Charles Bukowski

Charles Bukowski

poeta, contista e romancista estadunidense

1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
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Um Casal Adorável

eu tinha que dar uma cagada
mas em vez disso fui
até essa loja para
fazer uma chave.
a mulher usava um vestido
de algodão e cheirava
a rato almiscarado.
“Ralph”, ela urrou
e, seu marido,
um porco velho numa
camisa florida
calçando um sapato 39
apareceu e ela disse,
“esse homem quer
uma chave”.
ele começou a afiá-la
como se realmente não quisesse
fazer aquilo.
havia sombras
furtivas e urina
no ar.
segui ao longo do
balcão de vidro,
apontei e chamei a
mulher,
“ei, eu quero este
aqui”.
ela me alcançou o
objeto: um canivete
num estojo de um púrpura
claro.
US$ 6,50 mais as taxas.
a chave custou
praticamente
nada.
peguei o troco e
saí em direção
à rua.
algumas vezes você precisa
de gente desse tipo.

Depois de três anos fui “efetivado”. Isso significava receber pelos dias de feriado (os estagiários não recebiam) e uma jornada semanal de quarenta horas com dois dias de folga. O Stone também foi obrigado a me designar como substituto para cinco rotas diferentes no máximo. Isso era tudo o que me cabia: cinco rotas diferentes. Com o tempo, aprenderia onde estavam as caixas de correio, além dos atalhos e armadilhas de cada rota. Cada dia seria mais fácil. Poderia começar a cultivar aquele ar de tranquilidade.
De algum modo, porém, não me sentia muito feliz. Eu não era do tipo que procura deliberadamente por sofrimento, o trabalho ainda tinha lá sua variedade, mas aquele velho glamour dos dias de estagiário fazia falta – aquele não-ter-a-mais-vaga-ideia do que poderia acontecer depois.
Alguns dos funcionários de carreira se aproximaram para me cumprimentar.
– Parabéns – diziam.
– É isso aí – eu disse.
Parabéns pelo quê? Eu não tinha feito nada. Agora era um membro do clube. Era um dos caras. Eu poderia estar ali pelos próximos anos, chegar, inclusive, a pleitear minha própria rota. Comprar presentes de Natal para a família. E quando eu ligasse dizendo estar doente, diriam para um dos pobres estagiários, “Onde está o carteiro de sempre? Ele nunca se atrasa.”
Então lá estava eu. Depois disso foi emitido um boletim dizendo que nenhum quepe ou equipamento deveria ser posto sobre a caixa do carteiro. A maioria dos rapazes colocava seus quepes ali. Aquilo não fazia mal nenhum e economizava uma viagem até o vestiário. Agora, depois de três anos pondo meu quepe ali em cima, recebia uma ordem para não fazê-lo.
Bem, eu continuava chegando de ressaca e não podia me ocupar de coisas tão banais quanto o lugar onde pôr o quepe. De modo que meu quepe continuou onde sempre esteve, mesmo no dia posterior à expedição da ordem.
O Stone veio correndo com uma advertência. Dizia que era contra as regras e o regulamento manter qualquer tipo de objeto sobre a caixa. Pus a advertência no bolso e segui distribuindo as cartas. O Stone se sentou, girando em sua cadeira, sem deixar de me observar. Todos os outros carteiros tinham posto os quepes em seus armários. A exceção era eu – e um certo Marty. E o Stone tinha se aproximado do Marty e dito:
– Muito bem, Marty, você leu a ordem. Seu quepe não deveria estar sobre a caixa.
– Oh, sinto muito, senhor. É o hábito, sabe. Sinto muito. – Marty tirou seu quepe de cima da caixa e subiu as escadas para guardá-lo no armário.
Na manhã seguinte, esqueci outra vez da regra. O Stone apareceu com sua advertência.
O texto dizia que era contra as regras e o regulamento manter qualquer tipo de objeto sobre a caixa.
Pus a advertência no bolso e segui distribuindo as cartas.
Na manhã seguinte, assim que entrei, pude ver que o Stone estava à minha espreita. Não fazia nenhuma questão de esconder que me vigiava. Esperava para ver o que eu faria com meu quepe. Deixei-o esperar por um momento. Então retirei o quepe da cabeça e o coloquei sobre a caixa.
O Stone veio correndo com sua advertência.
Não a li. Joguei-a na cesta de lixo, deixei meu quepe ali e segui distribuindo as cartas.
Dava para ouvir o Stone à sua máquina. O próprio som das teclas era raivoso.
Me perguntava como ele teria aprendido a datilografar.
Ele retornou. Estendeu-me uma segunda advertência.
Olhei para ele.
– Não preciso ler esse negócio. Sei o que está escrito. Diz que eu não li a primeira advertência.
Joguei a segunda advertência no lixo.
O Stone voltou correndo para sua máquina.
Apresentou-me uma terceira advertência.
– Veja só – eu disse –, sei o que está escrito nessas folhas. Na primeira dizia que não era para eu pôr meu quepe sobre a caixa. Na segunda, que eu não havia lido a primeira. A terceira é por não ter lido nem a primeira, nem a segunda.
Olhei-o, e depois deixei a advertência cair no lixo, sem lê-la.
– Agora posso jogá-las fora tão rápido quanto você é capaz de datilografá-las. Isso pode seguir por horas e horas, e logo um de nós estará fazendo papel de ridículo. Você decide.
O Stone retornou para sua cadeira e se sentou. Não datilografou mais nada. Ficou apenas olhando para mim.
Não apareci no dia seguinte. Dormi até a hora do almoço. Sequer telefonei para avisar. Então fui até o Escritório Central. Disse-lhes a que vinha. Colocaram-me em frente a uma mesa com uma mulher velha e magra. Seus cabelos eram grisalhos e seu pescoço muito fino, um pescoço que subitamente se inclinava na metade de sua extensão. Isso fazia com que a cabeça se projetasse para frente e que ela me olhasse por sobre os óculos.
– Sim.
– Quero pedir demissão.
– Demissão?
– Sim, demissão.
– E o senhor é um carteiro efetivo?
– Sim – eu disse.
– Tsc, tsc, tsc, tsc, tsc, tsc, tsc – seguiu, produzindo este som com seus lábios secos.
Passou-me os papéis necessários e eu fiquei ali a preenchê-los.
– Há quanto tempo trabalha nos Correios?
– Três anos e meio.
– Tsc, tsc, tsc, tsc, tsc, tsc, tsc, tsc – ela seguiu –, tsc, tsc, tsc, tsc.
E isso foi tudo. Voltei para casa e para Betty e nós tiramos o selo da garrafa.
Mal eu sabia que em dois anos eu estaria de volta como escrevente e que lá eu ficaria, encolhido sobre meu assento, por quase doze anos.
– Cartas na rua
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