Herberto Helder
Herberto Helder de Oliveira foi um poeta português, considerado por alguns o 'maior poeta português da segunda metade do século XX' e um dos mentores da Poesia Experimental Portuguesa.
1930-11-23 Funchal
2015-03-23 Cascais
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152
Lugar - Iii
As mulheres têm uma assombrada roseira
fria espalhada no ventre.
Uma quente roseira às vezes, uma planta
de treva.
Ela sobe dos pés e atravessa
a carne quebrada.
Nasce dos pés, ou da vulva, ou do ânus —
e mistura-se nas águas,
no sonho da cabeça.
As mulheres pensam como uma impensada roseira
que pensa rosas.
Pensam de espinho para espinho,
param de nó em nó.
As mulheres dão folhas, recebem
um orvalho inocente.
Depois sua boca abre-se.
Verão, outono, a onda dolorosa e ardente
das semanas,
passam por cima. As mulheres cantam
na sua alegria terrena.
Que coisa verdadeira cantam?
Elas cantam.
São fechadas e doces, mudam
de cor, anunciam a felicidade no meio da noite,
os dias rutilantes, a graça.
Com lágrimas, sangue, antigas subtilezas
e uma suavidade amarga —
as mulheres tornam impura e magnífica
nossa límpida, estéril
vida masculina.
Porque as mulheres não pensam: abrem
rosas tenebrosas,
alagam a inteligência do poema com o sangue menstrual.
São altas essas roseiras de mulheres,
inclinadas como sinos, como violinos, dentro
do som.
Dentro da sua seiva de cinza brilhante.
O pão de aveia, as maçãs no cesto,
o vinho frio,
ou a candeia sobre o silêncio.
Ou a minha tarefa sobre o tempo.
Ou o meu espírito sobre Deus.
Digo: minha vida é para as mulheres vazias,
as mulheres dos campos, os seres
fundamentais
que cantam de encontro aos sinistros
muros de Deus.
As mulheres de ofício cantante que a Deus mostram
a boca e o ânus
e a mão vermelha lavrada sobre o sexo.
Espero que o amor enleve a minha melancolia.
E flores sazonadas estalem e apodreçam
docemente no ar.
E a suavidade e a loucura parem em mim,
e depois o mundo tenha cidades antigas
que ardam na treva sua inocência lenta
e sangrenta.
Espero tirar de mim o mais veloz
apaixonamento e a inteligência mais pura.
— Porque as mulheres pensarão folhas e folhas
no campo.
Pensarão na noite molhada,
no dia luzente cheio de raios.
Vejo que a morte se inspira na carne
que a luz martela de leve.
Nessas mulheres debruçadas sobre a frescura
veemente da ilusão,
nelas — envoltas pela sua roseira em brasa —
vejo os meses que respiram.
Os meses fortes e pacientes.
Vejo os meses absorvidos pelos meses mais jovens.
Vejo meu pensamento morrendo na escarpada
treva das mulheres.
E digo: elas cantam a minha vida.
Essas mulheres estranguladas por uma beleza
incomparável.
Cantam a alegria de tudo, minha
alegria
por dentro da grande dor masculina.
Essas mulheres tornam feliz e extensa
a morte da terra.
Elas cantam a eternidade.
Cantam o sangue de uma terra exaltada.
fria espalhada no ventre.
Uma quente roseira às vezes, uma planta
de treva.
Ela sobe dos pés e atravessa
a carne quebrada.
Nasce dos pés, ou da vulva, ou do ânus —
e mistura-se nas águas,
no sonho da cabeça.
As mulheres pensam como uma impensada roseira
que pensa rosas.
Pensam de espinho para espinho,
param de nó em nó.
As mulheres dão folhas, recebem
um orvalho inocente.
Depois sua boca abre-se.
Verão, outono, a onda dolorosa e ardente
das semanas,
passam por cima. As mulheres cantam
na sua alegria terrena.
Que coisa verdadeira cantam?
Elas cantam.
São fechadas e doces, mudam
de cor, anunciam a felicidade no meio da noite,
os dias rutilantes, a graça.
Com lágrimas, sangue, antigas subtilezas
e uma suavidade amarga —
as mulheres tornam impura e magnífica
nossa límpida, estéril
vida masculina.
Porque as mulheres não pensam: abrem
rosas tenebrosas,
alagam a inteligência do poema com o sangue menstrual.
São altas essas roseiras de mulheres,
inclinadas como sinos, como violinos, dentro
do som.
Dentro da sua seiva de cinza brilhante.
O pão de aveia, as maçãs no cesto,
o vinho frio,
ou a candeia sobre o silêncio.
Ou a minha tarefa sobre o tempo.
Ou o meu espírito sobre Deus.
Digo: minha vida é para as mulheres vazias,
as mulheres dos campos, os seres
fundamentais
que cantam de encontro aos sinistros
muros de Deus.
As mulheres de ofício cantante que a Deus mostram
a boca e o ânus
e a mão vermelha lavrada sobre o sexo.
Espero que o amor enleve a minha melancolia.
E flores sazonadas estalem e apodreçam
docemente no ar.
E a suavidade e a loucura parem em mim,
e depois o mundo tenha cidades antigas
que ardam na treva sua inocência lenta
e sangrenta.
Espero tirar de mim o mais veloz
apaixonamento e a inteligência mais pura.
— Porque as mulheres pensarão folhas e folhas
no campo.
Pensarão na noite molhada,
no dia luzente cheio de raios.
Vejo que a morte se inspira na carne
que a luz martela de leve.
Nessas mulheres debruçadas sobre a frescura
veemente da ilusão,
nelas — envoltas pela sua roseira em brasa —
vejo os meses que respiram.
Os meses fortes e pacientes.
Vejo os meses absorvidos pelos meses mais jovens.
Vejo meu pensamento morrendo na escarpada
treva das mulheres.
E digo: elas cantam a minha vida.
Essas mulheres estranguladas por uma beleza
incomparável.
Cantam a alegria de tudo, minha
alegria
por dentro da grande dor masculina.
Essas mulheres tornam feliz e extensa
a morte da terra.
Elas cantam a eternidade.
Cantam o sangue de uma terra exaltada.
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