Herberto Helder
Herberto Helder de Oliveira foi um poeta português, considerado por alguns o 'maior poeta português da segunda metade do século XX' e um dos mentores da Poesia Experimental Portuguesa.
1930-11-23 Funchal
2015-03-23 Cascais
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152
Iv A
A alimentação simples da fruta,
a sabedoria infusa,
as constelações ao alto zoológicas arquejando, brutais
animais vivos, e à mesa de súbito o ar deslocado nas palavras, como se
por cima do ombro respirasse a memória
assimétrica do mundo, e um idioma sem gramática,
uma rápida música descentrada,
fundassem tudo, e depois corressem
o bafo e o fogo.
Sopra na cana até que dê flor.
Tão na boca, na língua, na saliva e na garganta,
tão interior ao próprio sopro que nasça
da exaltação do corpo.
Dá-lhe um nó como um umbigo.
Desprende-a de ti, põe-na no mundo com todo o poderio
que guarda dentro. Fá-la girar no mundo, girar
por obra do fôlego
como se fosses tu, girar com os poros à luz num equilíbrio
perigoso
— flor com umbigo.
Folha a folha como se constrói um pássaro
e entre si o ar e a árvore
se iluminam.
O pássaro canta, alguém escuta, as coisas juntam-se
em desequilíbrio
no grande buraco luminoso para cima.
E o canto continua tudo entre árvore e ar
com a luz desarrumada folha a folha.
E cada coisa regressa de si mesma.
No papel onde se levanta o mundo numa baforada desde as unhas
ao braço e à cara e à boca no som apenas
de pedaços de palavras,
a assimetria dos dedos nos vocabulários que faíscam, uma
soletração pouca.
O canto inteiro escrito arterialmente perto,
coluna de sangue e ar,
canto pequeno.
a sabedoria infusa,
as constelações ao alto zoológicas arquejando, brutais
animais vivos, e à mesa de súbito o ar deslocado nas palavras, como se
por cima do ombro respirasse a memória
assimétrica do mundo, e um idioma sem gramática,
uma rápida música descentrada,
fundassem tudo, e depois corressem
o bafo e o fogo.
Sopra na cana até que dê flor.
Tão na boca, na língua, na saliva e na garganta,
tão interior ao próprio sopro que nasça
da exaltação do corpo.
Dá-lhe um nó como um umbigo.
Desprende-a de ti, põe-na no mundo com todo o poderio
que guarda dentro. Fá-la girar no mundo, girar
por obra do fôlego
como se fosses tu, girar com os poros à luz num equilíbrio
perigoso
— flor com umbigo.
Folha a folha como se constrói um pássaro
e entre si o ar e a árvore
se iluminam.
O pássaro canta, alguém escuta, as coisas juntam-se
em desequilíbrio
no grande buraco luminoso para cima.
E o canto continua tudo entre árvore e ar
com a luz desarrumada folha a folha.
E cada coisa regressa de si mesma.
No papel onde se levanta o mundo numa baforada desde as unhas
ao braço e à cara e à boca no som apenas
de pedaços de palavras,
a assimetria dos dedos nos vocabulários que faíscam, uma
soletração pouca.
O canto inteiro escrito arterialmente perto,
coluna de sangue e ar,
canto pequeno.
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