Seus olhos lançam ígneas chamas:
Ó pobre mãe, que tanto a amas,
Cautela! O Outono está a chegar...

Viagens na Minha Terra

Às vezes, passo horas inteiras
Olhos fitos nestas braseiras,
Sonhando o tempo que lá vai;
E jornadeio em fantasia
Essas jornadas que eu fazia
Ao velho Douro, mais meu Pai.

Que pitoresca era a jornada!
Logo, ao subir da madrugada,
Prontos os dois para partir:
- Adeus! adeus! é curta a ausência,
Adeus! - rodava a diligência
Com campainhas a tinir!

E, dia e noite, aurora a aurora,
Por essa doida terra fora,
Cheia de Cor, de Luz, de Som,
Habituado à minha alcova
Em tudo eu via coisa nova,
Que bom era, meu Deus! que bom!

Moinhos ao vento! Eiras! Solares!
Antepassados! Rios! Luares!
Tudo isso eu guardo, aqui ficou:
ó paisagem etérea e doce,
Depois do Ventre que me trouxe
A ti devo eu tudo que soul

No arame oscilante do Fio,
Amavam (era o mês do cio)
Lavandiscas e tentilhões...
Águas do rio vão passando
Muito mansinhas, mas, chegando
Ao Mar, transformam-se em leões!

Ao Sol, fulgura o Oiro dos milhos!
Os lavradores mai-los filhos
A terra estrumam, e depois
Os bois atrelam ao arado
E ouve-se além, no descampado
Num ímpeto, aos berros: - Eh! bois!

E, enquanto a velha mala-posta,
A custo vai subindo a encosta
Em mira ao lar dos meus Avós,
Os aldeãos, de longe, alerta,
Olham pasmados, boca aberta...
A gente segue e deixa-os sós.

Que pena faz ver os que ficam!
Pobres, humildes, não implicam,
Tiram com respeito o chapéu:
Outros, passando a nosso lado,
Diziam: "Deus seja louvado!"
"Louvado sejal" dizia eu.

E, meiga, tombava a tardinha...
No chão, jogando a vermelhinha,
Outros vejo a discutir.
Carpiam, místicas, as fontes...
Água fria de Trás-os-Montes
Que faz sede só de se ouvir!

E, na subida de Novelas,
O rubro e gordo Cabanelas
Dava-me as guias para a mão:
Isso... queriam os cavalos!
Que eu não podia chicoteá-los...
Era uma dor de coração.

Depois, cansados da viagem,
Repoisávamos na estalagem
(Que era em Casais, mesmo ao dobrar... )
Vinha a Sra Ana das Dores
"Que hão de querer os meus Senhores?
Há pão e carne para assar..."

Oh! ingênuas mesas, honradas!
Toalhas brancas, marmeladas,
Vinho virgem no copo a rir...
O cuco da sala, cantando. . .
(Mas o Cabanelas, entrando,
Vendo a hora: "É preciso partir").

Caía a noite. Eu ia fora,
Vendo uma estrela que lá mora,
No Firmamento português:
E ela traçava-me o meu fado
"Serás Poeta e desgraçado!"
Assim se disse, assim se fez.

Meu pobre Infante, em que cismavas,
Por que é que os olhos profundavas
No Céu sem-par do teu País?
Ias, talvez, moço troveiro,
A cismar num amor primeiro:
Por primeiro, logo infeliz...

E o carro ia aos solavancos.
Os passageiros, todos brancos,
Ressonavam nos seus gabões:
E eu ia alerta, olhando a estrada,
Que em certo sítio, na Trovoada,
Costumavam sair ladrões.

Ladrões! Ó sonho! Ó maravilha!
Fazer parte duma quadrilha,
Rondar, à Lua, entre pinhais!
Ser Capitão! trazer pistolas,
Mas não roubando, - dando esmolas
Dependuradas dos punhais ...

E a mala-posta ia indo, ia indo.
o luar, cada vez mais lindo,
Caía em lágrimas, - e, enfim,
Tão pontual, às onze e meia,
Entrava, soberba, na aldeia
Cheia de guizos, tlim, tlim, tlim!

Lá vejo ainda a nossa Casa
Toda de lume, cor de brasa,
Altiva, entre árvores, tão só!
Lá se abrem os portões gradeados,
Lá vêm com velas os criados,
Lá vem, sorrindo, a minha Avó.

E então, Jesus! quantos abraços!
- Qué dos teus olhos, dos teus braços,
Valha-me Deus! como ele vem!
E admirada, com as mãos juntas,
Toda me enchia de perguntas,
Como se eu viesse de Betlém!

- E os teus estudos, tens-me andado?
Tomara eu ver-te formado!
Livre de Coimbra, minha flor!
Mas vens tão magro, tão sumido...
Trazes tu no peito escondido,
E que eu não saiba, algum amor?

No entanto entrava no meu quarto:
Tudo tão bom, tudo tão farto!
Que leito aquele! e a água, Jesus!
E os lençóis! rico cheiro a linho!
- Vá, dorme, que vens cansadinho.
Não adormeças com a luz!

E eu deitava-me, mudo e triste.
(- Reza também o Terço, ouviste?)
Versos, bailando dentro em mim...
Não tinha tempo de ir na sala,
De novo: - Apaga a luz! - Que rala!
Descansa, minha Avó, que sim!

Ora, às ocultas, eu trazia
No seio, um livro e lia, lia,
Garrett da minha paixão...
Daí a pouco a mesma reza:
- Não vás dormir de luz acesa,
Apaga a luz! ... (E eu ainda... não!)

E continuava, lendo, lendo...
O dia vinha já rompendo,
De novo: - Já dormes, diz?
- Bff!... e dormia com a idéia
Naquela tia Dorotéia,
De que fala Júlio Dinis.

Ó Portugal da minha infância,
Não sei que é, amo-te a distância,
Amo-te mais, quando estou só...
Qual de vós não teve na Vida
Uma jornada parecida,
Ou assim, como eu, uma Avó?

Paris, 1892.
Poeta português, natural do Porto. Após uma passagem pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, entre 1888 e 1890, seguiu para Paris, onde concluiu os estudos de Ciências Políticas em 1895. Aí, contactou com Eça de Queirós, que era, na altura, cônsul de Portugal e escreveu a maior parte dos poemas que viriam a constituir o Só. Publicado em Paris, em 1892, num período em que o simbolismo era a corrente dominante, o Só pouco tem a ver com esta corrente, o que poderá explicar as críticas geralmente negativas com que a obra foi recebida em Portugal. O ingresso na carreira diplomática, que pretendia, não lhe foi possível, por, na altura, já sofrer de tuberculose. Efectuou viagens à Suíça, Madeira e Nova Iorque, procurando a cura para a doença que viria a vitimá-lo. O exílio de Nobre em Paris e as circunstâncias críticas do seu estado de saúde contribuíram em muito para as características da sua obra, que não deixa de reflectir algumas influências simbolistas e decadentistas. Marcado por uma infância feliz no norte provinciano, entretanto perdida, desenraizado da sua pátria (ou, dentro dela, sentindo com amargura a sua estagnação – como se percebe em Carta a Manuel), procurou recuperar um pitoresco português ligado à vida dos simples, ao seu vigor e à sua tragédia. Por eles, sentia uma ternura ingénua, pueril, numa atitude romântica e saudosista que marcou profundamente a posterior literatura portuguesa e o aproximou de figuras literárias como Guerra Junqueiro e, sobretudo, Garrett, por quem o autor confessou a sua admiração no poema sintomaticamente intitulado Viagens na minha terra («Ora, às ocultas, eu trazia / No seio, um livro e lia, lia / Garrett da minha paixão») e a quem se refere igualmente no poema Saudade («Saudade, saudade! Palavra tão triste, / E ouvi-la faz bem: / Meu caro Garrett, tu bem na sentiste, / Melhor que ninguém!»). O regresso a um passado feliz, que transfigura a realidade, poetizando-a e aproximando-a da intimidade do poeta, foi acompanhado de alguma ironia amarga perante o que achava ser a agonia de Portugal e a sua própria, num sentimentalismo aparentemente simples que reflecte uma dimensão mítica, por vezes um certo visionarismo, da sua vivência da saudade, do exílio, da pátria e da poesia, temas recorrentes da sua obra. Marcantes, ainda, na sua obra são o seu pessimismo e a obsessão da morte (como em Balada do Caixão, Ca(ro) Da(ta) Ver(mibus), Males de Anto ou Meses depois, num cemitério), o fatalismo com a sua predestinação para a infelicidade (como em Memória, Lusitânia No Bairro Latino ou D. Enguiço) e o apreço pela paisagem e pelos tipos pitorescos portugueses (como na segunda e terceira partes de António, Viagens na Minha Terra ou no soneto Poveirinhos! Meus velhos pescadores). António Nobre, recusando a elaboração convencional, oratória e elevada da linguagem, libertou-a, procurando um tom de coloquialidade, sensível mais que reflexivo, cheio de ritmos livres e musicais, afectivo, oral, precursor de muitos aspectos da modernidade e acompanhado de uma imagística rica e original. O seu único livro publicado em vida, Só (1892), «que é o livro mais triste que há em Portugal», segundo palavras do próprio autor, foi um dos grandes marcos da poesia do século XIX. Na reedição de 1898, Nobre dividiu o livro em secções, construindo o percurso de vida de uma personagem. «Memória» abre a obra, marcando, desde o início, a ascendência mítica dessa personagem que, fadada para ser um «Príncipe» e um poeta, simbolicamente fica órfão e erra em busca da sua identidade – individual, de «Anto», e colectiva, já que o eu simboliza Portugal e os portugueses na crise do fim do século. António Nobre colaborou em revistas como A Mocidade de Hoje (1883) e Boémia Nova (1889). Na sua obra póstuma, constam Despedidas 1895-1899 (1902, que inclui um fragmento de um poema sebastianista de intenção épica, O Desejado), Primeiros Versos 1882-1889 (1921) e alguns volumes de correspondência.
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