Vinicius de Moraes
Vinícius de Moraes, nascido Marcus Vinicius de Moraes foi um diplomata, dramaturgo, jornalista, poeta e compositor brasileiro.
1913-10-19 Gávea, Rio de Janeiro, Brasil
1980-07-09 Rio de Janeiro, Brasil
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Os Malditos
(A aparição do poeta)
Quantos somos, não sei... Somos um, talvez dois, três, talvez, quatro; cinco,
talvez nada
Talvez a multiplicação de cinco em cinco mil e cujos restos encheriam doze
terras
Quantos, não sei... Só sei que somos muitos — o desespero da dízima
infinita
E que somos belos deuses mas somos trágicos.
Viemos de longe... Quem sabe no sono de Deus tenhamos aparecido como
espectros
Da boca ardente dos vulcões ou da órbita cega dos lagos desaparecidos
Quem sabe tenhamos germinado misteriosamente do solo cauterizado das
batalhas
Ou do ventre das baleias quem sabe tenhamos surgido?
Viemos de longe — trazemos em nós o orgulho do anjo rebelado
Do que criou e fez nascer o fogo da ilimitada e altíssima misericórdia
Trazemos em nós o orgulho de sermos úlceras no eterno corpo de Jó
E não púrpura e ouro no corpo efêmero de Faraó.
Nascemos da fonte e viemos puros porque herdeiros do sangue
E também disformes porque — ai dos escravos! — não há beleza nas
origens
V oávamos — Deus dera a asa do bem e a asa do mal às nossas formas
impalpáveis
Recolhendo a alma das coisas para o castigo e para a perfeição na vida
eterna.
Nascemos da fonte e dentro das eras vagamos como sementes invisíveis o
coração dos mundos e dos homens
Deixando atrás de nós o espaço como a memória latente da nossa vida
anterior
Porque o espaço é o tempo morto — e o espaço é a memória do poeta
Como o tempo vivo é a memória do homem sobre a terra.
Foi muito antes dos pássaros — apenas rolavam na esfera os cantos de Deus
E apenas a sua sombra imensa cruzava o ar como um farol alucinado...
Existíamos já... No caos de Deus girávamos como o pó prisioneiro da
vertigem
Mas de onde viéramos nós e por que privilégio recebido?
E enquanto o eterno tirava da música vazia a harmonia criadora
E da harmonia criadora a ordem dos seres e da ordem dos seres o amor
E do amor a morte e da morte o tempo e do tempo o sofrimento
E do sofrimento a contemplação e da contemplação a serenidade
imperecível.
Nós percorríamos como estranhas larvas a forma patética dos astros
A tudo assistindo e tudo ouvindo e tudo guardando eternamente
Como, não sei... Éramos a primeira manifestação da divindade
Éramos o primeiro ovo se fecundando à cálida centelha.
Vivemos o inconsciente das idades nos braços palpitantes dos ciclones
E as germinações da carne no dorso descarnado dos luares
Assistimos ao mistério da revelação dos Trópicos e dos Signos
E a espantosa encantação dos eclipses e das esfinges.
Descemos longamente o espelho contemplativo das águas dos rios do Éden
E vimos, entre os animais, o homem possuir doidamente a fêmea sobre a
relva
Seguimos... E quando o decurião feriu o peito de Deus crucificado
Como borboletas de sangue brotamos da carne aberta e para o amor
celestial voamos.
Quantos somos, não sei... somos um, talvez dois, três, talvez quatro; cinco,
talvez, nada
Talvez a multiplicação de cinco em cinco mil e cujos restos encheriam doze
terras
Quantos, não sei... Somos a constelação perdida que caminha largando
estrelas
Somos a estrela perdida que caminha desfeita em luz.
Quantos somos, não sei... Somos um, talvez dois, três, talvez, quatro; cinco,
talvez nada
Talvez a multiplicação de cinco em cinco mil e cujos restos encheriam doze
terras
Quantos, não sei... Só sei que somos muitos — o desespero da dízima
infinita
E que somos belos deuses mas somos trágicos.
Viemos de longe... Quem sabe no sono de Deus tenhamos aparecido como
espectros
Da boca ardente dos vulcões ou da órbita cega dos lagos desaparecidos
Quem sabe tenhamos germinado misteriosamente do solo cauterizado das
batalhas
Ou do ventre das baleias quem sabe tenhamos surgido?
Viemos de longe — trazemos em nós o orgulho do anjo rebelado
Do que criou e fez nascer o fogo da ilimitada e altíssima misericórdia
Trazemos em nós o orgulho de sermos úlceras no eterno corpo de Jó
E não púrpura e ouro no corpo efêmero de Faraó.
Nascemos da fonte e viemos puros porque herdeiros do sangue
E também disformes porque — ai dos escravos! — não há beleza nas
origens
V oávamos — Deus dera a asa do bem e a asa do mal às nossas formas
impalpáveis
Recolhendo a alma das coisas para o castigo e para a perfeição na vida
eterna.
Nascemos da fonte e dentro das eras vagamos como sementes invisíveis o
coração dos mundos e dos homens
Deixando atrás de nós o espaço como a memória latente da nossa vida
anterior
Porque o espaço é o tempo morto — e o espaço é a memória do poeta
Como o tempo vivo é a memória do homem sobre a terra.
Foi muito antes dos pássaros — apenas rolavam na esfera os cantos de Deus
E apenas a sua sombra imensa cruzava o ar como um farol alucinado...
Existíamos já... No caos de Deus girávamos como o pó prisioneiro da
vertigem
Mas de onde viéramos nós e por que privilégio recebido?
E enquanto o eterno tirava da música vazia a harmonia criadora
E da harmonia criadora a ordem dos seres e da ordem dos seres o amor
E do amor a morte e da morte o tempo e do tempo o sofrimento
E do sofrimento a contemplação e da contemplação a serenidade
imperecível.
Nós percorríamos como estranhas larvas a forma patética dos astros
A tudo assistindo e tudo ouvindo e tudo guardando eternamente
Como, não sei... Éramos a primeira manifestação da divindade
Éramos o primeiro ovo se fecundando à cálida centelha.
Vivemos o inconsciente das idades nos braços palpitantes dos ciclones
E as germinações da carne no dorso descarnado dos luares
Assistimos ao mistério da revelação dos Trópicos e dos Signos
E a espantosa encantação dos eclipses e das esfinges.
Descemos longamente o espelho contemplativo das águas dos rios do Éden
E vimos, entre os animais, o homem possuir doidamente a fêmea sobre a
relva
Seguimos... E quando o decurião feriu o peito de Deus crucificado
Como borboletas de sangue brotamos da carne aberta e para o amor
celestial voamos.
Quantos somos, não sei... somos um, talvez dois, três, talvez quatro; cinco,
talvez, nada
Talvez a multiplicação de cinco em cinco mil e cujos restos encheriam doze
terras
Quantos, não sei... Somos a constelação perdida que caminha largando
estrelas
Somos a estrela perdida que caminha desfeita em luz.
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