Vasco Graça Moura

Vasco Graça Moura

Vasco Navarro da Graça Moura foi um escritor, tradutor e político português.

1942-01-03 Porto, Portugal
2014-04-27 Lisboa
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Alguns Poemas

Lamento para a língua portuguesa

não és mais do que as outras, mas és nossa,
e crescemos em ti. nem se imagina
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, mera aspirina,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vida nova e repentina.
mas é o teu país que te destroça,
o teu próprio país quer-te esquecer
e a sua condição te contamina
e no seu dia-a-dia te assassina.
mostras por ti o que lhe vais fazer:
vai-se por cá mingando e desistindo,
e desde ti nos deitas a perder
e fazes com que fuja o teu poder
enquanto o mundo vai de nós fugindo:
ruiu a casa que és do nosso ser
e este anda por isso desavindo
connosco, no sentir e no entender,
mas sem que a desavença nos importe
nós já falamos nem sequer fingindo
que só ruínas vamos repetindo.
talvez seja o processo ou o desnorte
que mostra como é realidade
a relação da língua com a morte,
o nó que faz com ela e que entrecorte
a corrente da vida na cidade.
mais valia que fossem de outra sorte
em cada um a força da vontade
e tão filosofais melancolias
nessa escusada busca da verdade,
e que a ti nos prendesse melhor grade.
bem que ao longo do tempo ensurdecias,
nublando-se entre nós os teus cristais,
e entre gentes remotas descobrias
o que não eram notas tropicais
mas coisas tuas que não tinhas mais,
perdidas no enredar das nossas vias
por desvairados, lúgubres sinais,
mísera sorte, estranha condição,
mas cá e lá do que eras tu te esvais,
por ser combate de armas desiguais.
matam-te a casa, a escola, a profissão,
a técnica, a ciência, a propaganda,
o discurso político, a paixão
de estranhas novidades, a ciranda
de violência alvar que não abranda
entre rádios, jornais, televisão.
e toda a gente o diz, mesmo essa que anda
por tal degradação tão mais feliz
que o repete por luxo e não comanda,
com o bafo de hienas dos covis,
mais que uma vela vã nos ventos panda
cheia do podre cheiro a que tresanda.
foste memória, música e matriz
de um áspero combate: apreender
e dominar o mundo e as mais subtis
equações em que é igual a xis
qualquer das dimensões do conhecer,
dizer de amor e morte, e a quem quis
e soube utilizar-te, do viver,
do mais simples viver quotidiano,
de ilusões e silêncios, desengano,
sombras e luz, risadas e prazer
e dor e sofrimento, e de ano a ano,
passarem aves, ceifas, estações,
o trabalho, o sossego, o tempo insano
do sobressalto a vir a todo o pano,
e bonanças também e tais razões
que no mundo costumam suceder
e deslumbram na só variedade
de seu modo, lugar e qualidade,
e coisas certas, inexactidões,
venturas, infortúnios, cativeiros,
e paisagens e luas e monções,
e os caminhos da terra a percorrer,
e arados, atrelagens e veleiros,
pedacinhos de conchas, verde jade,
doces luminescências e luzeiros,
que podias dizer e desdizer
no teu corpo de tempo e liberdade.
agora que és refugo e cicatriz
esperança nenhuma hás-de manter:
o teu próprio domínio foi proscrito,
laje de lousa gasta em que algum giz
se esborratou informe em borrões vis.
de assim acontecer, ficou-te o mito
de haver milhões que te uivam triunfantes
na raiva e na oração, no amor, no grito
de desespero, mas foi noutro atrito
que tu partiste até as próprias jantes
nos estradões da história: estava escrito
que iam desconjuntar-te os teus falantes
na terra em que nasceste, eu acredito
que te fizeram avaria grossa.
não rodarás nas rotas como dantes,
quer murmures, escrevas, fales, cantes,
mas apesar de tudo ainda és nossa,
e crescemos em ti. nem imaginas
que alguma vez uma outra língua possa
pôr-te incolor, ou inodora, insossa,
ser remédio brutal, vãs aspirinas,
ou tirar-nos de vez de alguma fossa,
ou dar-nos vidas novas repentinas.
enredada em vilezas, ódios, troça,
no teu próprio país te contaminas
e é dele essa miséria que te roça.
mas com o que te resta me iluminas.
Escritor, poeta e tradutor português, natural do Porto. Licenciado em Direito, actividade que chegou a exercer, foi secretário de estado da Segurança Social do IV Governo Provisório e secretário de estado dos Retornados do VI Governo Provisório. Nomeado director de programas da RTP, em 1978, nesse mesmo ano passou à Imprensa Nacional-Casa da Moeda, cuja área editorial administrou até 1988. Entre 1988 e 1995 foi presidente da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses. É autor de obras de ensaio, poesia, romance, e ainda de traduções. Paralelamente, tem desenvolvido uma ampla intervenção pública como comentador e analista político. A sua obra iniciou-se em 1963, com o título Modo Mudando, a que se seguiram O Mês de Dezembro (1977), Instrumentos para a Melancolia (1980), A Variação dos Semestres deste Ano; 365 Versos (1981), Nó Cego, o regresso (1982), Os Rostos Comunicantes (1984), A Sombra das Figuras (1985), A Furiosa Paixão pelo Tangível (1987), O Concerto Campestre (1993), Sonetos Familiares (1994), Poemas Escolhidos 1963-1995 (1996), Poemas com Pessoas (1997), Uma Carta no Inverno (1997, prémio de Poesia APE/CTT de 1997) e Retrato de Francisca Matroco e Outros Poemas (1998). Entre os seus ensaios encontram-se David Mourão-Ferreira ou a Mestria de Eros (1978), Camões e a Divina Proporção (1985), Os Penhascos e a Serpente e Outros Ensaios Camonianos (1987), Várias Vozes (1987), Retrato de Isabel e Outras Tentativas (1994) e Contra Bernardo Soares e Outras Observações (1999). Na sua vasta obra encontramos igualmente obras de ficção, entre as quais Quatro Últimas Canções (1987), Naufrágio de Sepúlveda (1988), Partida de Sofonista às Seis e Doze da Manhã (1993) e A Morte de Ninguém (1998). Vasco Graça Moura escreveu ainda uma peça de teatro (Ronda dos Meninos Expostos, 1987), um diário (As Circunstâncias Vividas, 1995) e as crónicas de Papéis de Jornal (1995). Distinguindo-se publicamente como tradutor, amplamente consagrado, as suas traduções da Vita Nuova e da Divina Comédia de Dante (1995) mereceram-lhe a atribuição do Prémio Pessoa, em 1995. Em 2000, publica Poesia 1997-2000, seguido do romance Meu Amor, era de Noite (2001)
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10/maio/2021
bessinha
vocês não levam isto a serio... cultura portuguesa, respeitem o camilo castelo branco
10/maio/2021
Jpila
ála a uta da boca chavalo
14/abril/2021
20comer100saberes
esse cavalheiro fodeu-me ...na poesia, digo na poesia mas concretamente na poesia...tantas saudades
20/janeiro/2021
nenhum
é giro
22/maio/2020
Nuno
Ao tempo que já n te vejo desde Timor um dia destes anda lá a casa mpt
12/março/2020
Mafalda
Adorei a companhia deste senhor, noites mágicas, muito atencioso, um verdadeiro cavalheiro, bem dotado
12/março/2020

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