Carlos Felipe Moisés
Carlos Felipe Moisés, foi um poeta, tradutor, crítico literário, autor de livros infantojuvenis e professor universitário brasileiro.
São Paulo SP
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Meia Palavra Inteira
Carlos Felipe Moisés entrevista José Paulo Paes
Poeta, ensaísta e tradutor, José Paulo Paes goza de alto prestígio entre intelectuais e especialistas, mas não conta ainda com o reconhecimento que merece junto a um público mais amplo. Uma das razões é sua aversão à chamada "vida literária", aquela aura mundana, feita de vaidades exacerbadas, golpes de oportunismo e tráfico de influências, que cerca o objeto propriamente literário que é o livro impresso. Parte por temperamento, parte por princípio, José Paulo sempre se manteve à distância das confrarias do elogio mútuo, responsáveis por tanta glória efêmera, preferindo arcar com o ônus de uma atividade rigorosamente ética. Para ele, a recepção da obra literária deve prescindir da promoção publicitária, sobretudo a autopromoção; o livro deve oferecer-se ao leitor tal como é e não como o estrelismo do autor e as injunções do momento o imponham ao imediatismo do consumo. Tem sido assim ao longo de mais de quatro décadas de dedicação discreta, silenciosa e apaixonada à literatura.
Seus ensaios exibem a curiosidade eclética do leitor privilegiado, autodidata, que, sem metodologias artificiais nem preconceitos, mas munido de severo olhar perscrutador, notável erudição e proficiência, cumpre com a função primordial da crítica: informar, avaliar, sempre no sentido de esclarecer e enriquecer a obra analisada e não de promover o analista e suas idiossincrasias. Suas traduções, impecáveis, têm posto à disposição do leitor de língua portuguesa algumas das mais importantes obras da literatura universal, em textos que não ficam nada a dever aos originais: os Sonetos luxuriosos de Aretino, os Poemas de Kaváfis, o Tristam Shandy de Sterne e tantos outros. Sua poesia, desde O aluno (1947) até Prosas (1992), revela uma voz instigante e original, que a cada livro aprimora aquelas características que lhe são mais peculiares: a concisão epigramática, o horror ao derramamento e ao sentimentalismo, a tendência conceitual mas antidiscursiva e a engenhosidade verbal, que em vez de buscar o malabarismo exibicionista busca a síntese exemplar, o laconismo prenhe de insinuações. Uma das marcas registradas dessa voz poética é o humor, aprendido em parte com Drummond, um humor que trafega ágil entre o trocadilho e o deboche, a acidez ferina e a soltura da gozação lúdica, sempre funcionando como revelação aguda do ridículo e das misérias da condição humana — ceticamente, mas com afeto, à Machado de Assis. Esse conluio de lirismo contido e denúncia amarga está invaria-velmente a serviço da consciência política, sem dogmas: a consciência do homem da Pólis, o homem solidário em sua relação com a comunidade.
José Paulo Paes, em suma, é um escritor a quem se aplica com justeza o epíteto homem de letras, em sua expressão mais digna e elevada. Não é o simples profissional nem o diletante, não é o burocrata e menos ainda o arrivista das letras. É o homem de letras no sentido do denso humanismo que lhe serve de fundamento à atividade literária, por ele exercida com admirável humildade mas com a convicção ainda mais admirável do poder humanizador da literatura. Para ele, a literatura é o último reduto onde ainda é possível ao menos formular, de frente e em regime da mais irrestrita autenticidade, a ingente interrogação pelo sentido da existência.
Desde o início da carreira, José Paulo vem formulando e reformulando essa interrogação, nos seus mais variados matizes, empenhado em encontrar uma resposta que ele talvez saiba impossível — uma resposta que será, quando muito, parcial e provisória. Mas desistir quem há de?
Poeta, ensaísta e tradutor, José Paulo Paes goza de alto prestígio entre intelectuais e especialistas, mas não conta ainda com o reconhecimento que merece junto a um público mais amplo. Uma das razões é sua aversão à chamada "vida literária", aquela aura mundana, feita de vaidades exacerbadas, golpes de oportunismo e tráfico de influências, que cerca o objeto propriamente literário que é o livro impresso. Parte por temperamento, parte por princípio, José Paulo sempre se manteve à distância das confrarias do elogio mútuo, responsáveis por tanta glória efêmera, preferindo arcar com o ônus de uma atividade rigorosamente ética. Para ele, a recepção da obra literária deve prescindir da promoção publicitária, sobretudo a autopromoção; o livro deve oferecer-se ao leitor tal como é e não como o estrelismo do autor e as injunções do momento o imponham ao imediatismo do consumo. Tem sido assim ao longo de mais de quatro décadas de dedicação discreta, silenciosa e apaixonada à literatura.
Seus ensaios exibem a curiosidade eclética do leitor privilegiado, autodidata, que, sem metodologias artificiais nem preconceitos, mas munido de severo olhar perscrutador, notável erudição e proficiência, cumpre com a função primordial da crítica: informar, avaliar, sempre no sentido de esclarecer e enriquecer a obra analisada e não de promover o analista e suas idiossincrasias. Suas traduções, impecáveis, têm posto à disposição do leitor de língua portuguesa algumas das mais importantes obras da literatura universal, em textos que não ficam nada a dever aos originais: os Sonetos luxuriosos de Aretino, os Poemas de Kaváfis, o Tristam Shandy de Sterne e tantos outros. Sua poesia, desde O aluno (1947) até Prosas (1992), revela uma voz instigante e original, que a cada livro aprimora aquelas características que lhe são mais peculiares: a concisão epigramática, o horror ao derramamento e ao sentimentalismo, a tendência conceitual mas antidiscursiva e a engenhosidade verbal, que em vez de buscar o malabarismo exibicionista busca a síntese exemplar, o laconismo prenhe de insinuações. Uma das marcas registradas dessa voz poética é o humor, aprendido em parte com Drummond, um humor que trafega ágil entre o trocadilho e o deboche, a acidez ferina e a soltura da gozação lúdica, sempre funcionando como revelação aguda do ridículo e das misérias da condição humana — ceticamente, mas com afeto, à Machado de Assis. Esse conluio de lirismo contido e denúncia amarga está invaria-velmente a serviço da consciência política, sem dogmas: a consciência do homem da Pólis, o homem solidário em sua relação com a comunidade.
José Paulo Paes, em suma, é um escritor a quem se aplica com justeza o epíteto homem de letras, em sua expressão mais digna e elevada. Não é o simples profissional nem o diletante, não é o burocrata e menos ainda o arrivista das letras. É o homem de letras no sentido do denso humanismo que lhe serve de fundamento à atividade literária, por ele exercida com admirável humildade mas com a convicção ainda mais admirável do poder humanizador da literatura. Para ele, a literatura é o último reduto onde ainda é possível ao menos formular, de frente e em regime da mais irrestrita autenticidade, a ingente interrogação pelo sentido da existência.
Desde o início da carreira, José Paulo vem formulando e reformulando essa interrogação, nos seus mais variados matizes, empenhado em encontrar uma resposta que ele talvez saiba impossível — uma resposta que será, quando muito, parcial e provisória. Mas desistir quem há de?
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