Heiner Müller
Reimund Heiner Müller, pseudônimo Max Messer, foi um dramaturgo e escritor alemão. Sua carreira literária teve início quando o socialismo estava sendo construído na República Democrática Alemã - o lado oriental da Alemanha dividida.
1929-01-09 Eppendorf
1995-12-30 Berlim
3281
0
1
Alguns Poemas
Biografia
Videos
Livros
Heiner Müller nasceu na cidade alemã de Eppendorf, na Saxônia, estado que tem sua capital em Dresden e que, durante a divisão do país, ficaria na Alemanha Oriental, da qual o autor viria a se tornar um dos intelectuais e artistas mais influentes e famosos. Heiner Müller pertence a uma geração de poetas e escritores que, apesar de muito jovem, veria de perto e viveria ainda as experiências horrendas da Segunda Guerra.
No Brasil, da mesma geração (em termos estritamente cronológicos) sairiam os poetas que formaram os grupos experimentais do pós-guerra, como Haroldo de Campos, Ferreira Gullar, Augusto de Campos, Décio Pignatari, Mário Chamie e Affonso Ávila, entre outros. Dentro da poesia germânica, Heiner Müller foi também contemporâneo de vários poetas experimentais que retomaram as estratégias das vanguardas, como os poetas que formaram o Grupo de Viena (H.C. Artmann, Gerhard Rühm, Konrad Bayer, Oswald Wiener ou Friedrich Achleitner), o suíço Eugen Gomringer, ou o seu conterrâneo Helmut Heissenbüttel. A formação de Müller, no entanto, como dramaturgo e tradutor/renovador das tragédias gregas, parece ligá-lo a uma tradição clássica que remontaria pelo menos até poetas helênicos como Calímaco (310 a.C. e 240 a.C.).
Em 1955, Heiner Müller se casou com a escritora Ingeborg Schwenkner, que passaria a assinar e ficaria conhecida comoInge Müller. Com ela, escreveu algumas de suas primeiras peças a quatro mãos. A relação dos dois foi tumultuosa e eles se separaram na década de 60. Inge Müller viria a cometer suicídio em junho de 1966. Uma ótima poeta lírica, de textos delicadíssimos, apenas nos últimos anos sua escrita tem encontrado a acolhida que merece e saído da sombra da obra de Heiner Müller, especialmente após a publicação do volumeInge Müller: Gesammelte Texte (Inge Müller: Textos Reunidos), em 2002.
Na década de 60 Heiner Müller começaria a ter seus primeiros problemas com as autoridades comunistas da Alemanha Oriental. Em 1961, sua peçaDie Umsiedlerin oder Das Leben auf dem Lande é proibida após sua estreia. Seus textos, críticos não apenas contra o Regime de Hitler mas também contra a sua sociedade contemporânea, começam a ser encenados no Oeste, o que torna ainda mais abrasiva sua relação com o governo da Alemanha Oriental. Seus trabalhos mais importantes incluemMauser (1970),Germania Tod in Berlin (1971),Die Hamletmaschine (1977) e as maravilhosasDer Auftrag (A Missão), de 1979, eMedeamaterial (1982).
Muito mais conhecido como dramaturgo, com publicações apenas esparsas de poemas, o Heiner Müller poeta teria este lado de sua produção textual divulgado apenas com a publicação póstuma de suasObras Completas em 1998, das quais o primeiro volume contém seus poemas. Em alguns textos não há, porém, grande quebra estilística ou distinções textuais entre os "poemas", como o longo "Ajax zum Beispiel" (Ajax por exemplo), e certas "peças" comoDie Hamletmaschine (1977) ouMedeamaterial (1982). É que Heiner Müller era um mestre do monólogo dramático em verso, tradição que ainda une poesia e teatro, mesmo nos dias de hoje.
No entanto, na maior parte dos casos, pode-se dizer que Heiner Müller integra com seus poemas a tradição lírica alemã, mas aquela que encontramos nasLieder (canções) de Heinrich Heine, de certa forma talvez também a de Christian Morgenstern (1871 – 1914), tradição que teria em Bertolt Brecht (1898 - 1956) um continuador e mestre, e, por exemplo, em um poeta mais jovem como Thomas Brasch (1945 - 2000), sobre o qual já escrevi aqui, um renovador. Trata-se de uma parte da tradição poética germânica, incrivelmente telúrica, sempre muito pouco divulgada no Brasil, onde se traduz com mais frequência a ala órfica desta poesia, a de Novalis, Hölderlin, Rilke e Trakl, até chegar, no pós-guerra, a poetas como Paul Celan e Ingeborg Bachmann.
O trabalho textual de Heiner Müller, tanto aquele destinado ao palco como os seus poemas, poderia ter uma acolhida interessante no debate poético contemporâneo brasileiro, especialmente com o que me parece ser uma insistência quase intransigente sua em ver o escritor, seja ele poeta ou dramaturgo, como um artesão interventor, intelectual presente nos debates de sua República. Ele está certamente fincado na tradição clássica, mesmo nestes aspectos. Sua erudição jamais é postiça - é usada de forma pontual, criando analogias com o seu próprio tempo, sempre para intervir em seus debates. É o uso que fizeram de sua erudição clássica outros grandes poetas, como o polonês Zbigniew Herbert (1924 - 1998), contemporâneo praticamente exato de Heiner Müller, ou o russo mais jovem Joseph Brodsky (1940 - 1996). Imagino o que Müller pensaria das veleidades "trans-históricas" de certos poetas contemporâneos no Brasil.
--- Ricardo Domeneck