Charles Bukowski
poeta, contista e romancista estadunidense
1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
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Você Não Consegue Escrever Uma História de Amor
Margie ia sair com um sujeito, mas, no caminho, esse sujeito encontrou com outro que vestia um casaco de couro e o sujeito com casaco de couro abriu o casaco de couro e mostrou as tetas e o outro sujeito foi até a casa de Margie e disse que não poderia mais ir ao encontro, porque esse sujeito, vestindo um casaco de couro, havia lhe mostrado as tetas e ele iria trepar com esse sujeito. Então Margie foi até a casa de Carl. Carl estava em casa e ela se sentou e disse para Carl:
– Um sujeito ia me levar para um café com mesas na calçada e íamos beber vinho e conversar, só beber vinho e conversar, só isso, nada mais, mas, no caminho para me encontrar, esse sujeito encontrou outro com um casaco de couro e o sujeito com casaco de couro lhe mostrou as tetas e agora esse sujeito vai trepar com o sujeito com casaco de couro e eu fico sem minha mesa e meu vinho e minha conversa.
– Não consigo escrever – disse Carl. – Acabou-se.
Então ele se levantou e foi até o banheiro, fechou a porta e deu uma cagada. Carl cagava quatro ou cinco vezes por dia. Não havia mais nada a fazer. Ele tomava cinco ou seis banhos por dia. Não havia mais nada a fazer. Ficava bêbado pela mesma razão.
Margie ouviu a descarga da privada. Então Carl saiu do banheiro.
– Um homem simplesmente não consegue escrever oito horas por dia. Nem mesmo consegue escrever todo dia ou toda semana. É uma situação péssima. Não há nada a fazer além de esperar.
Carl foi até a geladeira e voltou com um pacote de seis garrafas de cerveja Michelob. Abriu uma garrafa.
– Sou o maior escritor do mundo – ele disse. – Você sabe como isso é difícil?
Margie não respondeu.
– Posso sentir a dor rastejando por todo o meu corpo. É como uma segunda pele. Queria poder me livrar dessa pele como uma cobra.
– Bem, por que você não se deita no tapete e tenta?
– Escute – ele perguntou –, onde foi que a conheci?
– Na Bodega do Barney.
– Bem, isso explica um pouco as coisas. Beba uma cerveja.
Carl abriu uma garrafa e lhe entregou.
– É... – disse Margie – eu sei. Você precisa do seu isolamento. Você precisa ficar sozinho. Exceto quando quer trepar, ou exceto quando nos separamos, então você me liga. Diz que precisa de mim. Diz que está morrendo por causa de uma ressaca. Você enfraquece rápido.
– Enfraqueço rápido.
– E fica tão inerte quando estou por perto, nunca se excita. Vocês escritores são tão... preciosos... não suportam pessoas. A humanidade fede, certo?
– Certo.
– Mas toda vez que nos separamos você começa a fazer festas gigantes que duram quatro dias. E de repente você acorda, começa a FALAR! De repente fica cheio de vida, falando, dançando, cantando, dança em cima da mesa de café, joga garrafas pela janela, encena trechos de Shakespeare. De repente, você está vivo... quando estou longe. Ah, fiquei sabendo de tudo!
– Não faço festas. Odeio ainda mais as pessoas nas festas.
– Para um sujeito que não gosta de festas, certamente você organiza um bocado delas.
– Escute, Margie, você não entende. Não consigo mais escrever. Estou acabado. Em algum lugar tomei uma trajetória errada. Em algum momento, morri durante a noite.
– O único jeito de você morrer é numa dessas suas ressacas gigantescas.
– Jeffers diz que até mesmo o mais forte dos homens fica encurralado.
– Quem foi Jeffers?
– Foi o sujeito que transformou Big Sur numa armadilha para turistas.
– O que você ia fazer essa noite?
– Ia ouvir as músicas de Rachmaninoff.
– Quem é?
– Um russo que já morreu.
– Olha para você. Fica aí sentado.
– Estou esperando. Alguns sujeitos esperam por dois anos. Às vezes a coisa nunca volta.
– E se nunca voltar?
– Apenas calçarei meus sapatos e descerei até a rua principal.
– Por que não arranja um emprego decente?
– Não existem empregos decentes. Se um escritor não consegue sucesso através da criação, está morto.
– Ah, para com isso, Carl! Existem bilhões de pessoas no mundo que não atingem o sucesso pela criação. Quer me dizer que elas estão mortas?
– Sim.
– E você tem uma alma? Você é um dos poucos que tem uma alma?
– Diria que sim.
– Diria que sim! Você e a sua maquininha de escrever! Você e os seus cheques mirrados! Minha avó ganha mais dinheiro do que você!
Carl abriu outra garrafa de cerveja.
– Cerveja! Cerveja! Você e a porra da sua cerveja! Isso está nas suas histórias também. “Marty ergueu sua cerveja. Quando levantou os olhos, uma tremenda loira entrou no bar e sentou ao seu lado...” Você está certo. Está acabado. Seu material é limitado, muito limitado. Você não consegue escrever uma história decente de amor.
– Você está certa, Margie.
– Se um homem não consegue escrever uma história de amor, ele é um inútil.
– Quantas você já escreveu?
– Não digo que sou uma escritora.
– Mas – disse Carl – você parece posar como uma crítica literária infernal.
Margie, depois disso, foi logo embora. Carl ficou sentado e bebeu o resto das cervejas. Era verdade, a escrita o havia deixado. Isso deixaria algum de seus inimigos do subsolo felizes. Eles poderiam aumentar em um tento a marca dos inimigos abatidos. A morte os agradava, em cima ou embaixo da terra. Lembrou-se de Endicott, Endicott sentado, dizendo:
– Bem, Hemingway se foi, Dos Passos se foi, Patchen se foi, Pound se foi, Berryman pulou daquela ponte... as coisas estão parecendo cada vez melhores.
O telefone tocou. Carl atendeu.
– Sr. Gantling?
– Sim – ele respondeu.
– Gostaríamos de saber se você estaria interessado em uma leitura de algum dos seus trabalhos na Faculdade Fairmount.
– Bem, sim, qual a data?
– No dia 30 do próximo mês.
– Acho que não tenho nada marcado para esse dia.
– Nosso pagamento geralmente é de cem dólares.
– Geralmente recebo 150. Ginsberg ganha mil.
– Mas ele é Ginsberg. Podemos oferecer apenas cem.
– Tudo bem.
– Bom, sr. Gantling. Enviaremos os detalhes para você.
– E o transporte? Dirigir até aí não é pouca coisa.
– Ok, 25 dólares pela viagem.
– Ok.
– Gostaria de falar com os estudantes em suas classes?
– Não.
– Oferecemos um almoço grátis.
– Vou aceitar o almoço.
– Bom, sr. Gantling, estaremos esperando para vê-lo em nosso campus.
– Nos falamos.
Carl foi até o quarto. Olhou para a máquina de escrever. Colocou uma folha de papel no rolo, então observou uma garota com uma minissaia surpreendentemente curta cruzar pela frente de sua janela. Depois começou a escrever:
“Margie ia sair com um sujeito, mas, no caminho, esse sujeito encontrou com outro que vestia um casaco de couro e o sujeito com casaco de couro abriu o casaco de couro e mostrou as tetas e o outro sujeito foi até a casa de Margie e disse que não poderia mais ir ao encontro, porque esse sujeito, vestindo um casaco de couro, havia lhe mostrado as tetas...”
Carl ergueu sua cerveja. Era bom voltar a escrever.
– Ao sul de lugar nenhum
– Um sujeito ia me levar para um café com mesas na calçada e íamos beber vinho e conversar, só beber vinho e conversar, só isso, nada mais, mas, no caminho para me encontrar, esse sujeito encontrou outro com um casaco de couro e o sujeito com casaco de couro lhe mostrou as tetas e agora esse sujeito vai trepar com o sujeito com casaco de couro e eu fico sem minha mesa e meu vinho e minha conversa.
– Não consigo escrever – disse Carl. – Acabou-se.
Então ele se levantou e foi até o banheiro, fechou a porta e deu uma cagada. Carl cagava quatro ou cinco vezes por dia. Não havia mais nada a fazer. Ele tomava cinco ou seis banhos por dia. Não havia mais nada a fazer. Ficava bêbado pela mesma razão.
Margie ouviu a descarga da privada. Então Carl saiu do banheiro.
– Um homem simplesmente não consegue escrever oito horas por dia. Nem mesmo consegue escrever todo dia ou toda semana. É uma situação péssima. Não há nada a fazer além de esperar.
Carl foi até a geladeira e voltou com um pacote de seis garrafas de cerveja Michelob. Abriu uma garrafa.
– Sou o maior escritor do mundo – ele disse. – Você sabe como isso é difícil?
Margie não respondeu.
– Posso sentir a dor rastejando por todo o meu corpo. É como uma segunda pele. Queria poder me livrar dessa pele como uma cobra.
– Bem, por que você não se deita no tapete e tenta?
– Escute – ele perguntou –, onde foi que a conheci?
– Na Bodega do Barney.
– Bem, isso explica um pouco as coisas. Beba uma cerveja.
Carl abriu uma garrafa e lhe entregou.
– É... – disse Margie – eu sei. Você precisa do seu isolamento. Você precisa ficar sozinho. Exceto quando quer trepar, ou exceto quando nos separamos, então você me liga. Diz que precisa de mim. Diz que está morrendo por causa de uma ressaca. Você enfraquece rápido.
– Enfraqueço rápido.
– E fica tão inerte quando estou por perto, nunca se excita. Vocês escritores são tão... preciosos... não suportam pessoas. A humanidade fede, certo?
– Certo.
– Mas toda vez que nos separamos você começa a fazer festas gigantes que duram quatro dias. E de repente você acorda, começa a FALAR! De repente fica cheio de vida, falando, dançando, cantando, dança em cima da mesa de café, joga garrafas pela janela, encena trechos de Shakespeare. De repente, você está vivo... quando estou longe. Ah, fiquei sabendo de tudo!
– Não faço festas. Odeio ainda mais as pessoas nas festas.
– Para um sujeito que não gosta de festas, certamente você organiza um bocado delas.
– Escute, Margie, você não entende. Não consigo mais escrever. Estou acabado. Em algum lugar tomei uma trajetória errada. Em algum momento, morri durante a noite.
– O único jeito de você morrer é numa dessas suas ressacas gigantescas.
– Jeffers diz que até mesmo o mais forte dos homens fica encurralado.
– Quem foi Jeffers?
– Foi o sujeito que transformou Big Sur numa armadilha para turistas.
– O que você ia fazer essa noite?
– Ia ouvir as músicas de Rachmaninoff.
– Quem é?
– Um russo que já morreu.
– Olha para você. Fica aí sentado.
– Estou esperando. Alguns sujeitos esperam por dois anos. Às vezes a coisa nunca volta.
– E se nunca voltar?
– Apenas calçarei meus sapatos e descerei até a rua principal.
– Por que não arranja um emprego decente?
– Não existem empregos decentes. Se um escritor não consegue sucesso através da criação, está morto.
– Ah, para com isso, Carl! Existem bilhões de pessoas no mundo que não atingem o sucesso pela criação. Quer me dizer que elas estão mortas?
– Sim.
– E você tem uma alma? Você é um dos poucos que tem uma alma?
– Diria que sim.
– Diria que sim! Você e a sua maquininha de escrever! Você e os seus cheques mirrados! Minha avó ganha mais dinheiro do que você!
Carl abriu outra garrafa de cerveja.
– Cerveja! Cerveja! Você e a porra da sua cerveja! Isso está nas suas histórias também. “Marty ergueu sua cerveja. Quando levantou os olhos, uma tremenda loira entrou no bar e sentou ao seu lado...” Você está certo. Está acabado. Seu material é limitado, muito limitado. Você não consegue escrever uma história decente de amor.
– Você está certa, Margie.
– Se um homem não consegue escrever uma história de amor, ele é um inútil.
– Quantas você já escreveu?
– Não digo que sou uma escritora.
– Mas – disse Carl – você parece posar como uma crítica literária infernal.
Margie, depois disso, foi logo embora. Carl ficou sentado e bebeu o resto das cervejas. Era verdade, a escrita o havia deixado. Isso deixaria algum de seus inimigos do subsolo felizes. Eles poderiam aumentar em um tento a marca dos inimigos abatidos. A morte os agradava, em cima ou embaixo da terra. Lembrou-se de Endicott, Endicott sentado, dizendo:
– Bem, Hemingway se foi, Dos Passos se foi, Patchen se foi, Pound se foi, Berryman pulou daquela ponte... as coisas estão parecendo cada vez melhores.
O telefone tocou. Carl atendeu.
– Sr. Gantling?
– Sim – ele respondeu.
– Gostaríamos de saber se você estaria interessado em uma leitura de algum dos seus trabalhos na Faculdade Fairmount.
– Bem, sim, qual a data?
– No dia 30 do próximo mês.
– Acho que não tenho nada marcado para esse dia.
– Nosso pagamento geralmente é de cem dólares.
– Geralmente recebo 150. Ginsberg ganha mil.
– Mas ele é Ginsberg. Podemos oferecer apenas cem.
– Tudo bem.
– Bom, sr. Gantling. Enviaremos os detalhes para você.
– E o transporte? Dirigir até aí não é pouca coisa.
– Ok, 25 dólares pela viagem.
– Ok.
– Gostaria de falar com os estudantes em suas classes?
– Não.
– Oferecemos um almoço grátis.
– Vou aceitar o almoço.
– Bom, sr. Gantling, estaremos esperando para vê-lo em nosso campus.
– Nos falamos.
Carl foi até o quarto. Olhou para a máquina de escrever. Colocou uma folha de papel no rolo, então observou uma garota com uma minissaia surpreendentemente curta cruzar pela frente de sua janela. Depois começou a escrever:
“Margie ia sair com um sujeito, mas, no caminho, esse sujeito encontrou com outro que vestia um casaco de couro e o sujeito com casaco de couro abriu o casaco de couro e mostrou as tetas e o outro sujeito foi até a casa de Margie e disse que não poderia mais ir ao encontro, porque esse sujeito, vestindo um casaco de couro, havia lhe mostrado as tetas...”
Carl ergueu sua cerveja. Era bom voltar a escrever.
– Ao sul de lugar nenhum
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