FRAGMENTOS
São apenas restos de flores no chão, papel picado, tinta,
algo que reluz como o fogo.
São apenas mãos que se despem, corpos que se afogam,
gritos que se silenciam,
são vozes, nada mais que vozes. É noite.
E, mesmo assim, é tão sublime.
Corpo, alma e pó andam no mesmo compasso.
Vê: é apenas a noite e a sombra que se alongam.
Mas meu grito cresce na luz.
Meu corpo vacila de medo.
Minhas mãos mortais tremem.
Meu espírito chora, ah, meu espírito chora e não consegue esquecer.
Distante, sombra, és verdadeira, crível, sublime, como uma
fera não domada que percorre os campos, como uma tempestade
que oprime o jardim, como a chama da fogueira, como o calor
que existe nos corpos nus que se entregam na madrugada.
Entanto, és passageira. À luz, teu corpo é frágil, tuas
mãos contêm rugas, teus dentes estão desgastados e velhos,
teus olhos conservam essa estranha gratidão que forma
a essência dos vidros e dos diamantes.
Entanto és passageira: fé e dúvida se exibem em tua
face maltratada, todo teu corpo é sonho, ah, um
simples e banal sonho, um vácuo, um passo no escuro.
A luz me visita. Crianças pálidas beijam servilmente as minhas mãos grosseiras,
velhas estátuas põem-se dentro
de meu quarto. Ensinai-me, Força, a não morrer.
Gramas crescem e dissimulam a morte. Algo talvez verdadeiro
foi esculpido na pedra,
há um silêncio não interpretado que corrompe os negros
olhos dos corvos,
há uma estranha chuva fina que lava os legumes, mãos que aplaudem,
sim, mãos que aplaudem o último desejo,
que gemem, exibindo um extraordinário balé
sem formas.
São corpos no chão.
São sementes.
Lodo.
Fúria.
São apenas restos de flores, papel picado, tinta,
uma sombra que reluz, um novo som que é afinal
articulado. É apenas o fogo que dança na lareira, estranhas
almas insones,
papel velho,
canetas e borrachas.
São apenas restos de flores no chão, galhos secos e retorcidos, lascívia,
pureza, nada além de vaidade, nada mais que vaidade,
e sobretudo uma grande ausência do corpo que não mais existe.