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Ghérasim Luca nasceu em Bucareste, Romênia, em 1913. Filho de um alfaiate judeu de origem asquenaze, o nome oficial do poeta era Salman Locker. Foi educado nas línguas romena, iídiche, francesa e alemã. No final da década de 30, Ghérasim Luca passa a fazer viagens frequentes a Paris, onde conhece os artistas ligados ao grupo surrealista. Na Romênia do pós-guerra imediato, funda com os poetas Paul Paun, Gellu Naum e Dolfi Trost, o grupo que ficaria conhecido por introduzir o surrealismo na Romênia. No entanto, creio que Ghérasim Luca inspira-se na est-É-tica em torno do surrealismo e, antes dele, de DADA, e apropria-se delas de forma muito particular, inventando técnicas de composição poética de uma criatividade e ineditismo formais que o projetam muito além do epíteto de surrealista.
Estas técnicas de composição de Ghérasim Luca ligam-no, em minha opinião, a uma série de artistas da linguagem do pós-guerra, independentes, mesmo que ligados de forma muito livre a alguns grupos, como o britânico Brion Gysin (um dos mais desconhecidos e, ainda assim, mais influentes poetas do pós-guerra, inventor da cut-up technique, técnica por ele inventada mas que teria em William Burroughs seu mestre-praticante e difusor) ou os americanos Jackson Mac Low e John Cage, todos eles contemporâneos quase-exatos de Ghérasim Luca, e que trabalharam em uma fronteira similar entre a poesia oral/sonora e a literatura, não sendo à-toa ou surpreendente a dificuldade de assimilação que suas obras (tanto de Luca como de Gysin, Mac Low ou Cage, assim como a de David Antin mais tarde) apresentam tanto para a história da poesia sonora quanto da poesia como literatura, de onde são invariavelmente excluídos.
Em correspondência e debate sobre a relação entre escritura e oralidade no trabalho de Ghérasim Luca com a poeta e ensaísta Laura Erber, tradutora do poeta romeno/francês e que publicou recentemente no número 20 da revistaInimigo Rumor um artigo sobre seu trabalho (“O balanço da língua de Ghérasim Luca”), ela afirma “que o trabalho de Ghérasim Luca se mantem numa tensão com a questão da produção de sentido, com uma linguagem verbal no limite da articulação, um sentido que surge do tensionamento extremo da língua.” No ensaio publicado na Inimigo Rumor, Laura Erber escreveu:
“se a poesia de Luca caminha para a aventura da fisicalidade da linguagem e da literalidade da língua, esse movimento não se alimenta de ideologias construtivistas, tampouco minimalistas. A repetição, na sua poesia, não se orienta por um princípio serial, ela é antes um acontecimento que dribla os paradigmas da linguagem. Luca cria impulsionado por uma forte vontade de encarnação da/na linguagem, produzindo um erotismo que se instala no próprio corpo das palavras.” - Laura Erber
Ela cita ainda um artigo de Augusto de Campos, que presenciou em Estocolmo umas das famosas leituras-performances de Ghérasim Luca, e que pode ser lido na revista eletrônicaErrática, editada por André Vallias. Para a poeta carioca, no entanto, que traduziu os poemas que apresentamos a seguir, não importa tanto uma “discussão em termos de gênero artístico (poesia, sound poetry ou performance, etc.) mas a potência a que Luca chega através da quebra da noção de pertencimento (identitário, linguístico, nacional).” Esta quebra de uma noção de pertencimento tomaria corpo no caso de Ghérasim Luca, não apenas como metáfora, mas como ação política e ética de abandono de nacionalidades e nacionalimos, que o leva tanto a adotar a língua “estrangeira” francesa como campo de atividade poética, como abandonar sua cidadania nacional, passando a viver na França sem passaporte, declarando-se um “étran-juif”, algo como “estranjudeu”. Pesquisando os papéis de Ghérasim Luca, a poeta Laura Erber encontraria um formulário em que Luca se define como “apátrida ex-romeno”. Tal escolha teria um preço alto no tipo de sociedade em que vivemos. Com 80 anos de idade, 40 deles vividos na França como escritor e performer na língua francesa que ele proferiria em leituras-performances em cidades como Nova Iorque e Estocolmo, Ghérasim Luca acaba sendo expulso de seu apartamento. Alguns dias depois, assim como seu amigo Paul Celan, outro “étran-juif” romeno de origem asquenaze, Ghérasim Luca suicida-se no rio Sena. Era o ano de 1994.
--- Ricardo Domeneck