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Christine Lavant foi uma poeta austríaca, nascida Christine Thonhauser em 1915 em Lavanttal. Recém-nascida, ainda com poucas semanas no mundo, sofre o primeiro caso de escrófula que, nos anos seguintes e por toda a sua vida, a levaria ao hospital, desenganada inúmeras vezes, sofrendo ainda de tuberculose e casos recorrentes de pneumonia e outras infecções, que a deixariam, no fim da vida, praticamente cega e surda. Sua infância e adolescência seriam marcadas pela presença de médicos, passagens por hospitais e a promessa de uma vida curta. No entanto, contra todas as expectativas, a poeta sobreviveria a este período.
Começa a escrever no início da década de 30. Uma depressão, causada em grande parte pela vida difícil, pobre e marcada pela doença, mas piorada pela rejeição de seus romances por editoras da época, leva-a à primeira passagem por um hospital psiquiátrico em 1933, em Klagenfurt. Esta experiência viria a ser descrita no romanceAufzeichnungen aus einem Irrenhaus (Relatórios de um hospício), de publicação póstuma. As primeiras publicações vêm após o fim da Segunda Guerra, com a novelaDas Krüglein e a coletânea de poemasDie unvollendete Liebe, em 1949. Em 1954, a poeta recebe o prestigiosoGeorg-Büchner-Preis (Prêmio Georg Büchner), publicando nos anos seguintes as coletâneasDie Bettlerschale (1956),Spindel im Mond (1959),Sonnenvogel (1960),Der Pfauenschrei (1962) eHälfte des Herzens (1967), além de novelas e coletâneas de contos. Sua obra seria reunida em 1972, após a poeta receber o Prêmio Nacional de Literatura da Áustria. No entanto, a vida da poeta seguia caótica e difícil. Os dez últimos anos de sua vida, a poeta passaria entre hospitais e clínicas psiquiátricas, morrendo em 1973.
Sua poesia mística, com intenso tom religioso, é de difícil circulação nos países de língua alemã, território em que a maior parte dos poetas abandonou tal pesquisa poética. Em um período que viu a poesia austríaca, por exemplo, retomar certas estratégias das vanguardas germânicas, em especial a dos dadaístas de Zurique e Berlim, a poesia mística de Christine Lavant, baseada em um trabalho fortemente metafórico, acaba parecendo fora de sintonia com o seu período histórico. No entanto, poderíamos ver seu trabalho, como o de Ingeborg Bachmann ou mesmo o de Paul Celan (o inicial, pelo menos) e o de Rose Ausländer, como retomadas de certas pesquisas de expressionistas austríacos como Georg Trakl. São poetas que sabem muito bem que a escrita de umapoesia órfica custa algumas visitas ao Hades.
Esta pesquisa correria paralela à de poetas bastante diferentes, como Ernst Jandl e Erich Fried, ou poetas associados ao Grupo de Viena, como H.C. Artmann e Gerhard Rühm, que resgataram certas pesquisas dos dadaístas e construtivistas do início do século. A poética de Friederike Mayröcker parece-me funcionar como ponte entre estas pesquisas, muitas vezes vistas como opostas.
Talvez seja mais fácil encontrar tal trabalho no Brasil entre os primeiros modernistas, como Cecília Meireles, Murilo Mendes, Jorge de Lima e Henriqueta Lisboa. No pós-guerra brasileiro, talvez possamos mencionar Dora Ferreira da Silva e Hilda Hilst. Fora do território poético-literário, poderíamos também dizer que se trata da pesquisa est-É-tica de cineastas como Krzysztof Kieslowski e Andrei Tarkóvski.
Nos momentos de maior força, Christine Lavant mantem acesa a luz de uma poesia que assume suas metáforas como método de demonstração da fé na subsistência da Máquina do Mundo sobre nossas cabeças, em tempos de teoria do dessacralizado. Seu uso de metáforas, baseadas ainda na sonoridade de uma poesia marcada por aliterações e assonância, está de acordo com sua est-É-tica, eu diria kierkegaardiana, da fé como salto no escuro. O trabalho metafórico tem, aqui, uma função específica e essencial. Não creio, porém, que seja necessário ser católico, como a poeta, para apreciar o belo trabalho de que é capaz com sua língua.
--- Ricardo Domeneck