Paulo Eiró

Paulo Eiró

Paulo Emilio de Salles Chagas Eiró foi um poeta e dramaturgo brasileiro.

1836-04-15 Vila de Santo Amaro [São Paulo] SP
1871-06-27 São Paulo
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Alguns Poemas

Verdades e Mentiras

IV

Meu Deus! Se eu visse, neste véu da pátria,
Gracioso ondear pendão vermelho,
Aos filhos dos Carvalhos e dos Cláudios
Refletir seu renome, como espelho;

Tambores da república tocando
Nas praças a rebate...
Oh sonho, o mais querido, o mais dourado
Dos meus sonhos de vate!

Os ecos do futuro mais felizes
Estrugirão ao vozear sublime,
Que o povo eleva em fraternal abraço,
Que seus votos legítimos exprime.

Não há de irradiar em minha fronte
Essa aurora de glória?
Cantar não poderei os pátrios louros
Nos campos de vitória?

Morrer pudera, então, em terra livre,
Sob um poder que só do povo emana,
Santo desígnio que as nações meditam,
Elo final da liberdade humana!

Porém passam-se dias, volvem anos,
E sempre tronos, sempre soberanos!

Brasil, caro Brasil,
Letargo eterno abaterá teus brios?
Na arena americana, tu só, mudo,
Os braços cruzarás, beijando os ferros?
Deixarás que avassale, estrague tudo
Esse de cortesãos gado servil?
Deixarás, terra outrora grande e livre,
Ostentar seu domínio vergonhoso
Corte madrasta e vil?

Cortes! Cortes! Covis do velho Caco,
Que os latrocínios abarrotam de ouro,
Sólio em que imperas, oh sistema vácuo,
Labéu do mundo, do Brasil desdouro!

Destrui esse dédalo risível,
Da cobiça de alguns sórdido altar:
Em século de luzes, povo altivo
Dispensar pode um anjo tutelar.

1854


Poema integrante da série Primícias Poéticas, 1853/1854.

In: SCHMIDT, Affonso. A vida de Paulo Eiró: seguida de uma coletânea inédita de suas poesias. Org. pref. e anotada José A. Gonsalves. Il. Wasth Rodrigues. São Paulo: Ed. Nacional, 1940. p.151-270. (Biblioteca pedagógica brasileira. Série 5. Brasiliana, 182

O Sobrado

Do céu à luz decadente
Contemplai esse sobrado
Que na face do presente
Lança o escárnio do passado:
Seu vulto negro ali está,
Nas trevas nódoa mais densa
Como sacrílega ofensa
Em alma perdida já.

Ei-lo! É no térreo degredo
Moço poeta a cismar,
Imóvel, como o penedo
Que escuta as vozes do mar.
Ei-lo aí! Dilacerado
Livro que o aquilão abriu,
E os segredos do passado
Aos meus olhos descobriu.

Esse teto quantos sonhos
Não abrigou de ventura!
Ai! quantos votos risonhos
Hoje o vento inda murmura!
Tristeza aqui não sentis?
Nestas lôbregas paredes
Tocante história não ledes
De alguma época feliz?

Apagou-lhe os caracteres
O tempo no andar veloz,
Imagem desses prazeres
Que deixam remorso após.
Passaste, oh quadra de amores,
Como o fumo em espiral,
E, perdendo tuas flores,
Secaste, pobre rosal.

Como em uma alma abatida
Por paterna maldição,
No que foi templo de vida
Hoje impera a solidão.
Aqui, a lira inquieta
Furta-se aos cantos de amor,
Embarga a voz do poeta
Um acréscimo de dor.

O homem sonha monumentos
E só ruínas semeia,
Para pousada dos ventos;
Como os palácios de areia
Dos seus brincos infantis,
Mal divisa o que apetece,
Que tudo se desvanece...
Feliz quem amou! Feliz!

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Poema integrante da série Primícias Poéticas, 1853/1854.

In: SCHMIDT, Affonso. A vida de Paulo Eiró: seguida de uma coletânea inédita de suas poesias. Org. pref. e anotada José A. Gonsalves. Il. Wasth Rodrigues. São Paulo: Ed. Nacional, 1940. p.151-270. (Biblioteca pedagógica brasileira. Série 5. Brasiliana, 182
Paulo Eiró (Vila de Santo Amaro [São Paulo] SP, 1836 - 1871) fez os estudos primários com o pai, que era professor; posteriormente estudou na Escola Normal, entre 1851 e 1855. Iniciou o curso de Direito em 1859, mas precisou abandoná-lo por motivo de doença. Em seguida fez estudos no Seminário Episcopal, não concluídos por falta de vocação. Em 1854 ocorreu a estréia de suas comédias Traficante de Escravos, Chegamos Tarde... e Terça-Feira de Entrudo, em teatro improvisado na escola da Rua Direita, onde seu pai lecionava. Substituiu o pai, como professor, no período de 1855 a 1864. Em 1859 participou no concurso promovido pelo Conservatório Dramático Paulistano com a peça abolicionista Sangue Limpo. Publicou, em 1861, o poema Madressilvas no Correio Mercantil. No mesmo ano, ocorreu a representação da peça Sangue Limpo, no Teatro São Paulo, por ocasião do 36 º aniversário de D. Pedro II. Ainda em 1861, publicou a novela Carolina e os poemas Amor, Violeta, Vox in Excelso e Nenia, no Correio Paulistano. Seus poemas, que filiam-se à segunda geração do Romantismo, foram reunidos em livro na obra póstuma Poesias, lançada em 1940. Sobre sua obra, afirmou José Paulo Paes: "da extensa produção poética de Paulo Eiró, que quase nada publicou em vida, só chegaram até nós 190 poemas (...). Neles, Paulo Eiró se revela epígono da segunda geração romântica; é facilmente rastreável a influência de Álvares de Azevedo no tom de desalento e pessimismo de numerosos poemas. Já não o é, porém, nos versos de inspiração religiosa, ou nos de tema histórico e político, cuja eloquência cantante, de raiz hugoana (...), antecipa o Condoreirismo.".
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