Detestei logo o Doutor Fausto.

Detestei logo o Doutor Fausto. 
Em sua casa sofri vida severa e claustral,
e foi um indizível gosto
quando o áspero eclesiástico
morreu lastimosamente de um carbúnculo.

Passei então para a divertida hospedagem das malícias,
e conheci logo, sem temperança,
todas as independências da pele.
Nunca mais rosnei a deslavada oração a Santa Rita,
nem dobrei o meu joelho viril
diante de imagem benta que não usasse minissaias.
Embebedo-me com alarido;
afirmo a minha robustez, abrindo sanguinolentamente os
paradoxos ao meio;
farto a carne com ginásticas subterrâneas;
e, como a barba me vem basta e negra,
aceito com orgulho a alcunha de Raposão.
Todos os quinze dias, porém, escrevo à Yvonne,
com a minha letra de míope,
uma carta alegre mas piedosa,
onde lhe conto a austeridade dos horários do bar,
o recato dos meus gins tónicos,
as copiosas rezas e as rígidas ressacas.

Escrevo muito porque eu sei que,
ao fim de mil páginas,
haverá sempre algum crítico
a comparar-me com Proust.

Escrevo-te, sobretudo,
na esperança de que o Raposão seja mais inteligente e mais
bonito do que eu.
O Raposão tem muitos pêlos no peito,
tem uma voz grossa.
O Raposão deve conseguir fazer-te regressar.
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