Pedro Oom

Pedro Oom

Pedro dos Santos Oom do Vale foi um escritor e poeta surrealista português. Inicialmente ligado ao neo-realismo, ingressou, no final da década de 40, na corrente surrealista, participando das actividades do Grupo Surrealista de Lisboa e também do anti-grupo "Os Surrealistas". Foi o mentor da teoria do Abjeccionismo, redigindo em 1949 o Manifesto Abjeccionista, texto que se perdeu.

1926-06-24 Santarém
1974-04-26 Lisboa
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Alguns Poemas

O Homem Bisado

Alegra-me ser todas as coisas e as sombras que elas projectam
ser a sombra dos teus seios e da tua boca
o criado de smoking branco que te agita os cabelos
para um cocktail estimulante e fresco
a mesa onde passo a ferro o teu corpo
as espádulas as coxas a curva macia dos joelhos
alegra-me ser o contorno da tua nuca e o binário motor dos teus braços
embora mais pequeno do que um corpúsculo celeste
sou os milhões de astros microrganismos estrelas
a rota de todos os navios perdidos
a angústia síntese de todos os suicidas
a forma de todos os animais conhecidos
o desenho rigoroso de toda a flora existente
Ontem em Paris hoje em Lisboa amanhã em Júpiter
caminho para a resolução de todos os problemas
sem a certeza de resolver qualquer deles
como se fosse uma máquina de somar parcelas
quatro vezes quatro oito vezes dez oitenta
sabe-me a vida ao que É
esta progressão assustadora de crocodilos bebendo limonada
Ontem fui a prostituta a quem paguei a noite
hoje serei talvez o inocente violentador frustrado
Sutmil é a cidade par aonde me evado todas as noites à aventura
e «os anéis de Saturno são a força centrífuga-centrípeta que me
agita os braços no espasmo amoroso»
a cabeça em Marte os pés na Terra
vindo «lá do fundo do horizonte lívido»
O comboio está na gare o comboio vai partir
apressemos o passo o momento é solene
somos o automóvel que sobe a avenida
a pulsação acelerada dos maquinismos
taxímetro de uma cidade de província
satélites de um satélite lunar
Tu és o aeroporto eu o avião que parte
e muito mais calmos entre éter e fogo
percorremos os sonhos de planeta em planeta desfolhando o futuro a flor sempre rara
e marcamos nos astros o nosso roteiro DEZ QUILÓMETROS
amanhã tirarei o curso de sonhador espacializado

O coelhinho que nasceu numa couve

Era uma vez um coelhinho que nasceu numa couve. Como os pais do coelhinho nunca mais aparecessem, a couve passou a cuidar dele como se do seu próprio filho se tratasse.
Com ervinhas tenras que cresciam ao seu redor a couve foi criando o coelhinho dentro do seu seio até que ele passou a procurar a sua própria alimentação.
O coelhinho, que tinha um coração muito bondoso, retribuindo o afecto que a couve lhe dedicava considerava-a como sua verdadeira mãe.
A mãe couve e o seu filhinho adoptivo foram vivendo muito felizes até que um dia uma praga de gafanhotos se abateu sobre aquelas terras.
O coelhinho ao ver que aqueles insectos vorazes devoravam tudo o que era verde cobriu com o seu próprio corpo o corpo da mãe couve e assim conseguiu que os gafanhotos pouco dano lhe fizessem.
Quando aqueles insectos daninhos levantaram voo os campos em volta passaram a ser um imenso deserto de areias e pedra.
O pobre coelhinho, que sempre tinha vivido nas proximidades da sua mãe couve, teve de se deslocar para muitos quilómetros de distância a fim de procurar comida.
Mas já nada havia que se pudesse mastigar sobre aquelas terras.
Passaram muitos dias e o pobre coelhinho estava cada vez mais magro e faminto.
Então a mãe couve disse-lhe assim:
– Ouve meu filho: é a lei da vida que os velhos têm de dar o lugar aos novos, por isso só vejo uma solução; assim como tu viveste durante algum tempo no meu seio, passarei a ser eu agora a viver dentro do teu. Compreendes, meu filho, o que eu quero dizer?
O pobre coelhinho compreendeu e, embora com grande tristeza na alma, não teve outro remédio, comeu a mãe.
Pedro Oom
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Sylvia Beirute é uma poeta portuguesa, nascida em 1984 no Porto, e residente no Algarve, sul de Portugal. Escreve regularmente para o seu espaço Uma Casa em Beirute.
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Um dia escrevi uns versos que depois perdi. Diziam algo como "deixei de ser para me tornar / de fingir para ser". E quando hoje me propus a escrever sobre Pedro Oom e o Surrealismo na poesia portuguesa do século XX, esses versos voltaram à minha cabeça como que encaixando naquilo a que me propunha explanar. O Surrealismo é isso: um deixar de ser, um novo tornar, um fingimento que é um não-fingimento, uma vez que abre novos caminhos para o ser carnal e espiritual. Em Portugal, mercê do momento mais tardio em que chegou, os surrealistas tiveram a natural inteligência de fazer a sua experiência mais moderada, se quisermos mais mitigada. Creio que esta característica teve o condão de tornar os poemas mais "palpáveis" ao leitor comum, concretizando mais os versos, ao mesmo tempo lhes dando um perfeito equilíbrio. E tanto é assim que a influência deste surrealismo poético se mantém, ainda que poucos críticos de poesia em Portugal o tenham sabido dizer. Veja-se por exemplo o poema "exercício espiritual" de Mário Cesariny para se perceber a influência (propositada ou não) num poema como "Errata" de um jovem poeta como Manuel de Freitas. Muitos exemplos se sucederiam para se dizer do tempo que surrealistas como os dois já citados marcaram, bem como outros poetas do surrealismo: António Maria Lisboa, Mário Henrique Leiria, Henrique Risques Pereira, Maria Estela Guedes, Alberto Pimenta, Cruzeiro Seixas, e mesmo poetas mais híbridos como Herberto Helder, Alexandre O'Neill ou Natália Correia, entre outros.
 
Pedro Oom nasceu em Santarém, Portugal, em 1926. Inicialmente estando ligado ao neo-realismo, encetou em Portugal o Surrealismo, conjuntamente com Mário Cesariny, António Maria Lisboa e Mário Henrique Leiria. A sua obra, dispersa por jornais e revistas, foi reunida após a sua morte no livro Actuação Escrita, lançado em 1980 pela editora & etc. Os poemas de Pedro Oom estão impregnados de uma ironia insólita, por vezes com um toque de humor (pode-se ver pelos títulos escolhidos para alguns dos poemas), demonstrando uma preocupação pelo estado de coisas de um Portugal em constante mudança e por vezes sem esperança, e mostrando as gentes e os seus vícios. Morreu em Lisboa, em 1974.
 
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Poema, Pedro Oom
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