Pablo Neruda
Pablo Neruda foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha e no México.
1904-07-12 Parral, Chile
1973-09-23 Santiago, Chile
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889
O Astronauto
I.
SE ME ENCONTREI nestas regiões reconcentradas e calcáreas
foi por equívocos de pai e mãe em meu planeta:
me aborreceram tanto uns como outros inclementes;
deixei plantados os puros, desencadeei certa loucura
e continuei presenteando os hostis.
II.
Cheguei porque me convidaram a uma estrela recém-aberta;
já Leonov me havia dito que cruzaríamos cores
de enxofre imenso e amaranto, fogo furioso de turquesa,
zonas insólitas de prata como espelhos efervescentes
e quando então fiquei só sobre a calvície do céu
nesta zona parecida com a extensão de Antofagasta,
com a solidão de Astacama, com as alturas da Mongólia
me despi para viver no calor do mundo virgem,
do mundo velho de uma estrela que agonizava ou que nascia.
III.
Não me fazia falta a roupa mas a linguagem, recolhi
uma suavíssima, metálica flor, uma rosa cujo orvalho
caiu perfurando o solo como uma torrente de mercúrio
e por esse álveo escutei de gruta em gruta o orvalho
descer as escadarias de cristal adormecido e gasto.
Gasto por quem? Pelos sonhos? Pela vida com sobrenome?
Por animais ou pessoas, elefantes ou analfabetos?
E de repente me surpreendi buscando outra vez com tristeza
a identidade, a história, o conto dos que deixei na terra.
IV.
Talvez aqui nestas rugas, sob estas crostas estépicas,
sob o vulcânico estandarte das cinzas celestiais
existiu ou existe a inveja que mordeu-me pelos caminhos
terrestres, como um caimão de quarenta caudas apodrecidas?
Aqui também prosperará o canibal parasitário,
o cínico, o frívolo, o piadista sustentado por seus cosméticos?
Aqui o Chamudar trocará de casaca pegajosa
como o Retamudez Gordillo da intervenção “oportuna”?
V.
Mas encontrei só os ossos do silêncio carbonizado;
buscando desci os estratos de mortífera astrologia:
iguanas mortas talvez eram os vestígios do pó,
idades que se trituraram e ficava só o fulgor
e era toda aquela estrela como uma antiga borboleta
de ancestrais asas que apenas tocadas se desvaneciam
aparecendo então um buraco de metal,
uma cova em cujo passado brilhavam as pedras do frio.
VI.
Perdi-me pelas galerias do sol talvez derrubado
ou na lua sem coração com seus espelhos carcomidos
e como na segurança de meu país inseguro
aqui o medo me dirigia os pés no descobrimento.
Mas não achei como alabar o alabastro que corria
derretido, pelas gargantas de pedra-pome adstringente,
e como, com quem falar do tesouro negro que fugia
com o rio do azeviche pelas ruas cicatrizadas?
VII.
Pouco a pouco o silêncio me fez um Robinson assustadiço
sem roupa mas sem fome, sem sede porque pelos poros
a luz mineral nutria e umedecia, mas pouco
a pouco o planeta se despencava de minha língua,
e errei sem idioma, escuro pelas areias do silêncio.
Oh solidão espacial do silêncio! Se desfaz
o ruído do coração e quando sobressaltado
ouvi um silêncio debaixo de outro silêncio maior:
fui emagrecendo até ser somente silêncio naquele bairro do céu
onde caí e fui enterrado por um álveo silencioso
por um grande rio de esmeraldas que não sabiam cantar.
SE ME ENCONTREI nestas regiões reconcentradas e calcáreas
foi por equívocos de pai e mãe em meu planeta:
me aborreceram tanto uns como outros inclementes;
deixei plantados os puros, desencadeei certa loucura
e continuei presenteando os hostis.
II.
Cheguei porque me convidaram a uma estrela recém-aberta;
já Leonov me havia dito que cruzaríamos cores
de enxofre imenso e amaranto, fogo furioso de turquesa,
zonas insólitas de prata como espelhos efervescentes
e quando então fiquei só sobre a calvície do céu
nesta zona parecida com a extensão de Antofagasta,
com a solidão de Astacama, com as alturas da Mongólia
me despi para viver no calor do mundo virgem,
do mundo velho de uma estrela que agonizava ou que nascia.
III.
Não me fazia falta a roupa mas a linguagem, recolhi
uma suavíssima, metálica flor, uma rosa cujo orvalho
caiu perfurando o solo como uma torrente de mercúrio
e por esse álveo escutei de gruta em gruta o orvalho
descer as escadarias de cristal adormecido e gasto.
Gasto por quem? Pelos sonhos? Pela vida com sobrenome?
Por animais ou pessoas, elefantes ou analfabetos?
E de repente me surpreendi buscando outra vez com tristeza
a identidade, a história, o conto dos que deixei na terra.
IV.
Talvez aqui nestas rugas, sob estas crostas estépicas,
sob o vulcânico estandarte das cinzas celestiais
existiu ou existe a inveja que mordeu-me pelos caminhos
terrestres, como um caimão de quarenta caudas apodrecidas?
Aqui também prosperará o canibal parasitário,
o cínico, o frívolo, o piadista sustentado por seus cosméticos?
Aqui o Chamudar trocará de casaca pegajosa
como o Retamudez Gordillo da intervenção “oportuna”?
V.
Mas encontrei só os ossos do silêncio carbonizado;
buscando desci os estratos de mortífera astrologia:
iguanas mortas talvez eram os vestígios do pó,
idades que se trituraram e ficava só o fulgor
e era toda aquela estrela como uma antiga borboleta
de ancestrais asas que apenas tocadas se desvaneciam
aparecendo então um buraco de metal,
uma cova em cujo passado brilhavam as pedras do frio.
VI.
Perdi-me pelas galerias do sol talvez derrubado
ou na lua sem coração com seus espelhos carcomidos
e como na segurança de meu país inseguro
aqui o medo me dirigia os pés no descobrimento.
Mas não achei como alabar o alabastro que corria
derretido, pelas gargantas de pedra-pome adstringente,
e como, com quem falar do tesouro negro que fugia
com o rio do azeviche pelas ruas cicatrizadas?
VII.
Pouco a pouco o silêncio me fez um Robinson assustadiço
sem roupa mas sem fome, sem sede porque pelos poros
a luz mineral nutria e umedecia, mas pouco
a pouco o planeta se despencava de minha língua,
e errei sem idioma, escuro pelas areias do silêncio.
Oh solidão espacial do silêncio! Se desfaz
o ruído do coração e quando sobressaltado
ouvi um silêncio debaixo de outro silêncio maior:
fui emagrecendo até ser somente silêncio naquele bairro do céu
onde caí e fui enterrado por um álveo silencioso
por um grande rio de esmeraldas que não sabiam cantar.
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