Boris Vian

Boris Vian

Boris Paul Vian, foi um Polimata, identificado com o movimento surrealista e ao anarquismo enquanto filosofia política. Hoje em dia é sobretudo lembrado pelos seus romances e canções. O seu estilo caracterizou-se por ser altamente individual, com numerosas palavras inventadas e enredos surrealistas passados sempre num universo muito próprio do autor. Como exemplo, o seu romance Outono em Pequim não se passa nem no Outono nem em Pequim!

1920-03-10 Ville-dAvray
1959-06-23 Paris
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Alguns Poemas

Morrerei de um câncer na coluna vertebral

Morrerei de um câncer na coluna vertebral
Será numa noite horrível
Clara, quente, perfumada, sensual
Morrerei de um apodrecimento
De certas células pouco conhecidas
Morrerei de uma perna arrancada
Por um rato gigante surgido de um buraco gigante
Morrerei de cem cortes
O céu terá desabado sobre mim
Estilhaçando-se como um vidro espesso
Morrerei de uma explosão de voz
Perfurando minhas orelhas
Morrerei de feridas silenciosas
Infligidas às duas da madrugada
Por assassinos indecisos e calvos
Morrerei sem perceber
Que morro, morrerei
Sepultado sob as ruínas secas
De mil metros de algodão tombado
Morrerei afogado em óleo de cárter
Espezinhado por imbecis indiferentes
E, logo a seguir, por imbecis diferentes
Morrerei nu, ou vestido com tecido vermelho
Ou costurado num saco com lâminas de barbear
Morrerei quem sabe sem me importar
Com o esmalte nos dedos do pé
E com as mãos cheias de lágrimas
E com as mãos cheias de lágrimas
Morrerei quando descolarem
Minhas pálpebras sob um sol raivoso
Quando me disserem lentamente
Maldades ao ouvido
Morrerei de ver torturar crianças
E homens pasmos e pálidos
Morrerei roído vivo
Por vermes, morrerei as
Mãos amarradas sob uma cascata
Morrerei queimado num incêndio triste
Morrerei um pouco, muito,
Sem paixão, mas com interesse
E quando tudo estiver acabado
Morrerei.

:

Je mourrai d´un cancer de la colonne vertébrale

Je mourrai d’un cancer de la colonne vertébrale
Ça sera par un soir horrible
Clair, chaud, parfumé, sensuel
Je mourrai d’un pourrissement
De certaines cellules peu connues
Je mourrai d’une jambe arrachée
Par un rat géant jailli d’un trou géant
Je mourrai de cent coupures
Le ciel sera tombé sur moi
Ça se brise comme une vitre lourde
Je mourrai d’un éclat de voix
Crevant mes oreilles
Je mourrai de blessures sourdes
Infligées à deux heures du matin
Par des tueurs indécis et chauves
Je mourrai sans m’apercevoir
Que je meurs, je mourrai
Enseveli sous les ruines sèches
De mille mètres de coton écroulé
Je mourrai noyé dans l’huille de vidange
Foulé aux pieds par des bêtes indifférentes
Et, juste après, par des bêtes différentes
Je mourrai nu, ou vêtu de toile rouge
Ou cousu dans un sac avec des lames de rasoir
Je mourrai peut-être sans m’en faire
Du vernis à ongles aux doigts de pied
Et des larmes plein les mains
Et des larmes plein les mains
Je mourrai quand on décollera
Mes paupières sous un soleil enragé
Quand on me dira lentement
Des méchancetés à l’oreille
Je mourrai de voir torturer des enfants
Et des hommes étonnés et blêmes
Je mourrai rongé vivant
Par des vers, je mourrai les
Mains attachées sous une cascade
Je mourrai brûlé dans un incendie triste
Je mourrai un peu, beaucoup,
Sans passion, mais avec intérêt
Et puis quand tout sera fini
Je mourrai.

Sou esnobe

(Paulo Ferraz)

Sou esnobe... sou esnobe
É de nascença e não por hobby
Isso exige um esforço bravo
É uma vida de escravo
Mas quando saio com Magnólia
É só pra mim que se olha
Sou esnobe... um puta esnobe
Meu mundo é a classe A
Ser esnobe é o que há.

Eu tenho estilo, me visto em Paris
Sapato de crocodilo e um ofuscante risca de giz
Um rubi no dedinho... do pé, pois sou fino
As unhas em alinho e um lindo e leve lencinho
Eu vou ao cinema ver filmes-problema
E janto no bistrô num porre de Château Margaux
Meu fígado é foda, ah, cirrose está fora de moda
Sou é depressivo, que é mais chique e exclusivo.

Sou esnobe... sou esnobe
Me chamo José e todos dizem Bob
Cavalgo assim que o sol raia
Porque adoro o odor de baia
Só frequento os importantes
Com passado bandeirante
Sou esnobe... excessivamente esnobe
E se respondo ao “me ama?”
Estou pelado na cama.

A gente se irmana, só entra bacana,
Todo fim de semana, pra jogar no ralo nossa grana
Filas de coca, a gente nem toca
E há camembert, comido com o devido talher.
Moro num apart que é uma obra de arte
Mulheres à la carte, igual nem mesmo em Montmartre
Já tive TV, um tédio de ver
Mandei devolver... mas pra gostar bastava o start.

Sou esnobe... sou esnobe
Essa é uma febre que só sobe
Quando me arrebento é de Jaguar
Se me encho de tudo vou prum spa
É nos detalhes... e no talão
Que se é esnobe ou não
Sou esnobe... Agora mais esnobe do que antes
E quando eu entrar em pane
Que me enterrem de Armani.

:


J´suis snob
Boris Vian

J'suis snob... J'suis snob
C'est vraiment l'seul défaut que j'gobe
Ça demande des mois d'turbin
C'est une vie de galérien
Mais quand je sors avec Hildegarde
C'est toujours moi qu'on r'garde
J'suis snob... Foutrement snob
Tous mes amis le sont
On est snobs et c'est bon


Chemises d'organdi, chaussures de zébu
Cravate d'Italie et méchant complet vermoulu
Un rubis au doigt... de pied, pas çui-là
Les ongles tout noirs et un tres joli p'tit mouchoir
J'vais au cinéma voir des films suédois
Et j'entre au bistro pour boire du whisky à gogo
J'ai pas mal au foie, personne fait plus ça
J'ai un ulcère, c'est moins banal et plus cher


J'suis snob... J'suis snob
J'm'appelle Patrick, mais on dit Bob
Je fais du ch'val tous les matins
Car j'ador' l'odeur du crottin
Je ne fréquente que des baronnes
Aux noms comme des trombones
J'suis snob... Excessivement snob
Et quand j'parle d'amour
C'est tout nu dans la cour


On se réunit avec les amis
Tous les vendredis, pour faire des snobisme-parties
Il y a du coca, on deteste ça
Et du camembert qu'on mange à la petite cuiller
Mon appartement est vraiment charmant
J'me chauffe au diamant, on n'peut rien rêver d'plus fumant
J'avais la télé, mais ça m'ennuyait
Je l'ai r'tournée... d'l'aut' côté c'est passionnant


J'suis snob... J'suis snob
J'suis ravagé par ce microbe
J'ai des accidents en Jaguar
Je passe le mois d'août au plumard
C'est dans les p'tits détails comme ça
Que l'on est snob ou pas
J'suis snob... Encor plus snob que tout à l'heure
Et quand je serai mort
J'veux un suaire de chez Dior!


Se os poetas fossem menos bestas

Se os poetas fossem menos bestas
E se fossem menos preguiçosos
Fariam todo o mundo feliz
Para poderem tratar em paz
Dos seus sofrimentos literários
Levantariam casas douradas
Cercadas por enormes jardins
E árvores cheias de colibris
De rustiflautas e de aqualises
De pardongros e de luziverdes
De plumuchas e de picapratos
E de pequenos corvos vermelhos
Que soubessem tirar nossa sorte
Haveria grandes chafarizes
Jorrando luzes de zil matizes
Não faltariam duzentos peixes
Do crocantusco ao empedraqueixo
Do trilibelo ao falamumula
Da suazmina ao rara quirila
E do guardavela ao canifeixe
Provaríamos de um ar fresquíssimo
Perfumado pelo odor das folhas
Comeríamos quando quiséssemos
E trabalharíamos sem pressa
A arquitetar escadarias
De formas nunca dantes sonhadas
Com tábuas raiadas de lilás
Lisas como só ela sob os dedos
Mas os poetas são muito bestas
Para começar, eles escrevem
Ao invés de pôr a mão na massa
Isso lhes traz profundos remorsos
Que levam consigo até a morte
Radiantes por sofrerem tanto
O mundo os aclama com requinte
E os esquece no dia seguinte
Se a preguiça não fosse mania
Teriam fama por mais um dia.
:
Si les poètes étaient moins bêtes
Si les poétes étaient moins bêtes
Et s’ils étaient moins paresseux
Ils rendraient tout le monde heureux
Pour pouvoir s’occuper en paix
De leurs souffrances littéraires
Ils construiraient des maisons jaunes
Avec des grands jardins devant
Et des arbres pleins de zoizeaux
De mirliflûtes et de lizeaux
Des mésongres et des feuvertes
Des plumuches, des picassiettes
Et des petits corbeaux tout rouges
Qui diraient la bonne aventure
Il y aurait de grands jets d’eau
Avec des lumières dedans
Il y aurait deux cents poissons
Depuis le croûsque au ramusson
De la libelle au pépamule
De l’orphie au rara curule
Et de l’avoile au canisson
Il y aurait de l’air tout neuf
Parfumé de l’odeur des feuilles
On mangerait quand on voudrait
Et l’on travaillerait sans hâte
A construire des escaliers
De formes encor jamais vues
Avec des bois veinés de mauve
Lisses comme elle sous les doigts
Mais les poètes sont très bêtes
Ils écrivent pour commencer
Au lieu de s’mettre à travailler
Et ça leur donne des remords
Qu’ils conservent jusqu’à la mort
Ravis d’avoir tellement souffert
On leur donne des grands discours
Et on les oublie en un jour
Mais s’ils étaient moins paresseux
On ne les oublierait qu’en deux.

Não queria partir

Não queria partir
Sem ter conhecido
Os cães negros do México
Que dormem sem sonhar
Os macacos de bunda glabra
Devoradores de trópicos
As aranhas prateadas
De ninho carregado de bolhas
Não queria partir
Sem saber se a lua
Sob sua falsa cara de moeda
Tem um lado pontiagudo
Se o sol é frio
Se as quatro estações
São de fato apenas quatro
Sem ter experimentado
Usar um vestido
Nos grandes bulevares
Sem ter beijado
Uma boca-de-lobo
Sem ter fincado meu pau
Em insólitos lugares
Não queria acabar
Sem conhecer a lepra
Ou as sete doenças
Que se pegam por lá
O bom nem o mau
Me causariam tormento
Se deles gozasse
O primeiro momento
E há também
Tudo o que conheço
Tudo o que aprecio
O que sei que me agrada
O fundo verde do mar
Onde valsam as algas
Sobre a areia ondulada
A relva crestada de junho
A terra que greta
O cheiro dos pinheiros
E os beijos daquela
Que isso que aquilo
A coisa mais bela
Úrsula, meu ursinho
Não queria partir
Antes de ter gasto
Sua boca contra minha boca
Seu corpo contra minhas mãos
O resto contra meus olhos
Não digo mais nada é preciso
Manter respeito
Não queria morrer
Sem que tenham inventado
As rosas eternas
A jornada de duas horas
O mar na montanha
A montanha no mar
O fim das dores
Os jornais em cores
A felicidade das crianças
E tantas coisas mais
Que dormem nos crânios
Dos geniais engenheiros
Dos jardineiros joviais
Dos solícitos socialistas
Dos urbanos urbanistas
E dos pensativos pensadores
Tantas coisas para ver
Para ver e ouvir
Tanto tempo esperando
Procurando no escuro

E vejo o fim
Que fervilha e que chega
Com sua horrível careta
E que me abre os braços
De sapo maneta

Não queria partir
Não senhor não senhora
Sem ter apalpado
O gosto que me atormenta
O gosto mais forte
Não queria partir
Sem ter provado
O sabor da morte...

:

Je voudrais pas crever

Je voudrais pas crever
Avant d’avoir connu
Les chiens noirs du Mexique
Qui dorment sans rêver
Les singes à cul nu
Dévoreurs de tropiques
Les araignées d’argent
Au nid truffé de bulles
Je voudrais pas crever
Sans savoir si la lune
Sous son faux air de thune
A un côté pointu
Si le soleil est froid
Si les quatre saisons
Ne sont vraiment que quatre
Sans avoir essayé
De porter une robe
Sur les grands boulevards
Sans avoir regardé
Dans un regard d’égout
Sans avoir mis mon zobe
Dans des coinstots bizarres
Je voudrais pas finir
Sans connaître la lèpre
Ou les sept maladies
Qu’on attrape là-bas
Le bon ni le mauvais
Ne me feraient de peine
Si si si je savais
Que j’en aurai l’étrenne
Et il y a z aussi
Tout ce que je connais
Tout ce que j’apprécie
Que je sais qui me plaît
Le fond vert de la mer
Où valsent les brins d’algue
Sur le sable ondulé
L’herbe grillée de juin
La terre qui craquelle
L’odeur des conifères
Et les baisers de celle
Que ceci que cela
La belle que voilà
Mon Ourson, l’Ursula
Je voudrais pas crever
Avant d’avoir usé
Sa bouche avec ma bouche
Son corps avec mes mains
Le reste avec mes yeux
J’en dis pas plus faut bien
Rester révérencieux
Je voudrais pas mourir
Sans qu’on ait inventé
Les roses éternelles
La journée de deux heures
La mer à la montagne
La montagne à la mer
La fin de la douleur
Les journaux en couleur
Tous les enfants contents
Et tant de trucs encore
Qui dorment dans les crânes
Des géniaux ingénieurs
Des jardiniers joviaux
Des soucieux socialistes
Des urbains urbanistes
Et des pensifs penseurs
Tant de choses à voir
A voir et à z-entendre
Tant de temps à attendre
A chercher dans le noir

Et moi je vois la fin
Qui grouille et qui s’amène
Avec sa gueule moche
Et qui m’ouvre ses bras
De grenouille bancroche

Je voudrais pas crever
Non monsieur non madame
Avant d’avoir tâté
Le goût qui me tourmente
Le goût qu’est plus fort
Je voudrais pas crever
Avant d’avoir goûté
La saveur de la mort...

Quando meu crânio for do vento

Quando meu crânio for do vento
Quando o verde cobrir meus ossos
Sentirão talvez que eu troço
Mas será falso o sentimento
Pois me faltarão os atos
O elemento plástico
Pla pla plástico
Devorado pelos ratos
Meu par de utensílios
Minhas pernas meus joelhos
Minhas coxas meus fundilhos
Sobre os quais me sentavia
Meus cabelos minhas fístulas
Meus lindos olhos cerúleos
Minhas capas de mandíbulas
Com as quais vos lambuzia
Meu nariz considerável
Coração, fígado, lombo
Esses nadas admiráveis
Que me fizeram gozar os benefícios
De duques e duquesas
De papas e papesas
De abades e abasnezas
E demais pessoas do ofício
E agora não terei mais
Esse fósforo um pouco mole
Cérebro que me serviu
Pra me prever depois de frio
Os ossos verdes, o crânio ventoso
Ah como dói ficar idoso.

:

Quand j´aurai du vent dans mon crâne

Quand j’aurai du vent dans mon crâne
Quand j’aurai du vert sur mes osses
P’tête qu’on croira que je ricane
Mais ça sera une impression fosse
Car il me manquera
Mon élément plastique
Plastique tique tique
Qu’auront bouffé les rats
Ma paire de bidules
Mes mollets mes rotules
Mes cuisses et mon cule
Sur quoi je m’asseyois
Mes cheveux mes fistules
Mes jolis yeux cérules
Mes couvres-mandibules
Dont je vous pourléchois
Mon nez considérable
Mon coeur mon foie mon râble
Tous ces riens admirables
Qui m’ont fait apprécier
Des ducs et des duchesses
Des papes des papesses
Des abbés des ânesses
Et des gens du métier
Et puis je n’aurai plus
Ce phosphore un peu mou
Cerveau qui me servit
A me prévoir sans vie
Les osses tout verts, le crâne venteux
Ah comme j’ai mal de devenir vieux.

Eles quebram o mundo

Eles quebram o mundo
Em pedacinhos
Eles quebram o mundo
A marteladas
Para mim não faz diferença
Não faz diferença alguma
Ainda me sobra muito
Ainda sobra muito
Basta que eu ame
Uma pena azul
Uma trilha de areia
Uma ave assustada
Basta que eu ame
Um ramo frágil de erva
Uma gota de orvalho
Um grilo do campo
Eles podem quebrar o mundo
Em pedacinhos
Ainda me sobra muito
Ainda sobra muito
Terei sempre um pouco de ar
Um filete de vida
Uma nesga de luz no olhar
E o vento nas urtigas
E mesmo se, mesmo
se me prenderem
Ainda me sobra muito
Ainda sobra muito
Basta que eu ame
Esta pedra corroída
Estes ganchos de ferro
Onde um pouco de sangue se demora
Eu amo, eu amo
A madeira gasta da minha cama
O estrado e o colchão de palha
A poeira do sol
Amo o postigo que se abre
Os homens que entraram
Que avançam, que me levam
A reencontrar a vida do mundo
A reencontrar a cor
Amo este par de altas traves
Esta lâmina triangular
Estes senhores vestidos de preto
É minha festa e me orgulho
Eu amo, eu amo
Este cesto cheio de farelo
Onde vou pousar a cabeça
Oh, eu amo deveras
Basta que eu ame
Um raminho de erva azul
Uma gota de orvalho
Um amor de ave assustada
Eles quebram o mundo
Com seus maciços martelos
Ainda me sobra muito
Ainda sobra muito, meu coração.

:

Ils cassent le monde

Ils cassent le monde
En petits morceaux
Ils cassent le monde
A coups de marteau
Mais ça m’est égal
Ça m’est bien égal
Il en reste assez pour moi
Il en reste assez
Il suffit que j’aime
Une plume bleue
Un chemin de sable
Un oiseau peureux
Il suffit que j’aime
Un brin d’herbe mince
Une goutte de rosée
Un grillon de bois
Ils peuvent casser le monde
En petits morceaux
Il en reste assez pour moi
Il en reste assez
J’aurai toujours un peu d’air
Un petit filet de vie
Dans l’oeil un peu de lumière
Et le vent dans les orties
Et même, et même
S’ils me mettent en prison
Il en reste assez pour moi
Il en reste assez
Il suffit que j’aime
Cette pierre corrodée
Ces crochets de fer
Où s’attarde un peu de sang
Je l’aime, je l’aime
La planche usée de mon lit
La paillasse et le châlit
La poussière de soleil
J’aime le judas qui s’ouvre
Les hommes qui sont entrés
Qui s’avancent, qui m’emmènent
Retrouver la vie du monde
Et retrouver la couleur
J’aime ces deux longs montants
Ce couteau triangulaire
Ces messieurs vêtus de noir
C’est ma fête et je suis fier
Je l’aime, je l’aime
Ce panier rempli de son
Où je vais poser ma tête
Oh, je l’aime pour de bon
Il suffit que j’aime
Un petit brin d’herbe bleue
Une goutte de rosée
Un amour d’oiseau peureux
Ils cassent le monde
Avec leurs marteaux pesants
Il en reste assez pour moi
Il en reste assez, mon coeur.

Um a mais

Um a mais
Um sem motivo
Mas já que os outros
Se perguntam perguntas dos outros
E lhes respondem com palavras dos outros
O que fazer
Além de escrever, como os outros
E hesitar
Repetir
Procurar
Pesquisar
Não achar
Se chatear e se dizer
Isto não serve para nada
Valia mais ganhar a vida
Mas a vida, já tenho a minha
Logo, não preciso ganhá-la
Não é um problema, eu asseguro,
E só esta coisa não o é
Pois todo o resto são problemas
Mas todos já estão formulados
Todos se consultaram, todos,
Sobre os mais ínfimos assuntos
Agora eu, o que me resta?
Usaram as palavras fáceis
Belas palavras feitas verbo
Espumantes, quentes, vistosas
Os céus, os astros, as lanternas
E estas brutas lânguidas ondas
Raivam roem rochedos rubros
Tudo em torno trevas e gritos
Tudo cheio de sangue e sexo
Tudo ventosas e rubis
Agora eu, o que me resta?
Em silêncio me perguntar
Sem escrever e sem dormir
Lançar-me a procurar por mim
Sem dizer nem ao zelador
Nem ao anão sob o assoalho
Nem ao paparlante em meu bolso
Nem ao padre em minha gaveta
Preciso urgente me sondar
Sozinho, sem freira rodeira
Que me segure a maçaneta
E me adentre como um polícia
Com cassetete e vaselina
Preciso urgente me enfiar
Um cotonete no nariz
Contra uremia cerebral
E que veja jorrar palavras
Todos se consultaram, todos
Não tenho direito à palavra
Usaram as belas brilhantes
E estão todos bem lá no topo
Onde habitam os poetas
Com suas liras a pedal
Com suas liras a vapor
Com suas liras de oito relhas
E seus Pégasos nucleares
Não me resta o menor estímulo
Só me restam palavras rasas
Palavras idiotas frouxas
Somente me mim o a os
De por para que quem o quê
É ela ele nós vós nem
Como vocês querem que eu faça
Um poema com esta lei?
Tanto pior, não o farei.

:

Un de plus

Un de plus
Un sans raison
Mais puisque les autres
Se posent les questions des autres
Et leur répondent avec les mots des autres
Que faire d’autre
Que d’écrire, comme les autres
Et d’hésiter
De répéter
Et de chercher
De rechercher
De pas trouver
De s’emmerder
Et de se dire ça sert à rien
Il vaudrait mieux gagner sa vie
Mais ma vie, je l’ai, moi, ma vie
J’ai pas besoin de la gagner
C’est pas un problème du tout
La seule chose qui en soit pas un
C’est tout le reste, les problèmes
Mais ils sont tous déjà posés
Ils se sont tous interrogés
Sur tous les plus petits sujets
Alors moi qu’est-ce qui me reste ?
Ils ont pris tous les mots commodes
Les beaux mots à faire du verbe
Les écumants, les chauds, les gros
Les cieux, les astres, les lanternes
Et ces brutes molles de vagues
Ragent rongent les rochers rouges
C’est plein de ténèbre et de cris
C’est plein de sang et plein de sexe
Plein de ventouses et de rubis
Alors moi qu’est-ce qui me reste ?
Faut-il me demander sans bruit
Et sans écrire et sans dormir
Faut-il que je cherche pour moi
Sans le dire, même au concierge
Au nain qui court sous mon plancher
Au papaouteur dans ma poche
Ni au curé de mon tiroir
Faut-il faut-il que je me sonde
Tout seul sans une soeur tourière
Qui vous empoigne la quèquette
Et vous larde comme un gendarme
D’une lance à la vaseline
Faut-il faut-il que je me fourre
Un tige dans les naseaux
Contre une urémie du cerveau
Et que je voie couler mes mots
Ils se sont tous interrogés
Je n’ai plus droit à la parole
Ils ont pris tous les beaux luisants
Ils sont tous installés là-haut
Où c’est la place des poètes
Avec des lyres à pédale
Avec des lyres à vapeur
Avec des lyres à huit socs
Et des Pégases à réacteurs
J’ai pas le plus petit sujet
J’ai plus que les mots les plus plats
Tous les mots cons tous les mollets
J’ai plus que me moi le la les
J’ai plus que du dont qui quoi qu’est-ce
Qu’est, elle et lui, qu’eux nous vous ni
Comment voulez-vous que je fasse
Un poème avec ces mots-là?
Eh ben tant pis j’en ferai pas.

Boris Vian nasceu em Ville d´Avray, nos arredores de Paris, a 10 de março de 1920. Foi poeta, romancista, compositor e cantor, tradutor, crítico de música, inventor e engenheiro. Contemporâneo exato de poetas tão diversos quanto João Cabral de Melo Neto, Paul Celan, Bob Cobbing, Henri Chopin, H.C. Artmann, Robert Duncan e Zbigniew Herbert, demonstrando a incrível pluralidade da poesia do pós-guerra.


BORIS VIAN: O HOMEM-ORQUESTRA
por Ruy Proença


Gostaria em primeiro lugar de desejar boa noite a todos os presentes. É um privilégio podermos compartilhar este momento em torno da obra de Boris Vian, escritor tão vital e sempre tão ladino que não custa cumprimentá-lo também, uma vez que pode estar disfarçado no meio de nós, como grande Sátrapa Transcendente. Desejo que esta seja portanto uma noite alegre, cheia de jazz, como as festas que o autor-compositor cansou de organizar e animar com seu trompete.

Não é tarefa simples falar de Boris Vian, artista multifacetado: escritor, compositor, trompetista, crítico de jazz e, até mesmo, cenógrafo e ator de cinema. Durante 20 anos de atividade, nos legou mais de 40 livros, entre os quais romances, contos, peças de teatro, poemas, ensaios, além de quase 500 canções registradas. Não fosse o escritor hiperativo que foi, Boris Vian assinou ainda uma dúzia de traduções de thrillers norte-americanos.

Comecemos por deixar Vian falar de si mesmo, numa de suas peças:

DIÁLOGO COM UM SUBTENENTE

Nome?
Boris, subtenente.
Sobrenome?
Vian, subtenente.
Você é estrangeiro? Armênio? Mais um desses imigrantes?
De modo algum, subtenente. Natural de Ville-d’Avray, Seine-et-Oise. – Nome do pai: Paul; nome da mãe, Yvonne; e com toda certeza, Vian vem de Viana, da Itália, de nossa irmã latina.
Você não é o primo do almirante Philip Vian?
Infelizmente não, subtenente. Não tenho parentes ilustres, salvo meus avós, que eram artesãos ferreiros e bronzistas, no duro e no sério, e que fabricaram o gradil da propriedade de Edmond Rostand, em Arnaga; e, coisa extremamente curiosa, foi pela mão de Jean Rostand, nosso vizinho em Ville-d’Avray, que entrei para a literatura...
Ah! Então você mexe com literatura... Já devia ter suspeitado.
Bem, mexo com muitas coisas, subtenente: engenheiro, autor, tradutor, músico, jornalista, intérprete, crítico de jazz e, atualmente, diretor artístico de uma gravadora de discos.
Ah, sim!... Já entendi!... O bambambã faz de tudo, o que é o mesmo que nada... quem quer abraçar o mundo fica sem força, como se diz.
Depende dos braços que se tem, subtenente. Veja os meus... Sou forte como um macaco... Talhado para a cultura que te curva sobre a gleba glabra.
Olha aqui, ô, mais respeito! Ou te meto no xadrez... Quando ouço falar de cultura, saco meu revólver.
Não é do senhor que falo, subtenente.
Se não é, parece! Os intelectuais, estou cagando pra eles...
Pois então me diga, subtenente, a pessoa que inventou esse revólver, sem o qual o senhor não poderia fazer nada, não acha que ela era um pouquinho intelectual?
Repete esse troço!?
E aquele ou aqueles que inventaram esta língua da qual o senhor se serve tão bem, subtenente, não seriam eles intelectuais?
Onde você quer chegar?
E o inventor da hierarquia no exército ou nas paróquias, o que dá praticamente na mesma, já que a baioneta e a batina são farinha do mesmo saco, não teria ele elucubrado mais que o vizinho?
Malandros da sua raça não me impressionam! Conheço esse samba!
Bom, eu não... Por isso, vou pôr a mão na massa, subtenente. Preciso me elevar até o senhor, já que não quer se rebaixar até mim... Vou lhe preparar um manual do aspirante a sambista, que o senhor ainda há de me agradecer...
Fora! Suma daqui!
Tudo bem, subtenente, já estou caindo fora...

Boris Vian nasceu em Ville-d’Avray, próximo a Paris, em 10 de março de 1920 e morreu – apenas aparentemente, segundo seus colegas esquartejadores do Colégio de Patafísica – em 23 de junho de 1959 (daí a necessidade de cumprimentá-lo sempre).

Era o segundo de quatro irmãos, três meninos e uma menina. Seus pais viviam de rendas e a família morava numa mansão, cercada de amplo parque, com gramados e árvores. Em 1929, com a queda das bolsas de valores, seu pai perdeu a fonte de renda e a família teve de se mudar para a edícula dos caseiros, na entrada do parque. Em 1932, Boris Vian é acometido por uma febre reumática, que deixa sequelas em seu coração, e, em 1935, por uma febre tifoide mal curada. Os problemas cardíacos o acompanharão até o fim de sua vida. A doença lhe trouxe duas consequências imediatas: cuidados maternos excessivos e uma ânsia de aproveitar a vida. A primeira será motivo de várias passagens em sua obra, com imagens de crianças criadas em gaiolas e filhos carnalmente ligados à mãe, a ponto de serem simultaneamente escravos e vampiros de seu sangue. A segunda, o amor passional à vida, nascido da constante ameaça de morte, também marcará toda sua obra e lhe valeu a seguinte citação: viveu em túmulo aberto.

A morte, aliás, era não só uma realidade psicológica interna, mas também uma realidade externa quase permanente: seu berço foram os escombros da primeira guerra; viveu a adolescência e o período universitário no colo da segunda guerra, tendo sido Paris ocupada pelas forças nazi-fascistas em 1940, quando contava 20 anos; todo seu período de produção cultural deu-se no bojo da guerra-fria: guerra na Coréia, guerras empreendidas pela França em suas colônias africanas e asiáticas, macartismo nos Estados Unidos, ameaça de uma guerra nuclear mundial provocada pelas duas grandes potências militares: EUA x URSS. Contra o absurdo das guerras deixaria vários registros como a canção O desertor e o conto tragicômico As formigas, que retrata o desastroso desembarque das tropas aliadas na Normandia.

A morte, duplamente presente em Boris Vian, será sua companheira e adversária no tabuleiro de xadrez. Vian escreveria: “Morte, como você é impaciente”. Esse seu diálogo com a morte se acentuará com o passar dos anos.

Boris Vian teve uma formação simultaneamente humanística e científica. No ensino médio, estudou cultura greco-latina e matemática elementar. De 1939 a 1942, cursou e se formou engenheiro na École Centrale, uma das prestigiosas escolas francesas de ciências exatas. De 1942 a 1946 trabalhou como engenheiro na AFNOR – Associação Francesa de Normalização e, de 1946 a 1947, no Instituto do Papel. Foi o bastante para se desencantar com o enorme desperdício de potencial humano, causado pelo trabalho alienado, em repartições tecnoburocráticas.

Desde a adolescência, Boris Vian se apaixonara pelo jazz. Durante a ocupação de Paris, o jazz foi censurado, por representar a cultura negro-judeu-americana. Passou a ter assim uma dupla conotação de música de resistência, tanto da cultura negra em relação aos opressores brancos, quanto da resistência dos aliados (liderados pelos norte-americanos) em relação aos países do eixo. Representava também uma cultura nova, engendrada na América, distante portanto dos velhos padrões morais europeus. Em 1943, Boris Vian entrou como trompetista na orquestra de jazz amador de Claude Abadie. Em 1947 se tornaria o trompete e o animador da cave Tabou, no coração de Saint-Germain-des-Prés.Cardíaco que era, foi aconselhado por seu médico a abandonar o trompete. Apesar disso, e essa foi uma de suas ironias, jamais deixou de tocar. O jazz será combustível para toda vida.

Boris Vian casou-se cedo, aos 21 anos, com Michelle Léglise, com quem teria um casal de filhos e de quem viria a se separar em 1952. Em 1954, casou-se em segundas núpcias com Ursula Kübler, bailarina, com quem viveu até o fim da vida. Em 1944, aos 24 anos, perde o pai, assassinado, sem que se soubesse exatamente por que e por quem.

Publica seus primeiros textos entre 44 e 45, sob os pseudônimos de Hugo Hachebuisson e Bison Ravi (anagrama de Boris Vian: literalmente, bisão extasiado, que serviria mais tarde para brincar com Úrsula, a quem chamava “meu ursinho”, ou seja, o ursinho do bisão extasiado). A esses, seguirá seu mais famoso pseudônimo, Vernon Sullivan. Boris Vian foi responsável por um dos maiores embustes literários do século XX. Leitor assíduo e tradutor do romance noir americano (Raymond Chandler, Dashiell Hammet, Peter Cheney e James Hadley Chase), resolveu ele também enveredar por esse filão. Por sugestão do amigo e pequeno editor Jean d’Halluin, apresentou-se como tradutor do suposto escritor norte-americano Vernon Sullivan, que não passava dele mesmo. Sullivan, onde o nome Vian também ecoa, foi quem selou definitivamente a fama do escritor: o livro Vou cuspir nos seus túmulos, escrito e lançado em 1946, tornou-se o best seller de 1947. Ludibriando, momentaneamente, a cerimoniosa crítica francesa com seu Sullivan, tornou-se dela desafeto e refém até a morte. Além do que, o teor explosivo de violência e erotismo que impregnava o romance Vou cuspir nos seus túmulos lhe valeu a censura do livro e um processo judicial por infringir a lei dos bons costumes e da moral, o qual tramitaria ainda por três anos. Com Sullivan e seu modo de trabalhar a violência, o anti-racismo, misturados ao erotismo, Boris Vian se postava, a seu modo, ao lado de Henry Miller.

O período de 1945 a 1950 foram anos de fermentação. Foi a apoteose da “República” de Saint-Germain-des-Prés, onde Vian compartilhava a mesa, mas nem sempre as opiniões, com Sartre, Simone de Beauvoir, Camus, Raymond Queneau, Prévert, Jean Genet e outros. Raymond Queneau, secretário geral da Gallimard, quem conheceu em 1945, foi um dos principais amigos e incentivadores de Vian, tendo aberto para ele as portas do Colégio Patafísico.

1947 parece ter sido um ano de glória para Vian: best seller do ano, contratado como animador e trompetista do Tabou, escreve O esquartejamento para todos, publica Outono em Pequim, Vercoquin et le Plancton e seu romance até hoje mais difundido: A espuma dos dias.

Mas a glória foi aos poucos abandonando Boris Vian. Em 1949, foi proibido o romance Vou cuspir nos seus túmulos. Em 1950, é condenado a pagar uma multa considerável. Em 1952, separa-se de Michelle.

Boris Vian, não obstante, não desiste: em 1952 foi nomeado Esquartejador de primeira classe do Colégio de Patafísica. Mais tarde, se tornaria Sátrapa, posto de distinção máxima. Diante do fracasso de seus últimos romances, Boris Vian dá a volta por cima e retoma sua comunicação com o público através da música, compondo e se apresentando como intérprete. A título de curiosidade, são tributários de Vian nessa área compositores como Serge Gainsbourg, Léo Ferré e Serge Regiani.

Em 1959, o coração de Boris Vian falhou de vez, durante uma sessão privada de apresentação do filme Vou cuspir nos seus túmulos, projeto de cujo início tinha participado, mas que fora levado a cabo à sua revelia, e que o desagradara profundamente.

Vamos agora abordar a personalidade artística de Boris Vian, que começa a se revelar já nos títulos de alguns de seus textos. Vejamos alguns exemplos, traduzidos livremente: Vou cuspir nos seus túmulos, A espuma dos dias, Os mortos têm todos a mesma pele, Outono em Pequim, E mataremos todos os horrorosos, As formigas, O esquartejamento para todos, Elas não se dão conta, O arranca-coração, Os construtores de Império ou o Schmürz, Cantilenas gelatinizadas, Não queria partir, O lanche dos generais, Na frente de Zizique, Atrás de Zizique, Escritos pornográficos etc. etc. Imagens de morte, violência, poder, associadas no mais das vezes a sinais de menosprezo moral e à questão racial. Imagens erótico-pornográficas. Imagens líricas. Percebemos portanto, já nos títulos, alguns dos elementos que sintetizam a imaginação do autor: tendência ao deboche e ao sarcasmo, macabro ou violento, associada a grande sensualidade e lirismo. Querendo diferenciar o humor em Boris Vian de um humor meramente macabro, humor negro, Caradec, no prefácio de um de seus livros, chamou-o de “humor vermelho”.

O mundo de Vian é sobretudo o da “emancipação dolorosa do adulto que se separa da adolescência”. E o mundo adulto é visto por ele como bloqueio, como opressor, aniquilador. Neste sentido, Vian se aproxima de Kafka. No extremo desse ponto de vista há a guerra: a forma mais sofisticada e degradante de trabalho, já que nela se trabalha para gerar novos trabalhos.

A obra poética de Boris Vian pode parecer exígua perto dos mais de 40 livros publicados em vida, mas certamente é o motor de sua criação, isto é, irradia e ecoa por toda sua atividade criativa, dos romances às canções, e por isso mesmo é uma boa porta de entrada para o restante da obra.

Entre 1939, provavelmente, e 1944, Boris Vian escreve 105 sonetos, acrescidos de meia-dúzia de baladas, que seriam publicados postumamente sob o título de Cem Sonetos (fazendo trocadilho com a homofonia de Cem Sonetos, do número 100, e Sem Sonetos, isto é, nada). Trata-se de sua primeira obra escrita, tentativa músico-matemático-literária, considerada pelo próprio autor como uma obra ainda imatura. É interessante observar que Vian debuta com esse extenso e meticuloso trabalho com formas fixas, experimentando diferentes metros de verso, bem como diferentes combinações de rimas. Já neste livro, a utilização de um humor corrosivo mostra uma visão de mundo iconoclasta e, indiretamente, uma dessacralização do discurso poético.


À criação dos sonetos, seguirão quatro volumes de poesia: Barnum´s Digest, Cantilenas Gelatinizadas, Poemas Inéditos e Não queria partir. Vian, que começou com uma poesia formal, inverterá os sinais de seu projeto e percorrerá um caminho que vai do verso geralmente livre no segundo livro, até culminar, sob a forma de um ritornelo, no predomínio do verso metrificado em seu livro final.

Dois grandes símbolos parecem permear toda a obra do autor, sintetizados no binômio comédia-tragédia. Alguém usou a feliz metáfora de que nele “trabalhava um olho cômico sob uma sobrancelha amarga”. Estes dois polos entremeiam-se todo o tempo na obra de Vian, no detalhe e no todo, o mais das vezes servindo o humor como lenitivo para a condição trágica do homem. Esta conjunção de fatores, isto é, o humor associado ao horror, cria um certo parentesco entre a obra de Vian e os mestres da literatura do absurdo, entre eles Becket e Ionesco.

Podemos rastrear a dança que ocorre entre este par de extremos. Nas obras iniciais, o humor conduz o trágico na dança. Já no último livro, a situação é inversa, o balanço é francamente favorável ao trágico, servindo o humor apenas como a provisória e derradeira trincheira. A música que se dança, é sem dúvida a da morte. Nada mais apropriado para regê-la do que metros exatos, em ritmo de tambores, carregados de densa ironia. Como num réquiem para si mesmo, a morte é quem remunera o trabalho do autor.

O último livro de poemas de Boris Vian, Não queria partir, é talvez sua obra de poesia mais bem acabada. São poemas escritos quase todos por volta de 1952. Ganham em tensão e dramaticidade. A morte infiltra-se por todos os poros. Mas o escritor não se rende, luta até o fim, brandindo com destreza sua melhor arma: o humor.

O humor em Boris Vian tem vários sobrenomes, mas são todos primos-irmãos entre si: satírico, mordaz, cáustico, sarcástico, sardônico, irônico, non-sense, burlesco etc. etc. Nele aparecem a ternura misturada com a violência, o horror misturado ao cômico, o natural ao delírio. Foi um mestre nos trocadilhos, nas fusões de expressões idiomáticas, nos jogos de ambiguidade, na reformulação de provérbios, nas palavras-valise, nos neologismos.

Se Boris estivesse nos ouvindo agora (e talvez esteja mesmo), tenho certeza de que ficaria feliz com a homenagem que estamos lhe fazendo esta noite e que pode ser sintetizada de forma afetiva no trocadilho elaborado por Guilherme de Almeida, não o poeta, mas aluno da São Francisco e seu fã de carteirinha (sim, porque, por incrível que pareça, Boris Vian consegue operar milagres até mesmo a partir de onde está: tem um verdadeiro fã-clube espalhado pelo mundo; só em países como o Brasil, de tão poucos leitores, ainda é praticamente desconhecido). O trocadilho é: Boris Vian: le plus grand écrivian du siècle (cuja tradução literal seria, Boris Vian: o maior escrivian do século).

Para encerrar este breve retrato, vamos a uma estorieta patafísica criada a quatro mãos por Boris Vian e um de seus mais assíduos parceiros musicais, Henri Salvador.

HS. Sua excelência o bispo de Worcester mandou afixar em todas as igrejas de sua diocese o aviso seguinte:
Instale em sua casa um bar do qual você será o único cliente.
BV. Dê a sua mulher dinheiro suficiente para comprar a primeira garrafa.
HS. Beba em sua casa, mas pague para sua mulher, por cada dose, o preço que pagaria num bar.
BV. Dê dinheiro a sua mulher para que ela compre uma segunda garrafa. Assim seu bar terá sempre bebida e sua mulher poderá fazer o supermercado com o lucro.
HS. Convença-se de que, agindo assim, você morrerá de cirrose. BV. Mas você poderá morrer tranquilo. Sua mulher terá feito importantes economias e poderá educar as crianças.
HS. E ela poderá se casar de novo com um homem inteligente.
 
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