Charles Bukowski
poeta, contista e romancista estadunidense
1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
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27
Confissão
à espera da morte
como um gato
que saltará sobre a
cama
sinto terrivelmente por
minha esposa
ela verá este
corpo
duro e
branco
vai sacudi-lo uma vez, depois
quem sabe
outra:
“Hank!”
Hank não
responderá.
não é minha morte o que
me preocupa, é minha mulher
abandonada com este
monte de
nada.
quero
no entanto
que ela saiba
que todas as noites
dormindo
ao seu lado
que mesmo as discussões
inúteis
sempre foram
esplêndidas
e que as palavras
difíceis
que sempre temi
dizer
podem agora ser
ditas:
eu te
amo.
Chegamos um pouco atrasados para a festa, mas ainda não havia muita gente. Victor Norman sentava-se a algumas mesas da nossa. Depois que Sarah e eu nos sentamos, apareceu o garçom com nosso vinho. Vinho branco. Bem, era de graça.
Esvaziei meu copo e fiz sinal com a cabeça, chamando o garçom para tornar a enchê-lo.
Percebi que Victor me observava.
O pessoal ia chegando aos poucos. Vi o famoso ator do bronzeado perpétuo. Soubera que ele ia a quase todas as festas de Hollywood, em toda parte.
Sarah me deu uma cutucada. Era Jim Serry, o velho guru da droga da década de 60. Também ele ia a muitas festas. Parecia cansado, triste, esgotado. Senti pena dele. Ia de mesa em mesa. Chegou à nossa. Sarah deu um sorriso de prazer. Era uma filha dos anos 60. Apertei a mão dele.
– Oi, baby – eu disse.
A casa começava a lotar rapidamente. Eu não conhecia a maioria das pessoas. Acenava constantemente ao garçom para trazer mais vinho. Ele terminou trazendo uma garrafa inteira, e a pôs na mesa.
– Quando acabarem essa, trago outra.
– Obrigado, cara...
Sarah embrulhara um presentinho para Harry Friedman. Eu o tinha no colo.
Jon chegou e sentou-se à nossa mesa.
– Estou feliz por você e Sarah terem podido vir – disse. – Veja, está enchendo, este lugar está cheio de gângsters e matadores, os piores!
Ele adorava aquilo. Tinha alguma imaginação. Isso o ajudava a atravessar os dias e as noites.
Então surgiu um sujeito de aparência muito importante. Ouvi alguns aplausos.
Saltei de pé com o presente de aniversário. Me aproximei dele.
– Sr. Friedman, feliz...
Jon correu a me agarrar por detrás. Me puxou de volta à mesa.
– Não! Não! Esse não é Friedman! É o Fischman!
– Oh...
Sentei-me.
Notei Victor Norman me observando. Imaginei que desistisse dentro de pouco tempo. Quando tornei a olhar, ele ainda me encarava. Me olhava como se não acreditasse nos próprios olhos.
– Tudo bem, Victor – eu gritei –, e daí se eu faço cocô nas calças? Quer fazer disso uma Guerra Mundial?
Ele desviou o olhar.
Eu me levantei e procurei o banheiro dos homens.
Ao sair de lá, me perdi e entrei na cozinha. Encontrei um ajudante de garçom fumando um cigarro. Meti a mão na carteira e puxei uma nota de dez dólares. Coloquei-a no bolso da camisa dele.
– Não posso aceitar, senhor.
– Por que não?
– Não posso.
– Todo mundo recebe gorjetas. Por que não o ajudante de garçom? Eu sempre quis ser um ajudante de garçom.
Afastei-me, tornei a encontrar a sala principal e a mesa.
Quando me sentei, Sarah se curvou para mim e sussurrou:
– Victor Norman veio aqui quando você saiu. Disse que foi muito legal de você não falar nada da literatura dele.
– Fui bom, não fui, Sarah?
– Foi.
– Não fui um bom menino?
– Foi.
Olhei para Victor Norman, atraindo sua atenção. Fiz-lhe um aceno de cabeça, pisquei o olho.
Nesse momento entrava o verdadeiro Harry Friedman. Algumas pessoas se levantaram e aplaudiram. Outras pareciam entediadas.
Friedman sentou-se à sua mesa e serviu-se de comida. Massa. A massa correu a roda. Harry Friedman recebeu a sua e atacou-a logo. Parecia um bom garfo. Era largo, sem dúvida. Usava um terno velho, os sapatos gastos. Cabeça grande, bochechudo. Enfiava a massa naquelas bochechas. Tinha grandes olhos redondos, olhos tristes e cheios de desconfiança. Ai, viver no mundo! Faltava um botão da camisa branca amassada, perto da barriga, que se estufava para fora. Parecia um bebezão que de algum modo se soltara, crescera depressa e quase se tornara um homem. Tinha charme, mas podia ser perigoso acreditar naquele charme – ele seria usado contra a gente. Não usava gravata. Feliz aniversário, Harry Friedman!
Surgiu uma jovem vestida de policial. Encaminhou-se diretamente para a mesa dele.
– VOCÊ ESTÁ PRESO! – gritou.
Harry Friedman parou de comer e sorriu, os lábios molhados de massa.
A policial tirou o casaco e a blusa. Tinha seios enormes. Balançou-os debaixo do nariz de Harry Friedman.
– VOCÊ ESTÁ PRESO – gritou.
Todo mundo aplaudiu. Não sei por quê.
Friedman fez sinal à policial para que se abaixasse. Ela se abaixou e ele sussurrou-lhe alguma coisa no ouvido. Ninguém soube o que era.
Me leve pra sua casa. Vamos ver o que acontece?
Esqueceu seu cassetete. Cuido disso? Você vem me ver. Te levo no cinema?
A policial tornou a vestir a blusa, o casaco, e se mandou.
As pessoas aproximavam-se da mesa de Friedman e diziam-lhe coisinhas. Ele as olhava como se não soubesse quem eram. Em breve acabara de comer e bebia vinho. Manejava bem o vinho. Gostei disso.
Realmente tinha um fraco por vinho. Depois de algum tempo, saiu de mesa em mesa, curvando-se, falando com as pessoas.
– Nossa – eu disse a Sarah –, veja só aquilo!
– Quê?
– Ele está com um pedaço de massa num dos cantos da boca e ninguém lhe diz nada. Está ali pendurado!
– Estou vendo! Estou vendo! – disse Jon.
Harry Friedman continuava indo de mesa em mesa, curvando-se, falando. Ninguém o avisava.
Finalmente, ele se aproximou. Estava mais ou menos a uma mesa da nossa quando eu me levantei e me aproximei dele.
– Sr. Friedman – disse.
Ele me olhou com aquele rosto de bebê monstruoso.
– Sim?
– Fique parado.
Estendi a mão, peguei o fiapo de massa e puxei. A coisa se soltou.
– O senhor estava andando por aí com isso pendurado. Eu não aguentava mais.
– Obrigado – ele disse.
Voltei pra minha mesa.
– Bem, bem – perguntou Jon –, que acha dele?
– Acho ele um encanto.
– Eu te disse. Não conheci ninguém como ele depois de Lido Mamin...
– De qualquer modo – disse Sarah –, foi bacana da sua parte tirar a massa da cara dele, já que ninguém mais tinha coragem de fazer isso. Foi muito bacana.
– Obrigado, eu sou um cara muito bacana, na verdade.
– Oh, é? Que mais você fez de bacana ultimamente?
Nossa garrafa de vinho estava vazia. Chamei o garçom. Ele franziu o cenho para mim e adiantou-se com outra garrafa.
E não consegui pensar em nada bacana que tivesse feito. Ultimamente.
– Hollywood
como um gato
que saltará sobre a
cama
sinto terrivelmente por
minha esposa
ela verá este
corpo
duro e
branco
vai sacudi-lo uma vez, depois
quem sabe
outra:
“Hank!”
Hank não
responderá.
não é minha morte o que
me preocupa, é minha mulher
abandonada com este
monte de
nada.
quero
no entanto
que ela saiba
que todas as noites
dormindo
ao seu lado
que mesmo as discussões
inúteis
sempre foram
esplêndidas
e que as palavras
difíceis
que sempre temi
dizer
podem agora ser
ditas:
eu te
amo.
Chegamos um pouco atrasados para a festa, mas ainda não havia muita gente. Victor Norman sentava-se a algumas mesas da nossa. Depois que Sarah e eu nos sentamos, apareceu o garçom com nosso vinho. Vinho branco. Bem, era de graça.
Esvaziei meu copo e fiz sinal com a cabeça, chamando o garçom para tornar a enchê-lo.
Percebi que Victor me observava.
O pessoal ia chegando aos poucos. Vi o famoso ator do bronzeado perpétuo. Soubera que ele ia a quase todas as festas de Hollywood, em toda parte.
Sarah me deu uma cutucada. Era Jim Serry, o velho guru da droga da década de 60. Também ele ia a muitas festas. Parecia cansado, triste, esgotado. Senti pena dele. Ia de mesa em mesa. Chegou à nossa. Sarah deu um sorriso de prazer. Era uma filha dos anos 60. Apertei a mão dele.
– Oi, baby – eu disse.
A casa começava a lotar rapidamente. Eu não conhecia a maioria das pessoas. Acenava constantemente ao garçom para trazer mais vinho. Ele terminou trazendo uma garrafa inteira, e a pôs na mesa.
– Quando acabarem essa, trago outra.
– Obrigado, cara...
Sarah embrulhara um presentinho para Harry Friedman. Eu o tinha no colo.
Jon chegou e sentou-se à nossa mesa.
– Estou feliz por você e Sarah terem podido vir – disse. – Veja, está enchendo, este lugar está cheio de gângsters e matadores, os piores!
Ele adorava aquilo. Tinha alguma imaginação. Isso o ajudava a atravessar os dias e as noites.
Então surgiu um sujeito de aparência muito importante. Ouvi alguns aplausos.
Saltei de pé com o presente de aniversário. Me aproximei dele.
– Sr. Friedman, feliz...
Jon correu a me agarrar por detrás. Me puxou de volta à mesa.
– Não! Não! Esse não é Friedman! É o Fischman!
– Oh...
Sentei-me.
Notei Victor Norman me observando. Imaginei que desistisse dentro de pouco tempo. Quando tornei a olhar, ele ainda me encarava. Me olhava como se não acreditasse nos próprios olhos.
– Tudo bem, Victor – eu gritei –, e daí se eu faço cocô nas calças? Quer fazer disso uma Guerra Mundial?
Ele desviou o olhar.
Eu me levantei e procurei o banheiro dos homens.
Ao sair de lá, me perdi e entrei na cozinha. Encontrei um ajudante de garçom fumando um cigarro. Meti a mão na carteira e puxei uma nota de dez dólares. Coloquei-a no bolso da camisa dele.
– Não posso aceitar, senhor.
– Por que não?
– Não posso.
– Todo mundo recebe gorjetas. Por que não o ajudante de garçom? Eu sempre quis ser um ajudante de garçom.
Afastei-me, tornei a encontrar a sala principal e a mesa.
Quando me sentei, Sarah se curvou para mim e sussurrou:
– Victor Norman veio aqui quando você saiu. Disse que foi muito legal de você não falar nada da literatura dele.
– Fui bom, não fui, Sarah?
– Foi.
– Não fui um bom menino?
– Foi.
Olhei para Victor Norman, atraindo sua atenção. Fiz-lhe um aceno de cabeça, pisquei o olho.
Nesse momento entrava o verdadeiro Harry Friedman. Algumas pessoas se levantaram e aplaudiram. Outras pareciam entediadas.
Friedman sentou-se à sua mesa e serviu-se de comida. Massa. A massa correu a roda. Harry Friedman recebeu a sua e atacou-a logo. Parecia um bom garfo. Era largo, sem dúvida. Usava um terno velho, os sapatos gastos. Cabeça grande, bochechudo. Enfiava a massa naquelas bochechas. Tinha grandes olhos redondos, olhos tristes e cheios de desconfiança. Ai, viver no mundo! Faltava um botão da camisa branca amassada, perto da barriga, que se estufava para fora. Parecia um bebezão que de algum modo se soltara, crescera depressa e quase se tornara um homem. Tinha charme, mas podia ser perigoso acreditar naquele charme – ele seria usado contra a gente. Não usava gravata. Feliz aniversário, Harry Friedman!
Surgiu uma jovem vestida de policial. Encaminhou-se diretamente para a mesa dele.
– VOCÊ ESTÁ PRESO! – gritou.
Harry Friedman parou de comer e sorriu, os lábios molhados de massa.
A policial tirou o casaco e a blusa. Tinha seios enormes. Balançou-os debaixo do nariz de Harry Friedman.
– VOCÊ ESTÁ PRESO – gritou.
Todo mundo aplaudiu. Não sei por quê.
Friedman fez sinal à policial para que se abaixasse. Ela se abaixou e ele sussurrou-lhe alguma coisa no ouvido. Ninguém soube o que era.
Me leve pra sua casa. Vamos ver o que acontece?
Esqueceu seu cassetete. Cuido disso? Você vem me ver. Te levo no cinema?
A policial tornou a vestir a blusa, o casaco, e se mandou.
As pessoas aproximavam-se da mesa de Friedman e diziam-lhe coisinhas. Ele as olhava como se não soubesse quem eram. Em breve acabara de comer e bebia vinho. Manejava bem o vinho. Gostei disso.
Realmente tinha um fraco por vinho. Depois de algum tempo, saiu de mesa em mesa, curvando-se, falando com as pessoas.
– Nossa – eu disse a Sarah –, veja só aquilo!
– Quê?
– Ele está com um pedaço de massa num dos cantos da boca e ninguém lhe diz nada. Está ali pendurado!
– Estou vendo! Estou vendo! – disse Jon.
Harry Friedman continuava indo de mesa em mesa, curvando-se, falando. Ninguém o avisava.
Finalmente, ele se aproximou. Estava mais ou menos a uma mesa da nossa quando eu me levantei e me aproximei dele.
– Sr. Friedman – disse.
Ele me olhou com aquele rosto de bebê monstruoso.
– Sim?
– Fique parado.
Estendi a mão, peguei o fiapo de massa e puxei. A coisa se soltou.
– O senhor estava andando por aí com isso pendurado. Eu não aguentava mais.
– Obrigado – ele disse.
Voltei pra minha mesa.
– Bem, bem – perguntou Jon –, que acha dele?
– Acho ele um encanto.
– Eu te disse. Não conheci ninguém como ele depois de Lido Mamin...
– De qualquer modo – disse Sarah –, foi bacana da sua parte tirar a massa da cara dele, já que ninguém mais tinha coragem de fazer isso. Foi muito bacana.
– Obrigado, eu sou um cara muito bacana, na verdade.
– Oh, é? Que mais você fez de bacana ultimamente?
Nossa garrafa de vinho estava vazia. Chamei o garçom. Ele franziu o cenho para mim e adiantou-se com outra garrafa.
E não consegui pensar em nada bacana que tivesse feito. Ultimamente.
– Hollywood
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