Gil Vicente

Gil Vicente

Gil Vicente é considerado o primeiro grande dramaturgo português, além de poeta de renome. Enquanto homem de teatro, parece ter também desempenhado as tarefas de músico, ator e encenador.

Guimarães
1536 Évora
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Alguns Poemas

Tanto que o Frade foi embarcado

Tanto que o Frade foi embarcado, veio üa Alcoviteira, per nome Brízida Vaz, a qual chegando à barca infernal, diz desta maneira:

BRÍZIDA Hou lá da barca, hou lá!
DIABO Quem chama?
BRÍZIDA Brízida Vaz.
DIABO E aguarda-me, rapaz?
Como nom vem ela já?
COMPANHEIRO Diz que nom há-de vir cá
sem Joana#de#Valdês.
DIABO Entrai vós, e remarês.
BRÍZIDA Nom quero eu entrar lá.

DIABO Que sabroso arrecear!
BRÍZIDA No é essa barca que eu cato.
DIABO E trazês vós muito fato?
BRÍZIDA O que me convém levar.
Día. Que é o que havês d'embarcar?
BRÍZIDA Seiscentos virgos postiços
e três arcas de feitiços
que nom podem mais levar.

Três almários de mentir,
e cinco cofres de enlheos,
e alguns furtos alheos,
assi em jóias de vestir,
guarda-roupa d'encobrir,
enfim - casa movediça;
um estrado de cortiça
com dous coxins d'encobrir.

A mor cárrega que é:
essas moças que vendia.
Daquestra mercadoria
trago eu muita, à bofé!
DIABO Ora ponde aqui o pé...
BRÍZIDA Hui! E eu vou pera o Paraíso!
DIABO E quem te dixe a ti isso?
BRÍZIDA Lá hei-de ir desta maré.

Eu sô üa mártela tal!...
Açoutes tenho levados
e tormentos suportados
que ninguém me foi igual.
Se fosse ò fogo infernal,
lá iria todo o mundo!
A estoutra barca, cá fundo,
me vou, que é mais real.

chegando à Barca da Glória diz ao Anjo:

Barqueiro mano, meus olhos,
prancha a Brísida Vaz.
ANJO: Eu não sei quem te cá traz...
BRÍZIDA Peço-vo-lo de giolhos!
Cuidais que trago piolhos,
anjo de Deos, minha rosa?
Eu sô aquela preciosa
que dava as moças a molhos,

a que criava as meninas
pera os cónegos da Sé...
Passai-me, por vossa fé,
meu amor, minhas boninas,
olho de perlinhas finas!
E eu som apostolada,
angelada e martelada,
e fiz cousas mui divinas.

Santa#Úrsula nom converteu
tantas cachopas como eu:
todas salvas polo meu
que nenhüa se perdeu.
E prouve Àquele do Céu
que todas acharam dono.
Cuidais que dormia eu sono?
Nem ponto se me perdeu!

ANJO Ora vai lá embarcar,
não estês importunando.
BRÍZIDA Pois estou-vos eu contando
o porque me haveis de levar.
ANJO Não cures de importunar,
que não podes vir aqui.
BRÍZIDA E que má-hora eu servi,
pois não me há-de aproveitar!...

torna-se Brízida Vaz à Barca do Inferno, dizendo:

BRÍZIDA Hou barqueiros da má-hora,
que é da prancha, que eis me vou?
E já há muito que aqui estou,
e pareço mal cá de fora.
DIABO Ora entrai, minha senhora,
e sereis bem recebida;
se vivestes santa vida,
vós o sentirês agora...

tanto que Brízida Vaz se embarcou, veo um Judeu, com um bode às costas; e, chegando ao batel#dos#danados, diz:

JUDEU Que vai cá? Hou marinheiro!
DIABO Oh! Que má-hora vieste!...
JUDEU Cuj'é esta barca que preste?
DIABO Esta barca é do barqueiro.
JUDEU. Passai-me por meu dinheiro.
DIABO E o bode há cá de vir?
JUDEU Pois também o bode há-de vir.
DIABO Que escusado passageiro!

JUDEU Sem bode, como irei lá?
DIABO Nem eu nom passo cabrões.
JUDEU Eis aqui quatro tostões
e mais se vos pagará.
Por vida do Semifará
que me passeis o cabrão!
Querês mais outro tostão?
DIABO Nem tu nom hás-de vir cá.

JUDEU Porque nom irá o judeu
onde vai Brísida Vaz?
Ao senhor meirinho apraz?
Senhor meirinho, irei eu?
DIABO E o fidalgo, quem lhe deu...
JUDEU O mando, dizês, do batel?
Corregedor, coronel,
castigai este sandeu!

Azará, pedra miúda,
lodo, chanto, fogo, lenha,
caganeira que te venha!
Má corrença que te acuda!
Par el Deu, que te sacuda
coa beca nos focinhos!
Fazes burla dos meirinhos?
Dize, filho da cornuda!

PARVO Furtaste a chiba cabrão?
Parecês-me vós a mim
gafanhoto d'Almeirim
chacinado em um seirão.
DIABO Judeu, lá te passarão,
porque vão mais despejados.
PARVO E ele mijou nos finados
n'ergueja de São#Gião!

E comia a carne da panela
no dia de Nosso Senhor!
E aperta o salvador,
e mija na caravela!
DIABO Sus, sus! Demos à vela!
Vós, Judeu, irês à toa,
que sois mui ruim pessoa.
Levai o cabrão na trela!

vem um Corregedor, carregado de feitos, e, chegando à barca do Inferno, com sua vara na mão, diz:

CORREGEDOR Hou da barca!
DIABO Que quereis?
CORREGEDOR Está aqui o senhor juiz?
DIABO Oh amador de perdiz.
Gentil cárrega trazeis!
CORREGEDOR No meu ar conhecereis
que nom é ela do meu jeito.
DIABO Como vai lá o direito?
CORREGEDOR Nestes feitos o vereis.

DIABO Ora, pois, entrai. Veremos
que diz i nesse papel...
CORREGEDOR E onde vai o batel?
DIABO No Inferno vos poeremos.
CORREGEDOR Como? À terra dos demos
há-de ir um corregedor?
DIABO Santo descorregedor,
embarcai, e remaremos!

Ora, entrai, pois que viestes!
CORREGEDOR Non#est#de#regulae#juris, não!
DIABO Ita, Ita! Dai cá a mão!
Remaremos um remo destes.
Fazei conta que nacestes
pera nosso companheiro.
- Que fazes tu, barzoneiro?
Faze-lhe essa prancha prestes!

CORREGEDOR Oh! Renego da viagem
e de quem me há-de levar!
Há 'qui meirinho do mar?
DIABO Não há tal costumagem.
CORREGEDOR Nom entendo esta barcagem,
nem hoc#non#potest#esse.
DIABO Se ora vos parecesse
que nom sei mais que linguagem...

Entrai, entrai, corregedor!
CORREGEDOR Hou! Videtis#qui#petatis -
Super#jure#magestatis
tem vosso mando vigor?
DIABO Quando éreis ouvidor
nonne#accepistis#rapina?
Pois ireis pela bolina
onde nossa mercê for...

Oh! Que isca esse papel
pera um fogo que eu sei!
CORREGEDOR Domine,#memento#mei!
DIABO Non#est#tempus, bacharel!
Imbarquemini in batel
quia#judicastis#malitia.
CORREGEDOR Semper#ego#justitia
fecit, e bem por nivel.

DIABO E as peitas dos judeus
que a vossa mulher levava?
CORREGEDOR Isso eu não o tomava
eram lá percalços seus.
Nom som peccatus#meus,
peccavit#uxore#mea.
DIABO Et#vobis#quoque#cum#ea,
não temuistis#Deus.

A largo modo adquiristis
sanguinis#laboratorum
ignorantis#peccatorum.
Ut#quid#eos#non#audistis?
CORREGEDOR Vós, arrais, nonne#legistis
que o dar quebra os pinedos?
Os direitos estão quedos,
sed#aliquid#tradidistis...

DIABO Ora entrai, nos negros fados!
Ireis ao lago dos cães
e vereis os escrivães
como estão tão prosperados.
CORREGEDOR E na terra#dos#danados
estão os Evangelistas?

Senhora, eu me contento

Senhora, eu me contento
Receber vos como estais:
Se vós vos não contentais,
O vosso contentamento
Pode falecer no mais.

LATÃO (Como fala!
VIDAL E ela como se cala!
Tem atento o ouvido...
Este há-de ser seu marido,
Segundo a coisa s'abala.)
ESCUDEIRO Eu não tenho mais de meu,
Somente ser comprador
Do Marichal meu senhor
E são escudeiro seu.
Sei bem ler
E muito bem escrever
E bom jogador de bola,
E quanto a tanger viola,
Logo me vereis tanger
Moço, que estais lá olhando?
MOÇO Que manda Vossa Mercê?
ESCUDEIRO Que venhais cá.
MOÇO Pera quê?
ESCUDEIRO Por que faças o que eu mando!
MOÇO Logo vou.
(O Diabo me tomou:
Sair me de João Montês
Por servir um tavanês
Mor doudo que Deus criou!)
ESCUDEIRO Fui despedir um rapaz
Que valia Perpinhão,
Por tomar este ladrão.
Moço!

MOÇO Que vos praz?
ESCUDEIRO A viola.
MOÇO (Oh! como ficará tola
Se não fosse casar ante
Co mais sáfio bargante
Que coma pão e cebola!).
Ei-la aqui bem temperada,
Não tendes que temperar
ESCUDEIRO Faria bem de ta quebrar
Na cabeça bem migada!
MOÇO E se ela é emprestada,
Quem na havia de pagar?
Meu amo, eu quero m'ir.
ESCUDEIRO E quando queres partir?
MOÇO Ante que venha o Inverno,
Porque vós não dais governo
Pera vos ninguém servir

ESCUDEIRO Não dormes tu que te farte?
MOÇO No chão, e o telhado por manta...
E çarra-se m'a garganta
Com fome.
ESCUDEIRO Isso tem arte...
MOÇO Vós sempre zombais assi.
ESCUDEIRO Oh que boas vozes tem
Esta viola aqui!
Leixa-me casar a mi,
Depois eu te farei bem.

MÃE Agora vos digo eu
Que Inês está no Paraíso!
INÊS Que tendes de ver co isso?
Todo o mal há-de ser meu.
MÃE Quanta doudice!
INÊS Oh! como é seca a velhice!
Leixai-me ouvir e folgar,
Que não me hei-de contentar
De casar com parvoíce.
Pode ser maior riqueza
Que um homem avisado?
MÃE Muitas vezes, mal pecado,
é milhor boa simpreza.
LATÃO Ora oivi, e oivireis.
Escudeiro, cantareis
Alguma boa cantadela.
Namorai esta donzela
E esta cantiga direis:

Canta o Judeu

«Canas do amor, canas,
canas do amor
Polo longo dum rio
Canaval vi florido,
Canas do amo.»

Canta o Escudeiro o romance «Mal me quieren en Castilla» e diz Vidal:

VIDAL Latão, já o sono é comigo
Como oivo cantar guaiado,
Que não vai esfandegado...

LATÃO Esse é o Demo que eu digo!
Viste cantar Dona Sol:
Pelo mar voy a vela,
Vela vay pelo mar?

VIDAL Filha Inês, assi vivais
Que tomeis esse senhor
Escudeiro cantador
E caçador de pardais,
Sabedor revolvedor
Falador gracejador
Afoitado pela mão,
E sabe de gavião...
Tomai-o por meu amor.

Podeis topar um rabugento,
Desmazelado, baboso,
Descancarado, brigoso,
Medroso, carapatento.
Este escudeiro, aosadas,
Onde se derem pancadas,
Ele as há-de levar
Boas, senão apanhar..
Nele tendes boas fadas.
MÃE Quero rir com toda a mágoa
Destes teus casamenteiros!
Nunca vi Judeus ferreiros
Aturar tão bem a frágoa.
Não te é milhor mal por mal,
Inês, um bom oficial,
Que te ganhe nessa praça,
Que é um escravo de graça,
E mais casas com teu igual?

LATÃO Senhora, perdei cuidado:
O que há-de ser há-de ser;
E ninguém pode tolher
O que está determinado.
VIDAL Assi diz Rabi#Zarão.
MÃE Inês, guar'-te de rascão!
Escudeiro queres tu?
INÊS Jesu, nome de Jesu!
Quão fora sois de feição!

Já minha mãe adivinha...
Folgastes vós na verdade
Casar à vossa vontade?
Eu quero casar à minha.
MÃE Casa, filha, muit'embora.
ESCUDEIRO Dai-me essa mão, senhora.
INÊS Senhor de mui boa mente.
ESCUDEIRO Per palavras de presente
Vos recebo desd'agora.

Nome de Deus, assi seja!
Eu, Brás da Mata, Escudeiro,
Recebo a vós, Inês Pereira
Por mulher e por parceira
Como manda a Santa Igreja.
INÊS Eu, aqui diante Deus,
Inês Pereira, recebo a vós,
Brás da Mata, sem demanda,
Como a Santa Igreja manda.

LATÃO Juro al Deu! Aí somos nós!

Os Judeus ambos

Alça manim, ó dona, ha!
Arreia espeçulá.
Bento o Deu de Jacob,
Bento o Deu que a Faraó
MÃE Espantou e espantará.
Bento o Deu de Abraão,
Benta a terra de Canão.
Para bem sejais casados!
Dai-nos cá senhos ducados.
MÃE Amenhã vo-los darão.

Pois assi é, bem será
Que não passe isto assi.
Eu quero chegar ali
Chamar meus amigos cá,
E cantarão de terreiro.
ESCUDEIRO Oh! quem me fora solteiro!
INÊS Já vós vos arrependeis?
ESCUDEIRO Ó esposa, não faleis,
Que casar é cativeiro.

Aqui vem a Mãe com certas moças e mancebos pera fazerem a festa, e diz uma delas, per nome Luzia:

Luz. Inês, por teu bem te seja!
Oh! que esposo e que alegria!
INÊS Venhas embora, Luzia,
E cedo t'eu assi veja.

MÃE Ora vae tu ali, Inês,
E bailareis três por três.
FERNANDO Tu connosco, Luzia, aqui,
E a desposada ali,
Ora vede qual direis.

Cantam todos a cantiga que se segue:

«Mal herida va la garça
Enamorada,
Sola va y gritos dava.
A las orillas de um rio
La garça tenia el nido;
Ballestero la ha herido
En el alma;
Sola va y gritos dava.»

E, acabando de cantar e bailar diz Fernando:

FERNANDO Ora, senhores honrados,
Ficai com vossa mercê,
E nosso Senhor vos dê
Com que vivais descansados.
Isto foi assi agora,
Mas melhor será outr'hora.
Perdoai pelo presente:
Foi pouco e de boa mente.
Com vossa mercê, Senhora...

Luz. Ficai com Deus, desposados,
Com prazer e com saúde,
E sempre Ele vos ajude
Com que sejais bem logrados.
MÃE Ficai com Deus, filha minha,
Não virei cá tão asinha.
A minha bênção hajais.
Esta casa em que ficais
Vos dou, e vou-me à casinha.

Senhor filho e senhor meu,
Pois que já Inês é vossa,
Vossa mulher e esposa,
Encomendo-vo-la eu.
E, pois que des que naceu
A outrem não conheceu,
Senão a vós, por senhor
Que lhe tenhais muito amor
Que amado sejais no céu.

Ida a Mãe, fica Inês Pereira e o Escudeiro. E senta-se Inês Pereira a lavrar e canta esta cantiga:

INÊS Si no os huviera mirado
No penara,
Pero tampoco os mirara.

O Escudeiro, vendo cantar Inês Pereira, mui agastado lhe diz:

ESCUDEIRO Vós can

Depois de ida Roma

Depois de ida Roma, entram dous lavradores, um per nome Amâncio Vaz e outro Diniz Lourenço, e diz Amâncio Vaz:

AMÂNCIO VAZ Compadre, vás tu à feira?
DINIZ LOURENÇO À feira, compadre.
AMÂNCIO VAZ Assi,
ora vamos eu e ti
ó longo desta ribeira.
DINIZ LOURENÇO Bofá, vamos.
AMÂNCIO VAZ Folgo bem
de te vir aqui achar.
DINIZ LOURENÇO Vás tu lá buscar alguém,
ou esperas de comprar?

AMÂNCIO VAZ Isso te quero contar,
e iremos patorneando,
e er também aguardando
polas moças do lugar.
Compadre, enha mulher
é muito destemperada,
e agora, se Deus quiser,
faço conta de a vender,
e dá-la-ei por quase nada.

Qu'eu quando casei com ela
diziam-me, «Hétega é».
E eu cuidei pola abofé
que mais cedo morresse ela,
e ela anda inda em pé.
E porque era hétega assim
foi o que m' a mim danou:
avonda qu'ela engordou
e fez-me hétego a mim.

DINIZ LOURENÇO Tens boa mulher de teu:
não sei que tu hás, amigo.
AMÂNCIO VAZ S'ela casara contigo
renegaras tu com' eu
e dixeras o que eu digo.
DINIZ LOURENÇO Pois, compadre, cant'à minha,
é tão mole e desatada,
que nunca dá peneirada
que não derrame a farinha.

E não põe cousa a guardar,
que a tope quanda a cata;
e por mais que homem se mata,
de birra não quer falar.
Trás d' üa pulga andará
três dias, e oito, e dez,
sem lhe lembrar o que fez,
nem tão pouco o que fará.

Pera que t'hei-de falar?
Quando ontem cheguei do mato
pôs üa enguia a assar,
e crua a leixou levar,
por não dizer sape a um gato.
Quant'a mansa, mansa é ela;
dei-m'ê logo conta disso.
AMÂNCIO VAZ Juro-t'eu que mais vale isso
cinquenta vezes qu'ela.

A minha te digo eu
que se a visses assanhada,
parece demoninhada,
ante São#Bertolameu.
DINIZ LOURENÇO Já sequer terá esp'rito:
mas renega da mulher
que ó tempo do mister
não é cabra nem cabrito.

AMÂNCIO VAZ A minha tinh'eu em guarda
pera bem da minha prol,
cuidando que era ourinol,
e tornou-se-me bombarda.
Folga tu que ess'outra tenhas,
porque a minha é tal perigo,
que por nada que lhe digo
logo me salta nas grenhas.

Então tanto punho seco
me chimpa nestes focinhos;
eu chamo polos vizinhos,
e ela nego dar-me em xeco.
DINIZ LOURENÇO Isso é de coraçuda;
não cures de a vender,
que s'alguém te mal fizer,
já sequer tens quem te acuda.

Mas a minha é tão cortês,
que se viesse ora à mão
que m'espancasse um rascão,
não diria, «Mal fazês».
Mas antes s' assentaria
a olhar como eu bradava.
Todavia a mulher brava
é, compadre, a qu'eu queria.

AMÂNCIO VAZ Pardeus! Tanto me farás
que feire a minha contigo.
DINIZ LOURENÇO Se queres feirar comigo,
vejamos que me darás.
AMÂNCIO VAZ Mas antes m' hás-de tornar
pois te dou mulher tão forte,
que te castigue de sorte
que não ouses de falar,
nem no mato nem na corte.

Outro bem terás com ela:
quando vieres da arada,
comerás sardinha assada,
porqu ' ela jenta a panela.
Então geme, pardeus, si,
diz que lhe dói a moleira.
DINIZ LOURENÇO Eu faria per maneira
que esperasse ela por mi.
AMÂNCIO VAZ Que lh'havias de fazer?

DINIZ LOURENÇO Amâncio Vaz, eu o sei bem.
AMÂNCIO VAZ Diniz Lourenço, ei-las cá vêm!
Vamo-nos nós esconder,
vejamos que vêm catar,
qu'elas ambas vêm à feira.
Mete-te nessa silveira,
qu'eu daqui hei-d' espreitar.

Vêm Branca Anes a brava, e Marta Dias a mansa, e vem dizendo a brava:

BRANCA ANES Pois casei má hora, e nela,
e com tal marido, prima,
comprarei cá üa gamela,
para o ter debaixo dela,
e um grão penedo em cima.
Porque vai-se-me às figueiras,
e come verde e maduro;
e quantas uvas penduro
jeita nas gorgomileiras:
parece negro monturo.

Vai-se-m'às ameixieiras
antes que sejam maduras,
ele quebra as cerejeiras,
ele vindima as parreiras,
e não sei que faz das uvas.
Ele não vai à lavrada,
ele todo o dia come,
ele toda a noite dorme,
ele não faz nunca nada,
e sempre me diz que há fome.

Jesu! Jesu! Posso-te dizer
e jurar e tresjurar,
e provar e reprovar,
e andar e revolver,
qu' é melhor pera beber,
que não pera maridar.
O demo que o fez marido,
que assim seco como é
beberá a torre da Sé!
Então arma um arruído
assi debaixo do pé.

MARTA DIAS Pois bom homem parece ele.
DINIZ LOURENÇO Aquela é a minha frouxa.
MARTA DIAS Deu-t'ele a fraldinha roxa?
BRANCA ANES Melhor lh'esfole eu a pele.
Que homem há i da puxa.
Ó diabo que o eu dou,
que o leve em fatiota,
e o ladrão que m'o gabou;
e o frade que me casou
inda o veja na picota.

E rogo à Virgem da Estrela,
e a santa Gerjalém,
e ós choros de Madanela
e à asninha de Belém,
que o veja ir#à#vela
pera donde nunca vem.
DINIZ LOURENÇO Compadre, no mais sofrer:
sai de lá desse silvado.
AMÂNCIO VAZ Pera eu ser arrepelado.
Não havi'eu mais mister.

DINIZ LOURENÇO E não n'hás tu de vender?
AMÂNCIO VAZ Tu dizes que a qués feirar.
DINIZ LOURENÇO Não qu'ela se me tomar
leixar-m'á quando quiser.
Mas demo-las à má estreia;
e voto que nos tornemos,
e er depois tornaremos
com as cachopas d'aldeia:
entonces concertaremos.

AMÂNCIO VAZ Isso me parece a mi
muito melhor que eu ir lá.
Oh, que couces que me dá,
quando me colhe sob si!
DINIZ LOURENÇO Cant' àquela si dará.
DIABO Mulheres, vós que quereis?
Nesta feira que buscais?
MARTA DIAS Queremo-la ver, no mais.
Pera ver em que tratais,
e as cousas que vendeis.

Tendes vós aqui anéis?
DIABO Quejandos? De que feição?
MARTA DIAS D'uns que fazem de latão.
DIABO Pera as mãos, ou pera os pés?
MARTA DIAS Não - Jesu, nome de Jesu,
Deus e homem verdadeiro!

Foge o Diabo e Marta Dias diz:

MARTA DIAS Nunca eu vi bofalinheiro
tão prestes tomar o mu.
Branc'Anes mana, crê tu
que, como Jesu é Jesu,
era este o Diabo inteiro.

BRANCA ANES Não é ele pau de boa lenha,
nem lenha de bom madeiro.
MARTA DIAS Bofá, nunc'ele cá venha.
BRANCA ANES Viagem de Jão Moleiro,
que foi pola cal d'azenha.
MARTA DIAS Pasmada estou eu de Deus
fazer o Demo marchante!
Mana, daqui por diante
não caminhemos nós sós.

BRANCA ANES S'eu soubera quem ele era,
fizera-lhe bom partido:
que me levara o marido,
e quanto tenho lhe dera,
e o touca

A seguinte farsa

A seguinte farsa de folgar foi representada ao muito alto e mui poderoso rei D. João, o terceiro do nome em Portugal, no seu Convento de Tomar, era do Senhor de MDXXIII. O seu argumento é que porquanto duvidavam certos homens de bom saber se o Autor fazia de si mesmo estas obras, ou se furtava de outros autores, lhe deram este tema sobre que fizesse: segundo um exemplo comum que dizem: mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube. E sobre este motivo se fez esta farsa.

A figuras são as seguintes: Inês Pereira; sua Mãe; Lianor Vaz; Pêro Marques; dous Judeus (um chamado Latão, outro Vidal); um Escudeiro com um seu Moço; um Ermitão; Luzia e Fernando.


Finge-se que Inês Pereira, filha de hüa molher de baixa sorte, muito fantesiosa, está lavrando em casa, e sua mãe é a ouvir missa, e ela canta esta cantiga:

Quien con veros pena y muere
Que hará quando no os viere?

E diz

INÊS Renego deste lavrar
E do primeiro que o usou;
Ó diabo que o eu dou,
Que tão mau é d'aturar.
Oh Jesu! que enfadamento,
E que raiva, e que tormento,
Que cegueira, e que canseira!
Eu hei-de buscar maneira
D'algum outro aviamento.

Coitada, assi hei-de estar
Encerrada nesta casa
Como panela sem asa,
Que sempre está num lugar?
E assi hão-de ser logrados
Dous dias amargurados,
Que eu possa durar viva?
E assim hei-de estar cativa
Em poder de desfiados?

Antes o darei ao Diabo
Que lavrar mais nem pontada.
Já tenho a vida cansada
De fazer sempre dum cabo.
Todas folgam, e eu não,
Todas vêm e todas vão
Onde querem, senão eu.
Hui! e que pecado é o meu,
Ou que dor de coração?

Esta vida he mais que morta.
Sam eu coruja ou corujo,
Ou sam algum caramujo
Que não sai senão à porta?
E quando me dão algum dia
Licença, como a bugia,
Que possa estar à janela,
É já mais que a Madanela
Quando achou a aleluía.

Vem a Mãe, e não na achando lavrando, diz:

MÃE Logo eu adivinhei
Lá na missa onde eu estava,
Como a minha Inês lavrava
A tarefa que lhe eu dei...
Acaba esse travesseiro!
Hui! Nasceu-te algum unheiro?
Ou cuidas que é dia santo?
INÊS Praza a Deos que algum quebranto?
Me tire do cativeiro.

MÃE Toda tu estás aquela!
Choram-te os filhos por pão?
INÊS Prouvesse a Deus! Que já é razão
De eu não estar tão singela.
MÃE Olhade ali o mau pesar...
Como queres tu casar
Com fama de preguiçosa?
INÊS Mas eu, mãe, sam aguçosa
E vós dais-vos de vagar.

MÃE Ora espera assi, vejamos.
INÊS Quem já visse esse prazer!
MÃE Cal'-te, que poderá ser
Que «ame a Páscoa vêm os Ramos».
Não te apresses tu, Inês.
«Maior é o ano que o mês»:
Quando te não precatares,
Virão maridos a pares,
E filhos de três em três.

INÊS Quero-m'ora alevantar.
Folgo mais de falar nisso,
Assi me dê Deos o paraíso,
Mil vezes que não lavrar
Isto não sei que me faz
MÃE Aqui vem Lianor Vaz.
INÊS E ela vem-se benzendo...

(Entra Lianor Vaz)

LIANOR Jesu a que me eu encomendo!
Quanta cousa que se faz!

MÃE Lianor Vaz, que é isso?
LIANOR Venho eu, mana, amarela?
MÃE Mais ruiva que uma panela.
LIANOR Não sei como tenho siso!
Jesu! Jesu! que farei?
Não sei se me vá a el-Rei,
Se me vá ao Cardeal.
MÃE Como? e tamanho é o mal?
LIANOR Tamanho? eu to direi:

Vinha agora pereli
Ó redor da minha vinha,
E hum clérigo, mana minha,
Pardeos, lançou mão de mi;
Não me podia valer
Diz que havia de saber
S'era eu fêmea, se macho.
MÃE Hui! seria algum muchacho,
Que brincava por prazer?

LIANOR Si, muchacho sobejava
Era hum zote#tamanhouço!
Eu andava no retouço,
Tão rouca que não falava.
Quando o vi pegar comigo,
Que m'achei naquele p'rigo:
- Assolverei! - não assolverás!
-Tomarei! - não tomarás!
- Jesu! homem, qu'has contigo?

- Irmã, eu te assolverei
Co breviairo de Braga.

- Que breviairo, ou que praga!
Que não quero: aqui d'el-Rei! -
Quando viu revolta a voda,
Foi e esfarrapou-me toda
O cabeção da camisa.
MÃE Assi me fez dessa guisa
Outro, no tempo da poda.

Eu cuidei que era jogo,
E ele... dai-o vós ao fogo!
Tomou-me tamanho riso,
Riso em todo meu siso,
E ele leixou-me logo.
LIANOR Si, agora, eramá,
Também eu me ria cá
Das cousas que me dizia:
Chamava-me «luz do dia».
- «Nunca teu olho verá!» -

Se estivera de maneira
Sem ser rouca, bradar'eu;
Mas logo m'o demo deu
Catarrão e peitogueira,
Cócegas e cor de rir,
E coxa pera fugir,
E fraca pera vencer:
Porém pude-me valer
Sem me ninguém acudir...

O demo (e não pode al ser)
Se chantou no corpo dele.
MÃE Mana, conhecia-te ele?
LIANOR Mas queria-me conhecer!
MÃE Vistes vós tamanho mal?
LIANOR Eu m'irei ao Cardeal,
E far-lhe-ei assi mesura,
E contar lhe-ei a aventura
Que achei no meu olival.

MÃE Não estás tu arranhada,
De te carpir, nas queixadas?
LIANOR Eu tenho as unhas cortadas,
E mais estou tosquiada:
E mais pera que era isso?
E mais pera que é o siso?
E mais no meio da requesta
Veio hum homem de hüa besta,
Que em vê-lo vi o p'raíso,

E soltou-me, porque vinha
Bem contra sua vontade.
Porém, a falar a verdade,
Já eu andava cansadinha:
Não me valia rogar
Nem me valia chamar:
- «Aque de Vasco#de#Fois,
Acudi-me, como sois!»
E ele... senão pegar:

- Mais mansa, Lianor Vaz,
Assi Deus te faça santa.
- Trama te dê na garganta!
Como! isto assi se faz?
- Isto não revela nada...
- Tu não vês que são casada?
MÃE Deras-lhe, má hora, boa,
E mordera-lo na coroa.
LIANOR Assi! fora excomungada.

Não lhe dera um empuxão,
Porque sou tão maviosa,
Que é cousa maravilhosa.
E esta é a concrusão.
Leixemos isto. Eu venho
Com grande amor que vos tenho,
Porque diz o exemplo antigo
Que a amiga e bom amigo
Mais aquenta que o bom lenho.

Inês está concertada
Pera casar com alguém?
MÃE Até `gora com ninguém
Não é ela embaraçada.
LIANOR Eu vos trago um casamento
Em nome do anjo#bento.
Filha, não sei se vos praz.
INÊS E quando, Lianor Vaz?
LIANOR Eu vos trago aviamento.

INÊS Porém, não hei-de casar
Senão com homem avisado
Ainda que pobre e pelado,
Seja discreto em falar
LIANOR Eu vos trago um bom marido,
Rico, honrado, conhecido.
Diz que em camisa vos quer
INÊS Primeiro eu hei-de saber
Se é<

Chega a Alma diante da Igreja

Chega a Alma diante da Igreja.

ANJO Vedes aqui a pousada
verdadeira e mui segura
a quem quer vida.
IGREJA Oh! Como vindes cansada
e carregada!
ALMA Venho por minha ventura,
amortecida,
IGREJA Quem sois? Pera onde andais?
ALMA Não sei pera onde vou;
sou selvagem,
sou uma alma que pecou
culpas mortais
contra o Deus que me criou
à Sua imagem.

Sou a triste, sem ventura,
criada resplandecente
e preciosa,
angélica em fermosura,
e per natura,
como raio reluzente
luminosa.
E por minha triste sorte
e diabólicas maldades
violentas,
estou mais morta que a morte
sem deporte,
carregada de vaidades
peçonhentas.

Sou a triste, sem mezinha,
pecadora obstinada,
perfiosa;
pola triste culpa minha,
mui mesquinha,
a todo o mal inclinada
e deleitosa.
Desterrei da minha mente
os meus perfeitos arreios
naturais;
não me prezei de prudente,
mas contente
me gozei com os trajos feios
mundanais.

Cada passo me perdi;
em lugar de merecer,
eu sou culpada.
Havei piedade de mi,
que não me vi;
perdi meu inocente ser,
e sou danada.
E, por mais graveza, sento
não poder me arrepender
quanto queria;
que meu triste pensamento,
sendo isento,
não me quer obedecer,
como soía.

Socorrei, hóspeda senhora,
que a mão de Satanás
me tocou,
e sou já de mim tão fora,
que agora
não sei se avante, se atrás,
nem como vou.
Consolai minha fraqueza
com sagrada iguaria,
que pereço,
por vossa santa nobreza,
que é franqueza;
porque o que eu merecia
bem conheço.

Conheço-me por culpada,
e digo diante vós
minha culpa.
Senhora, quero pousada,
dai passada,
pois que padeceu por nós
quem nos desculpa.
Mandai-me ora agasalhar
capa dos desamparados,
Igreja Madre.
IGREJA Vinde-vos aqui assentar
mui devagar
que os manjares são guisados
por Deus Padre.

Santo Agostinho doutor,
Jerónimo, Ambrósio, São
Tomás,
meus pilares,
servi aqui por meu amor
o qual milhor
E tu, Alma, gostarás
meus manjares.
Ide à santa cozinha,
tornemos esta alma em si,
por que mereça
de chegar onde caminha,
e se detinha.
Pois que Deus a trouxe aqui,
não pereça.

Enquanto estas cousas passam, Satanás passeia, fazendo muitas vascas, e vem outro (Diabo) e diz:

2º DIABO Como andas dasassossegado!
1º DIABO Arço em fogo de pesar
2º DIABO Que houveste?
2º DIABO Ando tão desatinado,
de enganado,
que não posso repousar
que me preste.
Tinha uma alma enganada,
já quase pera infernal,
mui acesa.
2º DIABO E quem t'a levou forçada?
1º DIABO O da espada.
2º DIABO Já m'ele fez outra tal
burla como essa.

Tinha outra alma já vencida,
em ponto de se enforcar
de desesperada,
a nós toda oferecida,
e eu prestes pera a levar
arrastada;
e ele fê-la chorar tanto,
que as lágrimas corriam
pola terra.
Blasfemei entonces tanto,
que meus gritos retiniam
pola serra.

Mas faço conta que perdi,
outro dia ganharei,
e ganharemos
1º DIABO Não digo eu, irmão, assi:
mas a esta tornarei,
e veremos.
Torná-la-ei a afagar
despois que ela sair fora
da Igreja
e começar de caminhar;
hei-de apalpar
se vencerão ainda agora
esta peleja.

Entra a Alma, com o Anjo.

ALMA Vós não me desempareis,
Senhor meu Anjo Custódio!
Ó incréus
imigos, que me quereis,
que já sou fora do ódio
de meu Deus?
Leixai-me já, tentadores,
neste convite prezado
do Senhor
guisado aos pecadores
com as dores
de Cristo crucificado,
redentor.

Estas cousas, estando a Alma assentada à mesa, e o Anjo junto com ela, em pé, vêm os Doutores com quatro bacios de cozinha cobertos, cantando: «Vexilla regis prodeunt». E, postos na mesa, diz Santo Agostinho:

AGOSTINHO Vós, senhora convidada,
nesta ceia soberana
celestial,
haveis mister ser apartada
e transportada
de toda a cousa mundana,
terreal.
Cerrai os olhos corporais,
deitai ferros aos danados
apetitos,
caminheiros infernais;
pois buscais
os caminhos bem guiados
dos contritos.

IGREJA Benzei a mesa vós, senhor
e, pera consolação
da convidada,
seja a oração de dor
sobre o tenor
da gloriosa Paixão
consagrada.
E vós, Alma, rezareis,
contemplando as vivas dores
da Senhora;
Vós outros respondereis,
pois que fostes rogadores
até agora.

Oração pera Santo Agostinho.

Alto Deus Maravilhoso,
que o mundo visitaste
em carne humana,
neste vale temeroso
e lacrimoso.
Tua glória nos mostraste
soberana.
E Teu Filho delicado,
mimoso da Divindade
e Natureza,
per todas partes chagado,
e mui sangrado,
pela nossa infirmidade
e vil fraqueza!

Ó Emperador celeste,
Deus alto, mui poderoso,
essencial,
que polo homem que fizeste,
ofereceste
o teu estado glorioso
a ser mortal!
E Tua Filha, Madre, Esposa,
horta nobre, frol dos céus,
Virgem Maria,
mansa pomba gloriosa;
oh quão chorosa
quando o seu Deus padecia!

Ó lágrimas preciosas,
do Virginal Coração
estiladas,
correntes das dores vossas,
com os olhos da perfeição
derramadas!
Quem uma só pudera ver
vira claramente nela
aquela dor,
aquela pena e padecer
com que choráveis, donzela,
vosso amor!

E quando vós, amortecida,
se lágrimas vos faltavam,
não faltava
a vosso filho e vossa vida
chorar as que lhe ficaram
de quando orava.
Porque muito mais sentia
polos seus padecimentos
ver-vos tal;
mais que quanto padecia,
lhe doía,
e dobrava seus tormentos,
vosso mal.

Se se pudesse dizer
se se pudesse rezar
tanta dor;
Se se pudesse fazer
podermos ver
qual estáveis ao cravar
do Redentor!
Ó fermosa face bela,
ó resplandor divinal,
que sentistes,
quando a cruz se pôs à vela,
e posto nela
o filho celestial
que paristes?

Vendo por cima da gente
assornar vosso conforto
tão chagado,
c

Auto da Feira

A obra seguinte é chamada Auto da Feira. Foi representada ao mui excelente Príncipe El Rei Dom João, o terceiro em Portugal deste nome, na sua nobre e sempre leal cidade de Lisboa, às matinas do Natal, na era do Senhor de 1527.

Figuras:

Mercúrio, Tempo, Serafim, Diabo, Roma, Amâncio Vaz, Diniz Lourenço, Branca Anes, Marta Dias, Justina, Leonarda, Teodora, Moneca, Giralda, Juliana, Tesaura, Merenciana, Doroteia, Gilberto, Nabor, Dionísio, Vicente, Mateus.


Entra primeiramente Mercúrio, e posto em seu assento, diz:

MERCÚRIO

Pera que me conheçais,
e entendais meus partidos,
todos quantos aqui estais
afinai bem os sentidos,
mais que nunca, muito mais.
Eu sou estrela do céu,
e depois vos direi qual,
e quem me cá descendeu
e a quê, e todo o al
que me a mi aconteceu.

E porque a astronomia
anda agora mui maneira,
mal sabida e lisonjeira,
eu, à honra deste dia,
vos direi a verdadeira.
Muitos presumem saber
as operações dos céus,
e que morte hão-de morrer,
e o que há-de acontecer
aos anjos e a Deus,

e ao mundo e ao diabo.
E que o sabem têm por fé;
e eles todos em cabo
terão um cão polo rabo,
e não sabem cujo é.
E cada um sabe o que monta
nas estrelas que olhou;
e ao moço que mandou,
não lhe sabe tomar conta
d' um vintém que lh' entregou.

Porém, quero-vos pregar,
sem mentiras nem cautelas,
o que per curso d' estrelas
se poderá adivinhar,
pois no céu nasci com elas.
E se Francisco#de#Melo,
que sabe ciência avondo,
diz que o céu é redondo,
e o sol sobre amarelo;
diz verdade, não lh' o escondo.

Que se o céu fora quadrado,
não fora redondo, senhor.
E se o sol fora azulado,
d' azul fora a sua cor
e não fora assi dourado.
E porque está governado
per seus cursos naturais,
neste mundo onde morais
nenhum homem aleijado,
se for manco e corcovado,
não corre por isso mais.

E assi os corpos celestes
vos trazem tão compassados,
que todos quantos nascestes,
se nascestes e crescestes,
primeiro fostes gerados.
E que fazem os poderes
dos sinos resplandecentes?
Que fazem que todalas gentes
ou são homens ou mulheres,
ou crianças inocentes.

E porque Saturno a nenhum
influi vida contina,
a morte de cada um
é aquela de que se fina,
e não d' outro mal nenhum.
Outrossim o terremoto,
que às vezes causa perigo,
faz fazer ao morto voto
de não bulir mais consigo,
cantá de seu próprio moto.

E a claridade encendida
dos raios piramidais
causa sempre nesta vida
que quando a vista é perdida,
os olhos são por demais.

E que mais quereis saber
desses temporais e disso,
senão que, se quer chover,
está o céu pera isso,
e a terra pera a receber?
a lüa tem este jeito:
vê que clérigos e frades
já não têm ao Céu respeito,
mingua-lhes as santidades,
e cresce-lhes o proveito.

Et#quantum#ad#stella#Mars, speculum belli, et Venus, Regina musicae, secundum Joanes#Monteregio:

Mars, planeta dos soldados,
faz nas guerras conteúdas,
em que os reis são ocupados,
que morrem de homens barbados
mais que mulheres barbudas.
E quando Vénus declina,
e retrogada em seu cargo,
não se paga o desembargo
no dia que s' ele assina
mas antes por tempo largo.

[IEt#quantum#ad#Taurus#et#Aries, Cancer Capricornius positus in firmamento coeli:

E quanto ao Touro e Carneiro,
são tão maus d' haver agora
que quando os põe no madeiro,
chama o povo ao carniceiro
Senhor, c' os barretes fora.
Depois do povo agravado,
que já mais fazer não pode,
invoca o signo do Bode,
Capricórnio chamado,
porque Libra não lhe acode.

E se este não hás tomado,
nem Touro, Carneiro assi,
vai-te ao sino do Pescado,
chamado Piscis em latim,
e serás remedeado:
e se Piscis não tem ensejo,
porque pode não no haver,
vai-te ao signo do Cranguejo,
Signum#Cancer, Ribatejo,
que está ali a quem no quer.

Sequuntur#mirabilia#Jupiter#Rex#regum, Dominus dominantium.

Júpiter, rei das estrelas,
deus das pedras preciosas,
mui mais precioso qu' elas
pintor de todalas rosas,
rosa mais fermosa delas;
é tão alto seu reinado ,
influência e senhoria,
que faz percurso ordenado
que tanto vale um cruzado
de noite como de dia.

E faz que üa nau veleira
mui forte, muito segura,
que inda que o mar não queira,
e seja de cedro a madeira,
não preste sem pregadura.

Et#quantum#ad#duodecim#domus#Zodiacus, sequitur declaratio operationem suam.

Ao Zodíaco acharão
doze moradas palhaças,
onde os sinos estão
no Inverno e no Verão,
dando a Deus infindas graças.
Escutai bem, não durmais,
sabereis por conjeituras
que os corpos celestiais
não são menos nem são mais
que suas mesmas granduras.

E os que se desvelaram,
se das estrelas souberam,
foi que a estrela que olharam,
está onde a puseram,
e faz o que lhe mandaram.
E cuidam que Ursa#Maior,
Ursa Menor e o Dragão,
e Lepus, que têm paixão,
porque um corregedor
manda enforcar um ladrão.

Não, porque as constelações
não alcançam mais poderes,
que fazer que os ladrões
sejam filhos de mulheres,
e os mesmos pais varões.
E aqui quero acabar.
E pois vos disse atéqui
o que se pode alcançar,
quero-vos dizer de mi,
e o que venho buscar.

Eu são Mercúrio, senhor
de muitas sabedorias,
e das moedas reitor,
e deus das mercadorias:
nestas tenho meu vigor.
Todos tratos e contratos,
valias, preços, avenças,
carestias e baratos,
ministro suas pertenças,
até às compras dos sapatos.

E porquanto nunca vi
na corte de Portugal
feira em dia de Natal,
ordeno üa feira aqui
pera todos em geral.
Faço mercador-mor
ao Tempo, que aqui vem;
e assi o hei por bem.
E não falte comprador.
Porque o tempo tudo tem.

Entra o Tempo, e arma üa tenda com muitas cousas e diz:

TEMPO

Em nome daquele que rege nas praças
d'Anvers e Medina as feiras que têm,
começa-se a feira chamada das Graças,
à honra da Virgem parida em Belém.
Quem quiser feirar,
venha trocar, qu' eu não hei-de vender;
todas virtudes qu' houverem mister
nesta minha tenda as podem achar,
a troco de cousas que hão-de trazer.

Todos remédios, especialmente
contra fortunas ou adversidades
aqui se vendem na tenda presente;
conselhos maduros de sãs qualidades
aqui se acharão.
A mercadorias d' amor a rezão
justiça e verdade, a paz#desejada,
porque a Cristandade é toda gastada
só em serviço da opinião.

Aqui achareis o temor de Deus,
que é já perdido em todos Estados;
aqui achareis as chaves dos Céus,
muito bem guarnecidas em cordões dourados.
E mais achareis
soma de contas, todas de contar
quão poucos e poucos haveis de lograr
as feiras mundanas; e mais contareis
as contas sem conto qu' estão por contar.
E porque as virtu

Assi como foi cousa

Assi como foi cousa muito necessária haver nos caminhos estalagens, pera repouso e refeição dos cansados caminhantes, assi foi cousa conveniente que nesta caminhante vida houvesse uma estalajadeira, pera refeição e descanso das almas que vão caminhantes pera a eternal morada de Deus. Esta estalajadeira das almas é a Madre Santa Igreja, a mesa é o altar, os manjares as insígnias da Paixão. E desta perfiguração trata a obra seguinte.

Figuras: Alma, Anjo Custódio, Igreja, Santo Agostinho, Santo Ambrósio, S. Jerónimo, S. Tomás, Dous Diabos.

Este Auto presente foi feito à muito devota Rainha D.#Leonor e representado ao mui poderoso e nobre Rei Dom#Emanuel, seu irmão, por seu mandado, na cidade de Lisboa, nos Paços da Ribeira, em a noite de Endoenças. Era do Senhor de 1518.


Está posta uma mesa com uma cadeira. Vem a Madre Santa Igreja com seus quatro doutores: S.#Tomás, S.#Jerónimo, Santo#Ambrósio e Santo#Agostinho. E diz Agostinho:

AGOSTINHO Necessário foi, amigos,
que nesta triste carreira
desta vida,
pera os mui p'rigosos p'rigos
dos imigos,
houvesse alguma maneira
de guarida.
Porque a humana transitória
natureza vai cansada
em várias calmas;
nesta carreira da glória
meritória,
foi necessário pousada
pera as almas.

Pousada com mantimentos,
mesa posta em clara luz,
sempre esperando
com dobrados mantimentos
dos tormentos
que o Filho de Deus, na Cruz,
comprou, penando.
Sua morte foi avença,
dando, por dar-nos paraíso,
a sua vida
apreçada, sem detença,
por sentença,
julgada a paga em proviso,
e recebida.

A Sua mortal empresa
foi santa estalajadeira
Igreja Madre:
consolar à sua despesa,
nesta mesa,
qualquer alma caminheira,
com o Padre
e o Anjo Custódio aio.
Alma que lhe é encomendada,
se enfraquece
e lhe vai tomando raio
de desmaio,
se chegando a esta pousada,
se guarece.

Vem o Anjo Custódio, com a Alma, e diz:

ANJO Alma humana, formada
de nenhüa cousa feita,
mui preciosa,
de corrupção separada,
e esmaltada
naquela frágoa perfeita,
gloriosa!
Planta neste vale posta
pera dar celestes flores
olorosas,
e pera serdes tresposta
em a alta costa,
onde se criam primores
mais que rosas!

Planta sois e caminheira,
que ainda que estais, vos is
donde viestes.
Vossa pátria verdadeira
é ser herdei
da glória que conseguis:
andai prestes.
Alma bem-aventurada,
dos anjos tanto querida,
não durmais!
Um ponto não esteis parada,
que a jornada
muito em breve é fenecida,
se atentais.

ALMA Anjo que sois minha guarda,
olhai por minha fraqueza
terreal!
de toda a parte haja resguarda,
que não arda
a minha preciosa riqueza
principal.
Cercai-me sempre ò redor
porque vou mui temerosa
de contenda.
Ó precioso defensor
meu favor!
Vossa espada lumiosa
me defenda!

Tende sempre mão em mim,
porque hei medo de empeçar,
e de cair
ANJO Pera isso sam e a isso vim;
mas enfim,
cumpre-vos de me ajudar
a resistir
Não vos ocupem vaidades,
riquezas, nem seus debates.
Olhai por vós;
que pompas, honras, herdades
e vaidades,
são embates e combates
pera vós.

Vosso livre alvedrio,
isento, forro, poderoso
vos é dado
polo divinal poderio
e senhorio,
que possais fazer glorioso
vosso estado.
Deu-vos livre entendimento,
e vontade libertada
e a memória,
que tenhais em vosso tento
fundamento,
que sois por Ele criada
pera a glória.

E vendo Deus que o metal
em que vos pôs a estilar,
pera merecer,
que era muito fraco e mortal,
e, por tal,
me manda a vos ajudar
e defender.
Andemos a estrada nossa;
olhai: não torneis atrás,
que o imigo
à vossa vida gloriosa
porá grosa,
Não creiais a Satanás,
vosso perigo!

Continuai ter o cuidado
no fim de vossa jornada,
e a memória,
que o espírito atalaiado
do pecado
caminha sem temer nada
pera a Glória.
E nos laços infernais,
e nas redes de tristura
tenebrosas
da carreira, que passais,
não caiais:
siga vossa fermosura
as gloriosas.

Adianta-se o Anjo, e vem o Diabo a ela e diz:

DIABO Tão depressa, ó delicada,
alva pomba, pera onde isso?
Quem vos engana,
e vos leva tão cansada
por estrada,
que somente não sentis
se sois humana?
Não cureis de vos matar
que ainda estais em idade
de crecer
Tempo há i pera folgar
e caminhar
Vivei à vossa vontade
e havei prazer.

Gozai, gozai dos bens da terra,
Procurai por senhorios
e haveres.
Quem da vida vos desterra
à triste serra?
Quem vos fala em desvarios
por prazeres?
Esta vida é descanso,
doce e manso,
não cureis doutro paraíso.
Quem vos põe em vosso siso
outro remanso?
ALMA Não me detenhais aqui,
leixai-me ir que em al me fundo.

DIABO Oh! Descansai neste mundo
que todos fazem assi:
Não são em#balde os haveres.
não são em balde os deleites,
e fortunas;
não são debalde os prazeres
e comeres:
tudo são puros afeites
das criaturas:

Pera os homens se criaram.
Dai folga à vossa passagem
d'hoje a mais:
descansai, pois descansaram
os que passaram
por esta mesma romagem
que levais.
O que a vontade quiser
quanto o corpo desejar,
tudo se faça.
Zombai de quem vos quiser
reprender
querendo-vos marteirar
tão de graça.

Tornara-me, se a vós fora.
Is tão triste, atribulada,
que é tormenta.
Senhora, vós sois senhora
emperadora,
não deveis a ninguém nada.
Sede isenta.
ANJO Oh! andai; quem vos detém?
Como vindes pera a Glória
devagar!
Ó meu Deus! Ó sumo bem!
Já ninguém
não se preza da vitória
em se salvar!

Já cansais, alma preciosa?
Tão asinha desmaiais?
Sede esforçada!
Oh! Como viríeis trigosa
e desejosa,
se vísseis quanto ganhais
nesta jornada!
Caminhemos, caminhemos.
Esforçai ora, Alma santa,
esclarecida!

Adianta-se o Anjo, e torna Satanás:

DIABO Que vaidades e que extremos
tão supremos!
Pera que é essa pressa tanta?
tende vida.

Is muito desautorizada,
descalça, pobre, perdida,
de remate:

À Farsa seguinte chamam Auto da Índia

À Farsa seguinte chamam Auto da Índia. Foi fundada sobre que üa mulher, estando já embarcado pera a Índia seu marido, lhe vieram dizer que estava desaviado e que já não ia; e ela, de pesar, está chorando e fala-lhe üa sua criada. Foi feita em Almada, representada à muito católica Rainha Dona#Lianor. Era de 1509 anos.

Entram nela estas figuras:
Ama, Moça, Castelhano, Lemos, Maridreo.


MOÇA Jesu! Jesu! que é ora isso?
É porque se parte a armada?
AMA Olhade a mal estreada!
Eu hei-de chorar por isso?
MOÇA Por minh' alma que cuidei
e que sempre imaginei,
que choráveis por noss' amo.
AMA Por qual demo ou por qual gamo,
ali, má hora, chorarei?

Como me leixa saudosa!
Toda eu fico amargurada!
MOÇA Pois por que estais anojada?
Dizei-mo, por vida vossa.
AMA Leixa-m', ora, eramá,
que dizem que não vai já.
MOÇA Quem diz esse desconcerto?
AMA Dixeram-mo por mui certo
que é certo que fica cá.

O Concelos me faz isto.
MOÇA S'eles já estão em Restelo,
como pode vir a pêlo?
Melhor veja cu Jesu Cristo,
isso é quem porcos há menos.
AMA Certo é que bem pequenos
são meus desejos que fique.
MOÇA A armada está muito a pique.
AMA Arreceio#al#de#menos.

Andei na má hora e nela
a amassar e biscoutar,
pera o o demo levar
à sua negra canela,
e agora dizem que não.
Agasta-se-m'o coração,
que quero sair de mim.
MOÇA Eu irei saber s'é assim.
AMA Hajas a minha benção.

Vai Moça e fica a Ama dizendo:

AMA A Santo António rogo eu
que nunca mo cá depare:
não sinto quem não s'enfare
de um Diabo Zebedeu.
Dormirei, dormirei,
boas novas acharei.
São João no ermo estava,
e a passarinha cantava.
Deus me cumpra o que sonhei.
Cantando vem ela e leda.

MOÇA Dai-m' alvíssaras, Senhora,
já vai lá de foz em fora.
AMA Dou-te üa touca de seda.
MOÇA Ou, quando ele vier,
dai-me do que vos trouxer.
AMA Ali muitieramá!
Agora há-de tornar cá?
Que chegada e que prazer!

MOÇA Virtuosa está minha ama!
Do triste dele hei#dó.
AMA: E que falas tu lá só?
MOÇA: Falo cá co'esta cama.
AMA: E essa cama, bem, que há?
Mostra-m'essa roca cá:
siquer fiarei um fio.
Leixou-me aquele fastio
sem ceitil.

MOÇA: Ali eramá!
Todas ficassem assi.
Leixou-lhe pera três anos
trigo, azeite, mel e panos.
AMA: Mau pesar veja eu de ti!
Tu cuidas que não t'entendo?
MOÇA: Que entendeis? ando dizendo
que quem assi fica sem nada,
coma vós, que é obrigada...
Já me vós is entendendo.

AMA: Ha ah ah ah ah ah!
Est'era bem graciosa,
quem se vê moça e fermosa
esperar pola irá#má.
I se vai ele a pescar
meia légua polo mar,
isto bem o sabes tu,
quanto mais a Calecu:
quem há tanto d'esperar?

Melhor, Senhor, sé tu comigo.
À hora de minha morte,
qu'eu faça tão peca sorte.
Guarde-me Deus de tal p'rigo.
O certo é dar a prazer.
Pera que é envelhecer
esperando polo vento?
Quant'eu por mui nécia sento
a que o contrário fizer.

Partem em Maio daqui,
quando o sangue novo atiça:
parece-te que é justiça?
Melhor vivas tu amém,
e eu contigo também.
Quem sobe por essa escada?
CASTELHANO Paz sea n' esta posada.
AMA Vós sois? Cuidei que era alguém.
CASTFLHANO A según esso, soy yo nada.

AMA Bem, que vinda foi ora esta?
CASTELHANO Vengo aquí en busca mía,
que me perdí en aquel día
que os vi hermosa y honesta
y nunca más me topé.
Invisible me torné,
y de mí crudo enemigo;
el cielo, empero es testigo
que de mi parte no sé.

Y ando un cuerpo sin alma,
un papel que lleva el viento,
un pozo de pensamiento,
una fortuna sin calma.
Pese al dia en que nascí;
vos y Dios sois contra mí,
y nunca topo el diablo.
Reís de lo que yo hablo?
AMA Bem sei eu de que me ri.

CASTELHANO Reívos del mal que padezco,
reívos de mi desconcierto,
reívos que tenéis por cierto
que miraros non merezco.
AMA Andar embora.
CASTELHANO Oh, mi vida y mi señora,
luz de todo Portugal,
tenéis gracia especial
para linda matadora.

Supe que vuesso marido
era ido.
AMA Ant' ontem se foi.
CASTELHANO Al diablo que lo doy
el desestrado perdido.
Qué más India que vos,
qué más piedras preciosas,
qué más alindadas cosas,
qué estardes juntos los dos?
No fue él Juan de Çamora.
Que arrastrado muera yo,
si por cuanto Dios crió
os dexara media hora.
Y aunque la mar se humillara
y la tormenta cessara,
y el viento me obedcciera
y el cuarto cielo se abriera,
un momento no os dexara.

Mas como evangelio es esto
que la India hizo Dios,
solo porque yo con vos
pudiesse passar aquesto.
Y solo por dicha mía,
por gozar esta alegria,
la hizo Dios descobrir:
y no ha más que dezir,
por la sagrada María!

AMA Moça, vai àquele cão,
que anda naquelas tigelas.
MOÇA Mas os gatos andam nelas.
CASTELHANO Cuerpo del cielo con vos!
Hablo en las tripas de Dios,
y vos hablaisme en los gatos!
AMA Se vós falais desbaratos,
em que falaremos nós?

CASTELHANO No me hagáis derreñegar
o hazer un desatino.
Vós pensáis que soy devino?
Soy hombre y siento el pesar.
Trayo de dentro un léon,
metido en el coraçón:
tiéneme el alma dañada
de ensangrentar esta espada
en hombres, que es perdición.

Ya Dios es importunado
de las ánimas que le embío;
y no es en poder mío
dexar uno acuchilado.
Dexé bivo allá en el puerto
un hombrazo anto y tuerto
y después fuilo a encontrar;
pcnsó que lo iva a matar,
y de miedo cayó muerto.

AMA Vós queríeis ficar cá?
Agora é cedo ainda;
tornareis vós outra vinda,
e tudo se bem fará.
CASTELHANO A qué hora me mandáis?
AMA Às nove horas e nô mais.
E tirai üa pedrinha,
pedra muito pequenina,
à janela dos quintais.

Entonces vos abrirei
de muito boa vontade:
pois sois homem de verdade
nunca vos falecerei.
CASTELHANO Sabéis qué ganáis en esso?
El mundo todo por vuesso!
Que aunque tal capa me veis,
tengo más que pensaréis:
y no lo toméis em gruesso.

Bésoos las manos, Señora,
voyme con vuessa licencia
más ufano que Florencia.
AMA Ide e vinde muit' embora.

Fidalgo que chega com um Paje

O primeiro interlocutor é um Fidalgo que chega com um Paje, que lhe leva um rabo mui comprido e üa cadeira de espaldas. E começa o Arrais do Inferno ante que o Fidalgo venha.

DIABO À barca, à barca, houlá!
que temos gentil maré!
- Ora venha o carro a ré!
COMPANHEIRO Feito, feito!
Bem está!
Vai tu muitieramá,
e atesa aquele palanco
e despeja aquele banco,
pera a gente que virá.

À barca, à barca, hu-u!
Asinha, que se quer ir!
Oh, que tempo de partir,
louvores a Berzebu!
- Ora, sus! que fazes tu?
Despeja todo esse leito!
COMPANHEIRO Em boa hora! Feito, feito!
DIABO Abaixa aramá esse cu!

Faze aquela poja lesta
e alija aquela driça.
COMPANHEIRO Oh-oh, caça! Oh-oh, iça, iça!
DIABO Oh, que caravela esta!
Põe bandeiras, que é festa.
Verga alta! Âncora a pique!
- Ó poderoso dom Anrique,
cá vindes vós?... Que cousa é esta?...

Vem o Fidalgo e, chegando ao batel infernal, diz:

FIDALGO Esta barca onde vai ora,
que assi está apercebida?
DIABO Vai pera a ilha perdida,
e há-de partir logo ess'ora.
FIDALGO Pera lá vai a senhora?
DIABO Senhor, a vosso serviço.
FIDALGO Parece-me isso cortiço...
DIABO Porque a vedes lá de fora.

FIDALGO Porém, a que terra passais?
DIABO Pera o inferno, senhor.
FIDALGO Terra é bem sem-sabor.
DIABO Quê?... E também cá zombais?
FIDALGO E passageiros achais
pera tal habitação?
DIABO Vejo-vos eu em feição
pera ir ao nosso cais...

FIDALGO Parece-te a ti assi!...
DIABO Em que esperas ter guarida?
FIDALGO Que leixo na outra vida
quem reze sempre por mi.
DIABO Quem reze sempre por ti?! ..
Hi, hi, hi, hi, hi, hi, hi!...
E tu viveste a teu prazer,
cuidando cá guarecer
por que rezam lá por ti?!...

Embarca - ou embarcai...
que haveis de ir à derradeira!
Mandai meter a cadeira,
que assi passou vosso pai.
FIDALGO Quê? Quê? Quê? Assi lhe vai?!
DIABO Vai ou vem! Embarcai prestes!
Segundo lá escolhestes,
assi cá vos contentai.

Pois que já a morte passastes,
haveis de passar o rio.
FIDALGO Não há aqui outro navio?
DIABO Não, senhor, que este fretastes,
e primeiro que expirastes
me destes logo sinal.
FIDALGO Que sinal foi esse tal?
DIABO Do que vós vos contentastes.

FIDALGO A estoutra barca me vou.
Hou da barca! Para onde is?
Ah, barqueiros! Não me ouvis?
Respondei-me! Houlá! Hou!...
(Pardeus, aviado estou!
Cant'a isto é já pior...)
Oue jericocins, salvanor!
Cuidam cá que são#eu#grou?

ANJO Que quereis?
FIDALGO Que me digais,
pois parti tão sem aviso,
se a barca do Paraíso
é esta em que navegais.
ANJO Esta é; que demandais?
FIDALGO Que me leixeis embarcar.
Sou fidalgo#de#solar,
é bem que me recolhais.

ANJO Não se embarca tirania
neste batel divinal.
FIDALGO Não sei porque haveis por mal
que entre a minha senhoria...
ANJO Pera vossa fantesia
mui estreita é esta barca.
FIDALGO Pera senhor de tal marca
nom há aqui mais cortesia?

Venha a prancha e atavio!
Levai-me desta ribeira!
ANJO Não vindes vós de maneira
pera entrar neste navio.
Essoutro vai mais vazio:
a cadeira entrará
e o rabo caberá
e todo vosso senhorio.

Ireis lá mais espaçoso,
vós e vossa senhoria,
cuidando na tirania
do pobre povo queixoso.
E porque, de generoso,
desprezastes os pequenos,
achar-vos-eis tanto menos
quanto mais fostes fumoso.

DIABO À barca, à barca, senhores!
Oh! que maré tão de prata!
Um ventozinho que mata
e valentes remadores!

Diz, cantando:

Vós me veniredes a la mano,
a la mano me veniredes.

FIDALGO Ao Inferno, todavia!
Inferno há i pera mi?
Oh triste! Enquanto vivi
não cuidei que o i havia:
Tive que era fantesia!
Folgava ser adorado,
confiei em meu estado
e não vi que me perdia.

Venha essa prancha! Veremos
esta barca de tristura.
DIABO Embarque vossa doçura,
que cá nos entenderemos...
Tomarês um par de remos,
veremos como remais,
e, chegando ao nosso cais,
todos bem vos serviremos.

FIDALGO Esperar-me-ês vós aqui,
tornarei à outra vida
ver minha dama querida
que se quer matar por mi.
Dia, Que se quer matar por ti?!...
FIDALGO Isto bem certo o sei eu.
DIABO Ó namorado sandeu,
o maior que nunca vi!...

FIDALGO Como pod'rá isso ser,
que m'escrevia mil dias?
DIABO Quantas mentiras que lias,
e tu... morto de prazer!...
FIDALGO Pera que é escarnecer,
quem nom havia mais no bem?
DIABO Assi vivas tu, amém,
como te tinha querer!

FIDALGO Isto quanto ao que eu conheço...
DIABO Pois estando tu expirando,
se estava ela requebrando
com outro de menos preço.
FIDALGO Dá-me licença, te peço,
que vá ver minha mulher.
DIABO E ela, por não te ver,
despenhar-se-á dum cabeço!

Quanto ela hoje rezou,
antre seus gritos e gritas,
foi dar graças infinitas
a quem a desassombrou.
FIDALGO Cant'a ela, bem chorou!
DIABO Nom há i choro de alegria?..
FIDALGO E as lástimas que dezia?
DIABO Sua mãe lhas ensinou...

Entrai, meu senhor, entrai:
Ei la prancha! Ponde o pé...
FIDALGO Entremos, pois que assi é.
DIABO Ora, senhor, descansai,
passeai e suspirai.
Em tanto virá mais gente.
FIDALGO Ó barca, como és ardente!
Maldito quem em ti vai!

Diz o Diabo ao Moço da cadeira:

DIABO Nom entras cá! Vai-te d'i!
A cadeira é cá sobeja;
cousa que esteve na igreja
nom se há-de embarcar aqui.
Cá lha darão de marfi,
marchetada de dolores,
com tais modos de lavores,
que estará fora de si...

À barca, à barca, boa gente,
que queremos dar à vela!
Chegar ela! Chegar ela!
Muitos e de boamente!
Oh! que barca tão valente!

Vem um Onzeneiro, e pergunta ao Arrais do Inferno, dizendo:

ONZENEIRO Pera onde caminhais?
DIABO Oh! que má-hora venhais,
onzeneiro, meu parente!

Como tardastes vós tanto?
ONZENEIRO Mais quisera eu lá tardar...
Na safra do apanhar
me deu Saturno quebranto.
DIABO Ora mui muito m'espanto
nom vos livrar o dinheiro!...
ONZENEIRO Solamente para o barqueiro
nom me leixaram nem tanto...

DIABO Ora entrai, entrai aqui!
ONZENEIRO Não hei eu i d'embarcar!
DIABO Oh! que gentil recear,
e que cousas pera mi!...
ONZENEIRO Ainda agora faleci,
leixa-me buscar batel!
DIABO Pesar de Jam#Pimentel!
Porque não irás aqui?..
Dramaturgo e poeta português. Desconhecem-se dados seguros acerca da sua biografia. Eventualmente, terá nascido em Guimarães. Sabe-se que, desde inícios do século XVI, se encontrava na corte, onde organizava festas e comemorações de acontecimentos importantes (como nascimentos ou esponsais). Não é certa a sua identificação com o ourives Gil Vicente, autor da célebre custódia de Belém, nem com um mestre da balança na Casa da Moeda, do mesmo nome. Como poeta lírico, encontra-se representado no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Como dramaturgo, conservam-se hoje quarenta e quatro peças suas, de vários géneros. A circulação da sua obra fazia-se, em parte, através de folhetos impressos, em literatura de cordel, datando a primeira compilação das suas peças, a Compilaçam de todalas obras de Gil Vicente (da responsabilidade do filho, Luís Vicente), de 1562. No entanto, é de salientar que alguns dos títulos do escritor foram proibidos ou expurgados pela censura inquisitorial, estando sete deles incluídos no Index de 1551. A divisão das peças de Gil Vicente em géneros não é pacífica nem estanque. Luís Vicente acrescentou aos três géneros considerados pelo pai — obras de devoção, farsas e comédias — um quarto, a tragicomédia. No entanto, a classificação varia consoante o critério tomado, podendo considerar-se a existência de vários tipos de autos (de moralidade, como o Auto da Alma e a Trilogia das Barcas, cavaleirescos e pastoris), farsas (com destaque para a Farsa de Inês Pereira) e alegorias de temas profanos. No entanto, muitas vezes os géneros interpenetram-se. Gil Vicente encontra-se no culminar do período medieval do teatro europeu. Não estando ligado às tradições peninsulares de representação da Idade Média que hoje se conhecem, senão por certos aspectos pontuais, acabou por marcar, ele mesmo, o início do teatro literário português. Assim, a par de alguns elementos populares (como o tipo do Parvo, a inclusão de aspectos folclóricos, etc.), encontram-se no seu teatro elementos cortesãos e palacianos. A ausência da estruturação e dos efeitos típicos do teatro clássico é colmatada por uma riqueza dramática invulgar. A pluralidade das suas fontes e a diversidade da concepção das peças contribuem para tornar o seu teatro vivo e actual. Em termos de pensamento, Gil Vicente apresenta ora a defesa, ora a crítica da mentalidade medieval de cruzada, denunciando por vezes a cobiça existente por trás desse espírito. É, no entanto, um representante da concepção religiosa medieval ligada ao sentido e valor da vida humana no mundo. Ao mesmo tempo, assume certas perspectivas menos ortodoxas dos debates teológicos do século XVI, nomeadamente algumas tendências próprias da ideologia da Reforma na sua crítica à corrupção da Igreja. O teatro vicentino é, acima de tudo, um teatro de sátira e de ideias. As personagens representam tipos humanos e sociais, uns violentamente criticados (como o frade ou o escudeiro), e outros que denunciam as vítimas de corrupção e do parasitismo de certas classes (como o lavrador). A sátira envolve todas as classes sociais: o clero, devasso e descuidado do cumprimento dos seus deveres religiosos (Auto da Barca do Inferno, Farsa do Clérigo da Beira e Barca da Glória); a nobreza (por exemplo, no Auto da Barca do Inferno) e o povo (por exemplo no Auto da Feira). São ainda tipificados e criticados comportamentos como as dissensões religiosas da Igreja (Auto da Feira, Sermão de Abrantes), a corrupção da Justiça (Juiz da Beira, Auto da Barca do Inferno), a ambição desmedida que comandava os descobrimentos e a corrupção social e moral que estes provocavam (Auto da Índia), o viver acima das possibilidades económicas (Farsa dos Almocreves), a exploração dos pequenos pelos grandes (Auto da Barca da Glória) e tipos sociais ou profissionais como os escudeiros pelintras (Quem Tem Farelos?), os médicos incompetentes (Farsa dos Físicos), as alcoviteiras (Auto da Barca do Inferno, Auto da Barca do Purgatório, Farsa de Inês Pereira), os criados maldizentes (Auto da Índia, Quem Tem Farelos?) e o velho apaixonado (O Velho da Horta). Frequentemente alegóricos, os seus autos colocam também em cena figuras mitológicas (como Mercúrio) ou teológicas (como a Alma, ou Roma) que ilustram determinadas concepções do mundo. Gil Vicente retrata, pois, a sociedade portuguesa do seu tempo, em todos os seus vícios e impulsos, num registo de valor incomensurável para o conhecimento da época. Do ponto de vista poético, é notável a sua capacidade de captar as mais diferentes tonalidades e registos de linguagem — a linguagem típica de cada grupo social, de cada atitude, em diálogos ou monólogos extremamente vivos que os definem exemplarmente. Consegue exprimir, em tom adequado, tanto as mais elevadas vivências espirituais, como o sofrimento dramático, a manha ou a inocência de certas personagens, ou ainda a força viva da natureza, em elementos que a personificam. Não sendo um inovador (recorre sobretudo à métrica tradicional), recolhe a vivacidade da linguagem coloquial na sua variedade e no seu poder sugestivo. Entre as suas peças mais célebres contam-se o Monólogo do Vaqueiro (1502, o seu primeiro texto dramático, escrito para comemorar o nascimento do futuro D. João III), o Sermão de Abrantes (1506), o Auto da Índia (1509, crítica da corrupção de costumes ligada à expansão), o Auto da Fé (1510), Farsa do Velho da Horta (1512), Moralidade dos Quatro Tempos (1513), Moralidade da Sibila Cassandra (1513), Auto da Exortação da Guerra (1514), Quem tem Farelos? (1515), Auto de Mofina Mendes (1515), Autos das Barcas (1517, 1518, 1519), Moralidade da Alma (1518), Auto da Fama (1520), Comédia das Cortes de Júpiter (1521), Comédia de Rubena (1521), Auto das Ciganas (1521), Comédia de Dom Duardos (1522), Farsa de Inês Pereira (1523), Auto em Pastoril Português (1523), Comédia de Amadis de Gaula (1523), Comédia do Viúvo (1524), Farsa dos Físicos (1524), Farsa do Juiz da Beira (1525 ou 1526), Moralidade da Feira (1526), Nau de Amores (1527), Farsa dos Almocreves (1527), Comédia Pastoril da Serra da Estrela (1527), Auto das Fadas (1527), Auto da Festa (1527 ou 1528), Comédia do Inverno e Verão (1529), Farsa do Clérigo da Beira (1529 ou 1530), Auto da Lusitânia (1532), Romagem dos Agravados (1533) e Auto da Cananeia (1534). A sua última peça conhecida, Floresta de Enganos, data de 1536. Síntese do espírito medieval e dos inícios do humanismo, Gil Vicente é figura ímpar da tendência lírica, sentimental, representada por outros poetas, como Bernardim Ribeiro. Deu origem à chamada escola vicentina, mas o brilho e a força da sua obra dramática nunca foram atingidos pelos autores que na sua tradição se filiaram.
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Resumo: Gil Vicente 1-0 Vitória SC (Liga 23/24 #19)
Resumo: Benfica 3-0 Gil Vicente (Liga 23/24 #20)
Resumo: Gil Vicente 1-0 Boavista (Liga 23/24 #15)
Extended Highlights SL Benfica 3-0 Gil Vicente FC
Resumo: Gil Vicente 5-3 Estoril Praia (Liga 23/24 #5)
Resumo: Gil Vicente 3-3 SC Braga (Liga 23/24 #9)
Resumo: Sporting 3-1 Gil Vicente (Liga 23/24 #12)
Resumo: Gil Vicente 2-3 Benfica (Liga 23/24 #3)
Gol de João Neves, Benfica x Gil Vicente (3-0), todos os gols/resultados e destaques estendidos-2024
Golo M. Dominguez: Gil Vicente (1)-0 Vitória SC (Liga 23/24 #19)
Resumo: Gil Vicente 1-1 Moreirense (Liga 23/24 #13)
Resumo: Gil Vicente 1-1 Estrela Amadora (Liga 23/24 #17)
Resumo: Gil Vicente 2-0 Casa Pia AC (Liga 23/24 #7)
Resumo: Portimonense 0-2 Gil Vicente (Liga 23/24 #18)
Golo Regis: Gil Vicente 1-(1) Estrela Amadora (Liga 23/24 #17)
Golo Arthur Cabral: Benfica (1)-0 Gil Vicente (Liga 23/24 #20)
JESUS CASTILLO TITULAR 🔥 EN LA VICTORIA DEL GIL VICENTE DE PORTUGAL
Resumo: Desp. Chaves 4-2 Gil Vicente (Liga 23/24 #8)
Highlights | Resumo: FC Porto 1-2 Gil Vicente (Liga 22/23 #22)
Resumo: Gil Vicente 1-1 Rio Ave (Liga 23/24 #11)
Resumo: Farense 1-0 Gil Vicente (Liga 23/24 #16)
Hino do Gil Vicente (Legendado)
JESUS CASTILLO TITULAR CONTRA EL BENFICA DE PORTUGAL | MEJORES JUGADAS
Golo Gabriel Pereira: Gil Vicente (1)-0 Estrela Amadora (Liga 23/24 #17)
Golo Félix: Portimonense 0-(2) Gil Vicente (Liga 23/24 #18)
Golo Depú: Gil Vicente (2)-0 Casa Pia AC (Liga 23/24 #7)
FRAN NAVARRO | Gil Vicente | Golos (2021-2023)
Resumo: Gil Vicente 5-0 Portimonense (Liga 23/24 #1)
Gil Vicente vs Amarante (EM DIRETO) - Taça de Portugal Placard 2023/24
Resumo | Liga Portugal Betclic: Gil Vicente 1x1 Estrela da Amadora
Golo Murilo: Gil Vicente (1)-0 Boavista (Liga 23/24 #15)
BACKSTAGE SPORTING | Gil Vicente FC x Sporting CP
Golo Depú: FC Porto 1-(1) Gil Vicente (Liga 23/24 #6)
BACKSTAGE SPORTING | Sporting CP x Gil Vicente FC
GIL VICENTE VIDA E OBRA
AJUDAR QUEM PRECISA EP. 3 - GIL VICENTE
LIGA (6ªJ): RESUMO FC PORTO 2-1 GIL VICENTE FC | SPORT TV
Música 2 Gil Vicente F.C.
Resumo para entender “O auto da barca do inferno” de Gil Vicente
Resumo | Liga Portugal: Sporting CP 3-1 Gil Vicente FC
Resumo: FC Vizela 1-0 Gil Vicente - Liga Portugal Betclic | SPORT TV
BACKSTAGE SPORTING | Gil Vicente FC x Sporting CP
BACKSTAGE SPORTING | Sporting CP x Gil Vicente FC
Golo André Luís: Gil Vicente 1-(1) Moreirense (Liga 23/24 #13)
🔴 LIGA REVELAÇÃO - A. CAMPEÃO: CF ESTRELA DA AMADORA - GIL VICENTE FC
BACKSTAGE SPORTING | Gil Vicente FC x Sporting CP
Golo Depú: Gil Vicente (5)-1 Estoril Praia (Liga 23/24 #5)
Resumo: Famalicão 3-1 Gil Vicente (Liga 23/24 #10)
Highlights | Resumo: Benfica 1-2 Gil Vicente (Liga 21/22 #20)
Golo Miguel Monteiro: Gil Vicente (1)-1 Rio Ave (Liga 23/24 #11)
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euskadia
Leia - se : à posteriori
10/agosto/2020
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euskadia
Leia se anacrónico
10/agosto/2020
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euskadia
Errática
10/agosto/2020
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euskadia
.... O mais importante na dramaturgia da península ibérica. O nosso mais que Shakespeare anglo saxonico. Mexe com as mentes mais acutilantes, caga taxativamente para as mentes arcaicas de valores ctistâos ou pagãos. Aacraconico quanto baste para, chegados seis séculos à porteriori, ainda mexer com os mesmos valores de vilania e de costumes pouco ou nada profícuos
10/agosto/2020

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