Balada dos Últimos Arcanjos
Arcanjos vão às águas do Jordão
buscar pedras perdidas no seu leito,
enquanto o cão ao olho leva a mão
e seus filhotes cantam: "Oh, bem feito".
Se as águas brilham fortes no verão,
imagens nelas surgem flutuando
nos espelhos das ondas, deslizando,
até que a noite venha a luz cegar.
Só, acordada, a mente vai pensando
no sonho que mais tarde irá sonhar.
Papiro, pergaminho, papelão,
eis o que fica no lodo da terra,
trazido ao dia qual aluvião
se cava a mão e logo os desenterra.
Iluminado arcanjo que se encerra
no leve curso d’água fugidia,
salta desnudo pela margem fria,
alma ou fantasma, dádiva do mundo,
desfigurada e rápida alquimia,
dos que não chegam mais além do fundo.
Desembestado o húmus temporão,
incontinenti, avança e não emperra
diante dos olhares dos que vão
cedo ao combate da planície à serra,
a paz ferindo, loas dando à guerra.
Não pára o tempo e a pedra o pó gerando,
o micro gene ao vento joga e ferra
a semente na sombra, a germinar
nas horas quentes, vidas transformando,
milhões de vozes na torre a falar.
As correntes do rio, qual trovão,
nas cachoeiras vão trombeteando,
milhões de ícones a verberar
o som das eras, voz anunciando,
final estrondo, que o bit vai dar.