Escrevias pela noite fora Olhava-te, olhava

Escrevias pela noite fora. Olhava-te, olhava

o que ia ficando nas pausas entre cada

sorriso. Por ti mudei a razão das coisas,

faz de conta que não sei as coisas que não queres

que saiba, acabei por te pensar com crianças

à volta. Agora há prédios onde havia

laranjeiras e romãs no chão e as palavras

nem o sabem dizer, apenas apontam a rua

que foi comum, o quarto estreito. Um livro

é suficiente neste passeio. Quando não escreves

estás a ler e ao lado das árvores o silêncio

é maior. Decerto te digo o que penso

baixando a cabeça e tu respondes sempre

com a cabeça inclinada e o fumo suspenso

no ar. As verdades nunca se disseram. Queria

prender-te, tornar a perder-te, achar-te

assim por acaso no meu dia livre a meio

da semana. Mantêm-se as causas iguais

das pequenas alegrias, longe da alegria, a rotina

dos sorrisos vem de nenhum vício. Este abandono

custa. Porque estou contigo e me deixas

a tua imagem passa pelas noites sem sono,

está aqui a cadeira em que te sentaste

a escrever lendo. Pudesse eu propor-te

vida menos igual, outras iguais obrigações.

Havias de rir, sair à rua, comprar o jornal.

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