Ghérasim Luca

Ghérasim Luca

1913-07-23 Bucareste
1994-02-09 Paris
2022
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Alguns Poemas

Seu corpo leve

Seu corpo leve
será o fim do mundo?
é um erro
é uma delícia deslizando
entre os meus lábios
perto do espelho
mas o outro pensava:
é apenas uma pomba que respira
seja o que for
onde estou
algo acontece
numa posição delimitada pelo temporal
Perto do espelho é um erro
onde estou é apenas uma pomba
mas o outro pensava:
algo acontece
numa posição delimitada
deslizando entre os meus lábios
será o fim do mundo?
é uma delícia seja o que for
seu corpo leve respira pelo temporal
Numa posição delimitada
perto do gelo que respira
seu corpo leve deslizando entre os meus lábios
será o fim do mundo?
mas o outro pensava: é uma delícia
algo acontece seja o que for
pelo temporal é apenas uma pomba
onde estou é um erro
Será o fim do mundo que respira
seu corpo leve? Mas o outro pensava:
onde estou perto do espelho
é uma delícia numa posição delimitada
seja o que for é um erro
algo acontece pelo temporal
é apenas uma pomba
deslizando entre os meus lábios
É apenas uma pomba
numa posição delimitada
onde estou pelo temporal
mas o outro pensava:
quem respira perto do espelho
será o fim do mundo?
seja o que for é uma delícia
algo acontece
deslizando entre os meus lábios
seu corpo leve
(tradução de Laura Erber)
:
Son corps léger
est-il la fin du monde?
c’est une erreur
c’est une délice glissant
entre mes lèvres
près de la glace
mais l’autre pensait:
ce n’est qu’une colombe qui respire
quoi qu’il en soit
là où je suis
il se passe quelque chose
dans une position délimitée par l’orage
Près de la glace c’est une erreur
là où je suis ce n’est qu’une colombe
mais l’autre pensait:
il se passe quelque chose
dans une position délimitée
glissant entre mes lèvres
est-ce la fin du monde?
c’est une délice quoi qu’il en soit
sons corps léger respire par l’orage
Dans une position délimitée
près de la glace qui respire
sons corps léger glissant entre mes lèvres
est-ce la fin du monde?
mais l’autre pensait: c’est une délice
il se passe quelque chose quoi qu’il en soit
par l’orage ce n’est qu’une colombe
là où je suis c’est une erreur
Est-ce la fin du monde qui respire
son corps léger? mais l’autre pensait:
là où je suis près de la glace
c’est une délice dans une position délimitée
quoi qu’il en soit c’est une erreur
il se passe quelque chose par l’orage
ce n’est qu’une colombe
glissant entre mes lèvres
Ce n’est qu’une colombe
dans une position délimitée
là où je suis par l’orage
mais l’autre pensait:
qui respire près de la glace
est-ce la fin du monde?
Quoi qu’il en soit c’est une délice
Il se passe quelque chose
c’est une erreur
glissant entre mes lèvres
son corps léger
Os editores da Modo de Usar & Co. agradecem à poeta carioca Laura Erber por ter gentilmente permitido a publicação destas traduções.
.
.
.

20 de novembro de 19..

Prezado,
E no entanto no momento em que pronuncio o seu nome, faço de você quase uma orquestra e eis-nos de volta ao ponto em que éramos ainda surdos senão separados. Com efeito, uma cisão é uma relação que serve para explicar aquilo que não pode ser senão catanrolado, murmurado, cochichado...
Você se abandonou ao erro de me considerar como uma realidade objetiva definida pelo horizonte de seu mundo.
Eu não sei o que você quer dizer. Eu não vejo ninguém, eu não vejo nada, eu nunca vi nada. Quanto mais eu reflito, menos eu vejo coisas, e menos eu vejo coisas, mais elas me arrepiam. Eu não posso dizer aquilo que não vejo.
Nós o sabemos bem, nós, não é, meu amigo. Tudo isso, é um erro, é tormento e zombaria, e vamos cessar o mais depressa possível.
:
20 novembre 19..
Monsieur,
Et pourtant au moment où je prononce votre nom, je fais de vous presque un orchestre et nous voilà ramenés au point où nous étions encore sourds sinon separes. En effet, ine scission c’est une relation servant à expliquer ce quin e peut qu’être fredonné, murmuré, chuchoté...
Vous vous êtes laissé aller à l’erreur de me considérer comme une réalité objective définie par l’horizon de votre monde.
Je ne sais pas ce que vous voulez dire. Je ne vois personne, je ne vois rien, je n’ai jamais rien vu. Plus j’y réfléchis, moins je vois de choses, et moins je vois de choses, plus elles me font fremir. Je ne puis dire ce que je ne vois pas.
Nous le savons bien, nous, n’est-ce pas, mona mi. Tout ça, c’est une erreur, c’est du tourment et des plaisanteries, et nous allons cesser le plus vite possible.

19 de novembro de 19..

Prezado,

Bem, uma espécie de resposta não tardou a se fazer ouvir e vejo a confirmação na percepção aguçada de uma espécie de emissão de vogais que acabo de captar e que me foi indicada como proveniente de suas luzes. Parece-me realmente que você encontrou uma nova e delicada maneira de facilitar nossa relação. Esse envio esclarecedor, que na minha solidão a dois ganha um brilho singular e nunca antes atingido, não traria a palavra segunda?
Esse envio que seria absurdo – dado que a oportunidade, a preciosa oportunidade enfim chegou – de recusar…
Assim você continua sendo pra mim o único interlocutor possível quando tento me desencaminhar. Esse objetivo eu não o alcanço abrindo-me a você, a menos que seja por uma via enviesada que, se assim o for, é intransponível.
Estar a caminho, procurar e mesmo encontrar um chave, não passam de passatempos de serralheiros.
Você deve pois se justificar. E precisamente, é impossível.

:

19 novembre 19..

Monsieur,

Eh bien, une espèce de réponse n’a pas tardé à se faire entendre et j’en trouve la confirmation dans la perception aiguisée d’une sorte d’émission de voyelles que je viens de capter et qui m’a été signalée comme provenant de vos lumières. Il semble vraiment que avez trouvé une nouvelle et délicate manière de faciliter nos rapports. Cet envoi éclairant, qui dans ma solitude à deux prend un rayonnement particulier encore jamais atteint, n’apporterait-il pas la parole seconde? cet envoi qu’il serait absurde – puisque l’occasion, la précieuse occasion est enfin là – de réfuser...
Ainsi vous restez pour moi lê seul interlocuteur possible quand je tente de me dérouter. Ce but je ne l’atteints pas en m’ouvrant à vous, à moins que ce ne soit par une voie détournée qui, si elle en est une, est infranchissable.
Être en route, chercher et même trouver une clef, ce ne sont là que de passe-temps de serruriers.
Vous devez donc vous justifier. Et précisement, c’est impossible.



Ghérasim Luca nasceu em Bucareste, Romênia, em 1913. Filho de um alfaiate judeu de origem asquenaze, o nome oficial do poeta era Salman Locker. Foi educado nas línguas romena, iídiche, francesa e alemã. No final da década de 30, Ghérasim Luca passa a fazer viagens frequentes a Paris, onde conhece os artistas ligados ao grupo surrealista. Na Romênia do pós-guerra imediato, funda com os poetas Paul Paun, Gellu Naum e Dolfi Trost, o grupo que ficaria conhecido por introduzir o surrealismo na Romênia. No entanto, creio que Ghérasim Luca inspira-se na est-É-tica em torno do surrealismo e, antes dele, de DADA, e apropria-se delas de forma muito particular, inventando técnicas de composição poética de uma criatividade e ineditismo formais que o projetam muito além do epíteto de surrealista.
 
Estas técnicas de composição de Ghérasim Luca ligam-no, em minha opinião, a uma série de artistas da linguagem do pós-guerra, independentes, mesmo que ligados de forma muito livre a alguns grupos, como o britânico Brion Gysin (um dos mais desconhecidos e, ainda assim, mais influentes poetas do pós-guerra, inventor da cut-up technique, técnica por ele inventada mas que teria em William Burroughs seu mestre-praticante e difusor) ou os americanos Jackson Mac Low e John Cage, todos eles contemporâneos quase-exatos de Ghérasim Luca, e que trabalharam em uma fronteira similar entre a poesia oral/sonora e a literatura, não sendo à-toa ou surpreendente a dificuldade de assimilação que suas obras (tanto de Luca como de Gysin, Mac Low ou Cage, assim como a de David Antin mais tarde) apresentam tanto para a história da poesia sonora quanto da poesia como literatura, de onde são invariavelmente excluídos.  
 
Em correspondência e debate sobre a relação entre escritura e oralidade no trabalho de Ghérasim Luca com a poeta e ensaísta Laura Erber, tradutora do poeta romeno/francês e que publicou recentemente no número 20 da revistaInimigo Rumor um artigo sobre seu trabalho (“O balanço da língua de Ghérasim Luca”), ela afirma “que o trabalho de Ghérasim Luca se mantem numa tensão com a questão da produção de sentido, com uma linguagem verbal no limite da articulação, um sentido que surge do tensionamento extremo da língua.” No ensaio publicado na Inimigo Rumor, Laura Erber escreveu:
 
 “se a poesia de Luca caminha para a aventura da fisicalidade da linguagem e da literalidade da língua, esse movimento não se alimenta de ideologias construtivistas, tampouco minimalistas. A repetição, na sua poesia, não se orienta por um princípio serial, ela é antes um acontecimento que dribla os paradigmas da linguagem. Luca cria impulsionado por uma forte vontade de encarnação da/na linguagem, produzindo um erotismo que se instala no próprio corpo das palavras.” - Laura Erber
 
Ela cita ainda um artigo de Augusto de Campos, que presenciou em Estocolmo umas das famosas leituras-performances de Ghérasim Luca, e que pode ser lido na revista eletrônicaErrática, editada por André Vallias. Para a poeta carioca, no entanto, que traduziu os poemas que apresentamos a seguir, não importa tanto uma “discussão em termos de gênero artístico (poesia, sound poetry ou performance, etc.) mas a potência a que Luca chega através da quebra da noção de pertencimento (identitário, linguístico, nacional).” Esta quebra de uma noção de pertencimento tomaria corpo no caso de Ghérasim Luca, não apenas como metáfora, mas como ação política e ética de abandono de nacionalidades e nacionalimos, que o leva tanto a adotar a língua “estrangeira” francesa como campo de atividade poética, como abandonar sua cidadania nacional, passando a viver na França sem passaporte, declarando-se um “étran-juif”, algo como “estranjudeu”. Pesquisando os papéis de Ghérasim Luca, a poeta Laura Erber encontraria um formulário em que Luca se define como “apátrida ex-romeno”. Tal escolha teria um preço alto no tipo de sociedade em que vivemos. Com 80 anos de idade, 40 deles vividos na França como escritor e performer na língua francesa que ele proferiria em leituras-performances em cidades como Nova Iorque e Estocolmo, Ghérasim Luca acaba sendo expulso de seu apartamento. Alguns dias depois, assim como seu amigo Paul Celan, outro “étran-juif” romeno de origem asquenaze, Ghérasim Luca suicida-se no rio Sena. Era o ano de 1994.
 
 --- Ricardo Domeneck
 
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