Marília Garcia

Marília Garcia

Rio de Janeiro
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Prémios e Movimentos

Oceanos 2018

Alguns Poemas

ESTRELAS DESCEM À TERRA

começo do começo,
que foi quando me pediram
os poemas que leria no encontro
“a voz do escritor”:
ainda faltava 1 mês
para este encontro
e eu não tinha ideia do que aconteceria
entre o dia do convite e o dia
de estar aqui hoje

assim,
esta voz que fala aqui
é a voz de uma marília de um mês atrás
é a minha voz falando a partir do passado,
é a minha voz,
mas sem controle.

há um mês eu não tinha
como prever o que aconteceria
e eu pensei que se este mês
seguisse o ritmo acelerado
e catastrófico do último ano
tanta coisa já teria
acontecido hoje,
que me dava medo
imaginar.
e eu fiquei me
perguntando:
— com quem estou falando aqui hoje?
e eu fiquei me perguntando:
— como fazer para essas palavras escritas
no passado dizerem algo
sobre estar aqui
agora?
e eu não soube responder.

então, fiquei me perguntando
se hoje faria frio ou não,
e se haveria poeira no ar.
eu sempre me surpreendo
com a poeira que turva a vista:
de repente no meio do dia
uma poeira que se ergue,
uma nuvem
de poeira,
pode ser a poeira vinda das coisas quebradas
todos os dias na vida das pessoas
e eu pensei que talvez a gente pudesse
fazer silêncio
e deixar a escuta aberta
para ouvir.

talvez a gente pudesse fazer silêncio
e de repente neste silêncio
acontecer de ouvir algo por detrás
dos ruídos das máquinas que
cruzam o céu.

talvez não desse para ouvir as máquinas voadoras
neste dia,
foi o que pensei,
mas eu me enganei
porque hoje
desde cedo
os helicópteros estão voando.
— vocês estão ouvindo?
um som infernal
estrelas caindo do céu
em cima da cabeça
o som está cada vez mais perto,
posso encostar a mão
se me viro vejo a sombra
em câmera lenta
sobre a cabeça.

imaginem que isso aqui é um quadrado
com drones volantes,
ou uma cena congelada
com o céu cheio de zepelins,
mas o som é um só:
barulho de máquinas
voadoras
pelo céu.

se a gente prestar atenção e fizer silêncio
— se a gente prestar atenção e fizer
silêncio —
pode ser que ouça
alguma mensagem
perdida no ar.

ORDEM ALFABÉTICA

já falei em algum canto
sobre este poema
[“a garota de belfast ordena a teus pés
alfabeticamente”]
então começo de novo
queria contar como foi o começo
beginning again
contar como comecei a escrever
este poema
peguei o livro a teus pés
e reordenei os versos
em ordem alfabética
depois peguei uma personagem do joseph brodsky
que estava em belfast
 dangerous town ele diz
ela tinha os cabelos curtinhos
para que menos partes suas sofressem
quando alguém a machucasse
a garota de belfast fez o poema
recortando os versos de ana c. que começavam
com a letra a
hoje é dia 18 de dezembro de 2013
e estamos imersos em listas e mais listas
que seguem enumerando os acontecimentos do ano
os maiores feitos e os melhores
isso foi o que eu disse para ela
mais cedo quando o telefone tocou
e estávamos as duas soterradas em tantas
listas
 o som ao redor é um grande filme
ela disse e eu concordei
mas não queria saber de listas
eu disse e pensei que hoje
é dia 18 de dezembro de 2013
e estou mais para outro tipo de enumeração
em ordem alfabética
escolha um livro de que você goste
e ordene alfabeticamente

a garota de belfast ordena a teus pés alfabeticamente

98 voltas pelo parque antes de cair em
círculos sobre o próprio peso
 98 vezes dizia o mesmo:
você pode ou não pensar em algo
definitivo. parecia a garota de belfast com
sua memória dobrada como um paraquedas
dentro do tecido eletrizado.
 enquanto falava descia a
escada lateral recortando os ruídos
da orquestra. a roda da bicicleta
girando em loop esfarelando os
reflexos no ar e seis horas parada diante
do ralo, pode ou não pensar em algo, sentada na beira do
quarto. olha de longe quando o carro
passa, desce à noite pelos trilhos
quando tudo é uma vingança
fala de pontes atravessando os túneis
da cidade e ordena a teus pés
alfabeticamente

a anoitecer sobre a cidade
a câmera em rasante
a correspondência
a curriola consolava
a dor
a espera
a intimidade era teatro
...
a tomar chá, quase na borda
a voz em off nas montanhas
abre a boca, deusa
abria a cortina
acho que é mentira

pode ou não pensar que era sua voz em mountain hill
a uma velocidade de 1 km/h ou mil. antes
de voltar para a irlanda já começara a perder. entende
que só depois de o blindex esfarinhado contra a
cabeça, só em poucos segundos até que a cabeça
contra o blindex, mas era apenas parte
do trajeto, não tinha como calcular as noites ou linhas
em que passaria.

 “como extrair o áudio de uma imagem
congelada” era a etiqueta que colava nas paredes
para tentar descobrir como chegar com precisão
e ao fundo a voz pela fresta
a ordenar este livro:

agora nessa contramão
agora chega
agora é a sua vez

agora estamos em movimento
agora pouco sentimental
agora sou profissional
água  
água na boca
agulhadas
ou vertigem das alturas. você pode acordar trinta anos
depois com a imagem ainda mais viva
quando o quarto está às cegas
as cartas
as cartas, quando chegavam
as lupas desistem
as mulheres e as crianças
asas batendo
atravessa a ponte
atravessando a grande ponte
atravessa vários túneis da cidade
autobiografia. não, biografia
aviso que vou virando um avião
azul deixo as chaves soltas no balcão
azul que não me espanta

uma mulher que se afoga

coloco a mão sobre o seu joelho
e você me olha de frente
                                   mas depois vira de lado ajeitando o
retrovisor por causa da chuva e eu quero dizer que aquela
frase era de uma canção, a mesma que você tinha usado
em outro lugar, então de novo você me olha
de frente
            e sorri interrogando
minha expressão sempre confusa
e eu queria dizer que na viagem fraquejei
que tenho medo de enlouquecer
que tenho medo do que está
por vir mas acabo contando a história
do homem que perguntava
você me ama?
                        depois de anos casado com a mesma mulher
e ela dizia
                  não
e ele com aquela música repetindo na cabeça
aquela música sem parar tocando
ao fundo ecoando
e ela
            não
e ele perguntava
                                   será que eu sou louco?
perguntava depois que o barco na enseada
ela indo embora, fugindo
eu sou louco?
perguntava depois do acidente, do barco apagando
bajo la lluvia, 24 vezes a mesma carta enviada com o nome dela
e o telefone chamando
na bolsa
            hoje ela me viu na rua e veio contar
o que tinha acontecido: vontade de gritar
vai embora daqui
                                   não quero mais ouvir essa voz
e ela falando sem parar e eu
coloco a mão sobre seu joelho e você
me olha na hora e ela dizendo na rua que
não tinha me reconhecido
antes
            por que então veio falar comigo?
mas não digo só penso e aquele silêncio
e ela dizendo que foi
por acaso
            tudo bem
                        de agora em diante
e eu pensando não me lembro o que dizer
nessas horas, não suporto, será que um dia?,
e você coloca a mão sobre o meu joelho e eu
olho para você de frente, ainda ouvindo canção
pergunta gritos de
afogamento
                        será que eu sou louco?
e digo que você é uma das poucas
pessoas que quero que fiquem aqui
e você me responde
nunca sonhei em conhecer alguém
como você
e eu olho de volta e digo
                                   você sabe que ninguém nunca
segurou minha mão assim?
você vira de lado ajeitando
o retrovisor e se projeta pra ultrapassar
o carro da frente.

antes do encontro

procurar uma escada de madeira
dando para o abismo
é uma ação que só pode acontecer nesta língua
estranha e numa cidade cortada por um rio
que fique no meio dos dois
(quando um precisa ir embora
para sempre)

mas um dia ela chega
com a pergunta:
— o que vem à sua cabeça
quando digo a palavra
amor?

um dia desce no meio do dia
e vê. e um dia vê a peça lilás sobre a quina da mesa
quando volta. ele diz saltar. saltar para fora.
e atravessa na esquina
procurando a escada. depois diz que quer saltar
para fora desta canção.

mas um dia chega com
a pergunta:
— o que vem à sua cabeça quando
digo a palavra amor?
e ela responde
que amor em japonês
se diz /ai/.

e, de repente, um branco.
as linhas se tornam cada vez mais
quebradiças. um banco parado no meio da cena,
um quadrado iluminado e a frase mais longa
que ele me disse nos últimos
seis meses.

o que significa um cachecol vermelho
pinicando sozinho?
uma abelha, pensa, mas o cachecol pinicando,
voando como uma abelha, talvez um inseto
estridente, incidente para ouvir quando ele
chegar e vir.

agora sobrou apenas a estática
tremendo e você a leva de volta até o barco:
— a estática?, pergunta, você lembra
daquela vez? e ela fica parada na chuva
com o colete salva-vidas esperando
alguma coisa acontecer.

[aqui o telefone
vibra na bolsa e um parêntese
para dizer que não sabe onde está mas é longe
não sabe onde está mas é frio
não sabe onde está mas é quase.
ao ouvir a voz,
parece de verdade,
e então ele levanta e me diz algo
sobre o fim
ou sobre o sim
e toca na tela uma imagem
do filme]

UMA EQUAÇÃO NO HYDE PARK

está chovendo no
hyde park hoje
e estou do outro
lado do hemisfério
sentada ao sol
com um gato
entre meus pés
que estão descalços
e levemente
avermelhados.

está chovendo no
hyde park hoje
e lembro de ter
andado num parque
de ângulos quadrados
com o menino da caixa
preta que tinha uma foto
de uma floresta nórdica
virada de ponta-cabeça na
parede do seu quarto
e que gostava de contar
até 24 depois de cruzar
o gradil.

a gente andava
no meio-fio e sentava
no parque e depois deitava e o
roupão preto felpudo
já na casa dele
e o roommate chamado
steve que amava
uma japonesa.

está chovendo no
hyde park hoje e não sei
o que dizer a ele
que agora está sentado
algumas mesas à frente
e que dentro de um filme
seria alguém que diz sim
mas não estou dentro de um
filme — ouço a voz em eco
no buraco do real —
e me refaço pensando
que podia contar
que o gps funcionou
e indicou o ponto de encontro
mas a mensagem
só chegou depois.

está chovendo no
hyde park hoje
e podia contar que meu
coração tinha sido arrancado
pela boca e que estava
esquecido sobre uma pedra
com o sangue
ainda quente.

sim, está chovendo
no hyde park
e ao inferno
já desceram
um ou dois
ou
três
mas ele
há de subir
atravessando as curvas,
o belvedere, os espaços dirigíveis
“ogni speranza lasciate
voi che entrate”
— há mundo por vir?
ele pergunta antes de passar
e leva na mão
um gravador
e nós cruzamos o olhar
— só por um segundo —
e não lembro mais
desse dia
mas depois o
mesmo olhar
volta à memória
como a interferência
de uma voz saindo
do carro em movimento
pela ladeira.

está chovendo no
hyde park e aquele par
de olhos encontra os meus,
e esse cruzamento
de olhares me distrai
por um momento
da equação.
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