Charles Bukowski

Charles Bukowski

poeta, contista e romancista estadunidense

1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
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Sua Mulher, a Pintora

Havia esboços de homens, mulheres e patos sobre as paredes,
e do lado de fora um grande ônibus verde cortava o tráfego como
a insanidade que saltasse de uma linha ondulada, Turguêniev, Turguêniev,
diz o rádio, e Jane Austen, Jane Austen, também.
“Vou fazer o retrato dela no dia 28, quando você estiver
no trabalho.”
Ele estava a um passo da obesidade e caminhava constantemente,
espatifava-se; eles o tinham; esvaziavam-no por dentro como
uma mosca na teia, e seus olhos eram injetados de raiva-medo.
Ele sente o ódio e o descartar do mundo, mais afiados que sua
gilete, e sua intuição está suspensa como um pólipo úmido; e
ele se julga derrotado ao tentar remover os fios de barba
presos à lâmina sob a água (como a vida), não tão quente como deveria.
Daumier. Rue Transnonain, le 15 Avril, 1843. (Litografia.)
Paris, Bibliothèque Nationale.
“Ela tem um rosto como nunca vi em outra mulher.”
“O que é isso? Um caso amoroso?”
“Tolinho. Não posso amar uma mulher. Além disso, ela está grávida.”
Não posso pintar – uma flor devorada por uma cobra; aquela luz do sol é uma
mentira; e aqueles mercados cheiram a sapatos e a nudez de garotos vestidos,
e abaixo de tudo isso algum rio, algum movimento, alguma virada que
suba ao longo do limite de meu templo e morda com uma picada atordoante...
homens dirigem carros e pintam suas casas,
mas eles são loucos; homens se sentam nas barbearias, compram chapéus.
Corot. Lembrança de Mortefontaine.
Paris, Louvre.
“Tenho que escrever para o Kaiser, embora eu ache que ele é homossexual.”
“Você segue lendo Freud?”
“Página 299.”
Ela produziu um pequeno chapéu e ele fez dois estalos com a mão debaixo do
braço, erguendo-o da cama como uma longa antena de
lesma, e ela foi à igreja, e ele pensou agora eu tenho
tempo e o cachorro.
Sobre a igreja: o problema de uma máscara é que ela
nunca muda.
Tão rude as flores que crescem e não crescem belas.
Tão incrível a cadeira no pátio que não precisa sustentar pernas
e barriga e braço e pescoço e boca que morde o
vento como o fim de um túnel.
Ele se voltou na cama e pensou: estou procurando algum
segmento no ar. Ele flutua sobre a cabeça das pessoas.
Quando chove sobre as árvores ele se acomoda entre os galhos
mais quente e mais verdadeiramente sanguíneo que a pomba.
Orozco. Cristo Destruindo a Cruz.
Hanover, Dartmouth College, Baker Library.
Deixou-se consumir pelo sono.

Fay estava grávida. Mas isso não a fez mudar nem as coisas nos Correios mudaram.
Os mesmos funcionários faziam todo o trabalho enquanto o resto do pessoal, a equipe mista, ficava por ali, discutindo esportes. Eram todos caras negros, grandes – com uma constituição de profissionais da luta livre. Sempre que um novato entrava no serviço, era enviado para a equipe mista. Isso evitava que eles assassinassem os supervisores. Se as equipes mistas tinham um supervisor, jamais se conseguia avistá-lo. A equipe carregava os caminhões com as cartas que chegavam através do elevador de carga. Isso ocupava cinco minutos de uma hora de trabalho. Às vezes, eles contavam as cartas, ou ao menos fingiam. Pareciam bastante calmos e inteligentes, fazendo suas contas com um lápis comprido atrás da orelha. Mas na maior parte do tempo eles discutiam sobre esporte, de um modo violento. Todos eram especialistas – liam os mesmos comentaristas esportivos.
– Muito bem, cara, quem é pra você o melhor jogador de todos os tempos do campo externo?
– Bem, Willie Mays, Ted Williams, Cobb.
– O quê? O quê?
– É isso aí, meu!
– E quanto ao Babe? Como deixar o Babe de fora?
– Ok, Ok, quem é o seu jogador cinco estrelas na posição?
– Não é cinco estrelas, é o melhor de todos os tempos!
– Ok, Ok, você sabe o que eu quero dizer, meu, você sabe o que eu quero
dizer!
– Bem, fico com Mays, Ruth e Di Maj!
– Vocês dois perderam a noção! E o Hank Aaron, rapaziada? Como deixar o Hank de fora?
Certa vez, todos os cargos da equipe mista foram postos à disposição. As vagas eram preenchidas principalmente em função do tempo de trabalho. A equipe mista se organizou e rasgou as fichas de preenchimentos de vagas do livro de pedidos. Eles não podiam fazer nada. Ninguém deu queixa por escrito. Era um caminho comprido e escuro até o estacionamento à noite.
Comecei a sentir tonturas. Podia senti-las vindo. A caixa começava a girar. As crises duravam um minuto. Não conseguia entender o que se passava. Cada carta se tornava mais e mais pesada. Os funcionários começavam a ter aquele aspecto de um cinza esmaecido. Eu começava a deslizar de meu banquinho. Minhas pernas mal eram capazes de me sustentar. O trabalho estava me matando.
Fui até meu médico e lhe disse o que estava acontecendo. Ele mediu minha pressão.
– Não, não, não há nada de errado com sua pressão.
Então ele me auscultou e me pesou.
– Não vejo nada de errado.
Depois resolveu fazer um exame de sangue especial. Fez três coletas de sangue, sucessivas, em intervalos, cada um parecendo maior do que o anterior.
– Importa-se de esperar na outra sala?
– Não, não, vou dar uma volta por aí e retorno na hora combinada.
– Certo, mas volte mesmo na hora combinada.
Cheguei a tempo para a segunda coleta. Então houve uma espera maior para a terceira, cerca de vinte ou 25 minutos. Dei uma volta pela rua. Nada de especial estava acontecendo. Fui até uma loja de conveniências e fiquei lendo uma revista. Coloquei-a de volta em seu lugar, olhei para o relógio e saí. Vi aquela mulher sentada na parada de ônibus. Era uma dessas que a gente vê raramente. Mostrava boa parte das pernas. Não conseguia desviar meus olhos. Atravessei a rua e fiquei a uns vinte metros de distância.
Então ela se levantou. Tive que segui-la. Aquele rabo gostoso acenava para mim. Eu estava hipnotizado. Ela entrou numa agência dos Correios. Entrou numa enorme fila e eu fiquei atrás dela. Trazia dois postais consigo. Comprei doze postais de via aérea e dois dólares em selos.
Quando saí, ela apanhava o ônibus. Vi ainda um resquício daquelas pernas e daquele rabo deliciosos entrando no ônibus, ônibus que a levou embora.
O médico estava esperando.
– O que aconteceu? O senhor está cinco minutos atrasado!
– Não sei. Meu relógio deve ter parado.
– AS COISAS TÊM QUE SER FEITAS COM EXATIDÃO!
– Vamos. Tire meu sangue duma vez.
Ele me enfiou a agulha...
Dois dias depois, os testes disseram que não havia nada de errado comigo. Não sei se foi por causa daquela diferença de cinco minutos. Mas as crises de tontura pioraram. Comecei a sair do trabalho quatro horas antes do previsto, sem preencher corretamente os formulários.
Eu chegava por volta das onze da noite e lá estava Fay. Pobre Fay grávida.
– O que aconteceu?
– Não conseguia suportar mais – eu disse –, estou muito sensível...
– Cartas na rua
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