João Adolfo Hansen

João Adolfo Hansen é um professor, crítico literário, pesquisador, ensaísta e historiador da literatura brasileira. Hansen se destaca entre os principais estudiosos da literatura colonial brasileira.

1942-05-30 Cosmópolis
1443
0
1


Alguns Poemas

Floretes agudos e porretes grossos

especial para a Folha de São Paulo

No Antigo Regime, dizia Adorno, a sátira aparecia como o florete agudo da distinção virtuosa dos melhores. Depois de algumas revoluções, deveria aparecer como o porrete grosso dos privilégios.
Hoje, apropriações de Gregório de Matos, classificação de um corpus poético colonial, ainda fazem o nome reencarnar-se retrospectivamente no seu tempo, o século 17, como um indivíduo liberal-libertino-libertário a profetizar o advento do Barroco e dos neo-Neo no retrô geral desse fim de século.
Na Bahia do século 17, a ordem era imposta, contestada, deformada e sempre reposta como padrão civilizatório em vários registros e meios materiais _entre eles, a sátira atribuída a Gregório de Matos, cuja produção e consumo incluíam-se na política católica do império português.
Como uma prática fundamentalmente integrativa, então a sátira emanava do lugar sagrado do Rei-hipóstase de Deus, ou da Trindade, Potência do Pai, Sabedoria do Filho e Amor do Espírito.
Programática, a arqueologia da ruína satírica seiscentista reconstrói tensões, conflitos e mesmo contradições dos seus usos em seu tempo porque não quer o fóssil. A diferença arruinada do passado é, justamente, a medida crítica das petrificações do presente que efetuam Gregório como desmemória política e cultural.
Como Robinet demonstra para o Ancien Régime, também na Bahia seiscentista a Potência subordina as outras primordialidades, assegurando o monopólio da violência da razão de Estado em nome da prudência política do governo cristão que declara visar ao bem comum. O que se faz com Sabedoria e Amor, segundo a sátira, que glosa o absoluto da ordem. Não distingue público e privado; ratifica a proibição da imprensa e a censura intelectual; aplaude o Santo Ofício da Inquisição e a caça à heresia; reitera ordens-régias e bandos que determinam a destruição de quilombos, a guerra justa ou massacres de índios, as devassas de foros falsos de fidalguia, de desvios de impostos e contrabando, de sedições de soldados e da plebe, de amores freiráticos, de sexo nefando, de blasfêmia e bruxaria. Antimaquiavélica, antierasmiana, antiluterana, anticalvinista, antijudaica, absolutista, contra-reformada, define as medidas da Potência como ações prudentes, amorosas e sábias. Insiste: devem ser complementadas pelo degredo, pelos açoites, pela forca, pelo garrote vil, pelo auto-da-fé e mais castigos, exemplares, não menos prudentes, exercidos com Sabedoria pela Potência pública em nome do Amor do todo. Como se lê, em outro registro, nas Cartas e nas Atas do Senado da Câmara de Salvador, em nome do bem comum do corpo místico do Estado do Brasil.
Na dilatação da Fé e do Império desse corpo místico, o satírico metaforiza a analogia com que Santo Tomás de Aquino define o terceiro modo da unidade de integração das partes do corpo humano no comentário do Livro 5 da Metafísica, de Aristóteles. A unidade do corpo pressupõe a pluralidade dos membros e a diversidade das funções. Sua perfeição, que é ordem, resulta da sua integração harmônica como instrumentos para um princípio superior, a alma. Por analogia, o corpus hominis naturale, o corpo natural do homem, é o termo de comparação para o corpo político do Estado, doutrinado como integração hierárquica, concórdia e paz de indivíduos e estamentos, súditos, que o compõem.
Na sátira, a autonomia é a paixão máxima que pode afetar os corpos. Nela, o bom uso político do cada macaco no seu galho reatualiza o meio-termo racional da virtude da Ética Nicomaquéia, adaptando-o ao elenco completo das virtudes cristãs, como meios e fins da colonização: defesa do território, controle da população, escravismo, catequese, combate à heresia, manutenção dos privilégios, ócio dos doces negócios do açúcar e do sexo.
Assim, a virtude do satírico metaforiza o conceito de superioridade social da racionalidade de Corte absolutista. Então, a superioridade só é mantida pela submissão política e simbólica às instituições. A submissão implica uma lógica da distinção pela subordinação à vontade real, à etiqueta e ao dogma. Afirma uma sátira ao Conde da Ericeira, que se suicidou jogando-se de uma janela: Quem cai da graça dEl-Rei/ cai da sua desgraça. Outra, que identifica sodomia e judaísmo pela perspectiva da instituição real: Mandou-vos El-Rei acaso/ a Sodoma, ou ao Brasil? Se não viveis em Judá,/ quem vos meteu a Rabi?. Ainda segundo o padrão da racionalidade de Corte, a identidade virtuosa do satírico e a não-unidade viciosa dos satirizados são compostas como representação e por meio da representação. A virtude alega signos de limpeza de sangue, catolicismo, fidalguia, liberdade, discrição e masculinidade, opondo-se às representações que pretendem a autonomia que lhe subverte a superioridade pressuposta: Ou por limpo, ou por branco/ fui na Bahia mofino. Em outra: Alerta pardos do trato,/ a quem a soberba emborca,/ que pode ser hoje forca,/ o que ontem foi mulato.
A posição deriva da forma da representação e, sendo figurado como parte de um conflito de representações, o satírico joga com a dupla hierarquia do seu ponto de vista. Quando afirma sua virtude e constitui o vício como obscenidade contra naturam, a (des)constituição do tipo prova metaforicamente a (im)propriedade política do topos. Na sátira, a tipologia semântica de virtudes e vícios é uma topologia pragmática de posições hierárquicas.
Instituição, a sátira produz a perversão como exemplaridade da regra. Para tanto, apropria-se da retórica de Quintiliano, Cícero e Aristóteles; emula a poesia de Juvenal; cantigas de escárnio e maldizer; o Cancioneiro Geral, de Resende; Camões, Suárez, Melo, Rodrigues Lobo, Gracián, Saavedra Fajardo, Quevedo, Góngora, Botero, Tesauro... Aplicando padrões coletivos e anônimos _... é já velho em Poetas elegantes/ O cair em torpezas semelhantes_, opera com técnicas de uma racionalidade não-psicológica, que estiliza e deforma os discursos das instituições e da murmuração informal do lugar. Sem pressupor a expressão do eu, a autoria, o mercado e a originalidade, compõe o público, na representação, como representação teológico-política de discretos e vulgares: O néscio, o ignorante, o inexperto,/ Que não elege o bom, nem mau reprova,/ Por tudo passa deslumbrado, e incerto.
Suas deformações obscenas são reguladas pelos dois estilos do gênero cômico: o ridículo, adequado aos vícios fracos, e a maledicência, própria dos nocivos: Tudo, o que aqui vos digo,/ ora é zombando, ora rindo, diz o personagem satírico. Em Gregório, domina a variante maledicente: zombando. No caso, o satírico é um tipo virtuoso e indignado contra a corrupção do seu mundo, conforme uma afetação retórica de indignação. Como na sátira de Juvenal, que imita, afirma que está às avessas e que sua indignação também é caótica, como se a fala fosse expressão informal de sua ira. A sátira, contudo, é uma arte do insulto que finge não seguir nenhuma arte: suas paixões são naturais, mas não são informais. A irracionalidade da indignação é construída racionalmente e sua obscenidade pressupõe, como dizia Klossowski sobre Sade, as normas que a tornam visível e emolduram. Na poesia católica chamada Gregório, o obsceno é alegoria do pecado mortal, a infração hierárquica, que corrompe a unidade do bem comum. A anatomia horrorosa de vícios, com que compõe tipos vulgares, não é subversiva ou transgressora da ordem. Também na vituperação dos melhores, o desbocado do Boca do Inferno encontra a realidade não na empiria, mas nas convenções hierárquicas da recepção contemporânea, pautadas pela concordância quanto à imagem caricatural que elabora, enquanto mantém em circulação os estereótipos de pessoas, grupos e situações.
A sátira não é iluminista. Concebe o tempo qualitativamente, como análogo do divino. Quando dramatiza os discursos do corpo místico, perspectiva-os pelo dogma da luz natural da Graça inata. Seu estilo misto formaliza a percepção do destinatário como
Barroco, neobarroco e outras ruínas - Palestra com João Adolfo Hansen
Barroco, Neobarroco e outras ruínas. Com João Adolfo Hansen.
Categorias Aristotélicas e Poesia Seiscentista - João Adolfo Hansen
CERIMÔNIA DE OUTORGA DO TÍTULODE PROFESSOR EMÉRITO - JOÃO ADOLFO HANSEN - FFLCH-USP
Clássicos da Literatura: Decifrando "A Divina Comédia" - Aula com João Adolfo Hansen | Casa do Saber
Homenagem a Graciliano Ramos - João Adolfo Hansen
João Adolfo Hansen - Aula 1 sobre "Grande Sertão: veredas"
JOÃO ADOLFO HANSEN - PASSAGEM AO MODERNO - As ruínas reconfiguradas - 24:30 Conferência julho/ 2021
João Adolfo Hansen - Representação e avaliação em Machado de Assis
João Adolfo Hansen - Aula 2 sobre "Grande Sertão: veredas" de Guimarães Rosa
João Adolfo Hansen- As artes de reinar nos séculos XVI, XVII e XVIII
João Adolfo Hansen- Aula sobre o livro "A HORA DA ESTRELA" de Clarice Lispector
João Adolfo Hansen - "Representações do Inferno" #dantealighieri #profhansen #literatura
Os Jesuítas no Brasil - João Adolfo Hansen
João Adolfo Hansen - Aula "A terceira margem do Rio" de Guimarães Rosa
Prof. João Adolfo Hansen - Aula sobre "Perto do coração selvagem" de Clarice Lispector
João Adolfo Hansen - Aula sobre "Nenhum, nenhuma" de Primeiras Estórias.
João Adolfo Hansen - Guimarães Rosa e Clarice Lispector Aula 1 05.03. 2021
João Adolfo Hansen: considerações sobre o romantismo e a invenção do eu.
Aula Pública, Prof. Hansen - "A morte da cultura na Universidade"
João Adolfo Hansen- Aula sobre o texto "A hora e vez de Augusto Matraga" de Guimarães Rosa
João Adolfo Hansen trata de filosofia e poesia. #profhansen #culturaepensamento
João Adolfo Hansen - Aula: "Pirlimpsiquice", de "Primeiras Estórias" de Guimarães Rosa.
#profhansen - J. A. HANSEN comenta a obra de Gregório de Matos e Guerra. Literatura. Brasil.
Coleção Bibliofilia - Ep. 03/03
Prof. João Adolfo Hansen - Camões e a máquina do mundo
HANSEN Conferência do Prof. João Adolfo Hansen. Aula Magna USP 2019 #profhansen #USP
João Adolfo Hansen comenta a "Divina Comédia", de Dante Alighieri
Homenagem a João Adolfo Hansen - Crítico Literário e Professor Emérito da USP - Maio de 2023
João Adolfo Hansen- Aula sobre o texto "O recado do morro" de Guimarães Rosa
João Adolfo Hansen: Breves Considerações sobre Poesia e Filosofia
João Adolfo Hansen - Aula sobre o texto "Meu tio Iauaretê" de Guimarães Rosa
CONFRARIA DA PALAVRA - Diálogo com o professor e crítico João Adolfo Hansen
João Adolfo Hansen - RETÓRICA e LUGAR COMUM - Aula de Retóricas antigas
João Adolfo Hansen - Aula sobre a obra "A maçã no escuro" de Clarice Lispector
GREVE ESTUDANTIL - APOIO - JOÃO ADOLFO HANSEN
CARLOS BRACHER e JOÃO ADOLFO HANSEN
A POESIA DE CECÍLIA MEIRELES - Prof º João Adolfo Hansen #profhansen
João Adolfo Hansen
João Adolfo Hansen comenta a Divina Comédia, de Dante Alighieri #profhansen #dantealighieri
Conferência do Prof. João Adolfo Hansen sobre o "Juízo". Colóquio de Letras, Uesb, 2014
Para Ler Gregório de Matos
Centenário - Padre Antônio Vieira
Pílula Flip 2015 - João Hansen
ARTE NO BRASIL - Conferência de. João Adolfo Hansen sobre a obra atribuída a Aleijadinho #profhansen
João Adolfo Hansen - Aula: "Partida do audaz navegante", de "Primeiras Estórias" de Guimarães Rosa.
Dom Casmurro: simulacro & alegoria, de João Adolfo Hansen
"Transforma-se o amador na cousa amada" –
João Adolfo Hansen apoia a criação de uma Comissão da Verdade da USP
João Adolfo Hansen - Palavras da Crítica: Autor #profhansen #literatura #critica

Quem Gosta

Seguidores