A Sé do Rio de Janeiro
Positivamente não contáveis com um passeio à Sé do Rio de Janeiro.
Quando nos ocupamos do Palácio Imperial, visitastes e estudastes comigo a igreja do antigo Convento do Carmo, elevada a catedral desta cidade por alvará de 15 de junho de 1808, c, sem dúvida, vos supusestes por isso livres de um novo passeio exclusivamente destinado à Sé.
Acrescentai mais unia suave ilusão ao número das vossas ilusões perdidas. Armai-vos de paciência, porque eu resolvi dar na Sé com todos os meus companheiros de passeio, e temos muito que andar.
Aqui não há apelação nem agravo. Sou senhor absoluto nos meus passeios. Há tantos subdelegados que governam como reizinhos absolutos na sua terra, que não deve admirar que eu me faça ditador na minha obra. Aqueles bichos não são melhores do que eu.
Preparai-vos, já disse. Não julgueis que o passeio à Sé vai ser feito muito cômoda e agradavelmente, seguindo pela Rua do Ouvidor, parando diante da Notre Dame de Paris para admirar as sedas expostas, comprando coronéis no Desmarais, e ao chegar a Rua Direita, descansando um pouco nos banquinhos do boulevard Carceller, e entrando enfim na Capela Imperial para ouvir o cantochão dos cônegos, que realmente desafinam muito, porém, não tão desastradamente para o Tesouro Nacional como as companhias líricas italianas, que têm a sua Sé no Provisório, abismo permanente do dinheiro público.
Desenganem-se e aprontem-se. Temos que acompanhar a Sé e o competente cabido, que fizeram mais mudanças do que os franciscanos e os carmelitas, ou tantas como os inquilinos que deixam de pagar aos proprietários o aluguel das casas em que moram.
Comecemos.
A catedral do Rio de Janeiro e o corpo capitular estabeleceram-se apenas, se realizou a sua instituição na primeira matriz da cidade, tia igreja dedicada ao mártir S. Sebastião.
Mas onde era essa Igreja de S. Sebastião?
É impossível prosseguir no nosso passeio sem deixar esclarecido este ponto.
Cumpre contar em quatro palavras uma longa história.
Os franceses são tidos na conta de homens de tanto espírito como bom gosto, e eu creio que eles merecem, desde o meado do século décimo sexto, esta reputação, porque, enquanto os portugueses, descobridores do Brasil, depois de mais de vinte anos de empenhos de colonização dos seus domínios da América, deixavam deserta e desestimada a magnífica Niterói, namoraram-se da formosa cabocla tão perdidamente os franceses, que um belo dia ousaram com mão armada apoderar-se dela.
Os portugueses trocaram então, a indiferença por amor, e ciumentos daqueles intrusos apaixonados, vieram, no fim de cinco anos, em 1560, atacar o estrangeiro que dominava no Rio de Janeiro. Mem de Sá, o terceiro governador geral do Brasil, foi quem dirigiu a empresa e, ficou vencedor, mas chegou, viu, venceu, e... foi-se, e apenas foi-se, tornaram os franceses vencidos, porém não convencidos, a ocupar as suas posições.
Realmente fora um muito gastar de pólvora sem proveito algum. Mem de Sá regalou-se de dar pancada, e não colheu resultados reais. Deu pancada de cego. Pôs os intrusos fora de casa, mas logo retirou-se, deixando a casa sem moradores e com a porta aberta.
E que porta! – A barra do Rio de Janeiro.
Os franceses tornaram a entrar, e fizeram multo bem.
Portugal devia ter mandado um bom presente ao rei de França, que não soube ou não pôde acudir com reforços poderosos aos poucos vassalos seus que estavam sonhando com a França Antártica no Rio de Janeiro.
Mas, abandonados pelo seu governo, os franceses, no fim de outros cinco anos, viram chegar à formosa baía de Niterói Estácio de Sá, sobrinho do governador geral do Brasil, à frente de uma coluna de portugueses, para lançá-los fora das posições que ocupavam.
Os franceses eram poucos. Tinham, porém, a seu favor o concurso valioso dos tamoios, que os estimavam.
Estácio de Sá reconheceu que a expulsão dos franceses do Rio de Janeiro não era questão de pouco mais ou menos, e como trazia a incumbência gloriosa de fundar uma cidade que dominasse a majestosa baía, desembarcou junto do Pão de Açúcar, e na bela praia, que durante algum tempo se denominou de Martim Afonso e depois ficou sendo chamada Praia Vermelha, lançou, no ano de 1565, os fundamentos de uma cidade a que deu o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Convém saber, pelo sim pelo não, que o nome da cidade foi mais aconselhado pela devoção a um grande senhor da terra do que pela que era devida àquele santo mártir do céu. Estácio de Sá, neste caso, fez de S. Sebastião um pau de cabeleira para render seus cultos ao rei de Portugal D. Sebastião. Foi um dom escondido atrás de um santo.
Não me chamem má língua. Brito Freire foi quem me revelou o segredo dessa mistificação de que foi vítima o santo, porque escreveu no livro 1, § 78 da sua Guerra Brasílica, que "chamaram (a cidade) de S. Sebastião, vinculando a lisonja de el-rei, que era do mesmo nome daquele tempo, à devoção do santo".
E o mais é que a lisonja sabe a açúcar mesmo ao paladar dos santos. S. Sebastião tanto gostou da lembrança de Estácio de Sá, que chegou a descer do céu, como em breve terei ocasião de dizer, e pôs em debandada os franceses e tamoios, que teimavam em resistir.
Continuemos, porém, a história. Lançados os fundamentos da cidade, isto é, resolvida a sua fundação na praia de Martim Afonso, levantou-se uma igreja a S. Sebastião. Foi um templo edificado em poucos dias, e não passou de uma casa de pau-a-pique com o seu teto coberto de palha.
Não tenhais pena de S. Sebastião pela rudeza e humildade da sua primeira igreja entre nós. Eu creio que nessa casa de palha ele foi mais sincera e piedosamente adorado do que o são atualmente todos os santos e santas em seus ricos templos e com as suas brilhantíssimas festas, anunciadas pelas gazetas a modo de espetáculos de teatros, com a declaração do mestre que vai reger a música, das moças bonitas que vão cantar os solos, e não sei mesmo se do fogueteiro que fabricou as girândolas.
Quase dois anos correram em que Estácio de Sá, com os portugueses na praia de Martim Afonso, e os franceses nos pontos que ocupavam, levaram a trocar balas e seus índios a trocar flechas com verdadeira inutilidade, até que a 19 de janeiro de 1567, chegou o governador geral Mem, de Sá em socorro do sobrinho, e como o dia seguinte, 20 de janeiro, fosse consagrado a S. Sebastião, aproveitou a coincidência para atacar os franceses, e o fez com tanto ardor, que completamente os derrotou, tomando-lhes todas as suas fortificações e destruindo todas as suas esperanças de França Antártica.
Renhida e terrível foi a peleja. A vitória, porém, não podia deixar de declarar-se pelos portugueses, porque do lado contrário batalhavam os sectários de Calvino e nas colunas de Mem de Sá verdadeiros católicos, entre os quais combatia, segundo a voz da tradição, o próprio santo mártir S. Sebastião.
Declaro que neste ponto não invento um romance de mau gosto, nem repito história que me fosse contada pelo meu amigo o padre velho. Apenas e simplesmente retiro uma tradição conservada por alguns autores.
Brito Freire diz relativamente a S. Sebastião as seguintes palavras: "a quem os portugueses aclamaram padroeiro em esta guerra, porque em algumas ocasiões mais apertadas (referem às relações manuscritas do venerável padre José de Anchieta) que a favor dos nossos se vira pelejar contra os inimigos".
Rocha Pita, ainda mais positivo, tratando da fundação da cidade do Rio de Janeiro, escreve o seguinte: "deu-se-lhe o nome de S. Sebastião, a cujo patrocínio atribuíram todos aquela vitória, em que houve indícios certos (como é tradição constante) que fora nela capitão, sendo por mu