Charles Bukowski

Charles Bukowski

poeta, contista e romancista estadunidense

1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
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O Homem Forte

eu fui vê-lo, lá naquele lugar em
Echo Park
depois do meu expediente
nos correios.
ele era um enorme sujeito barbudo
e estava sentado em sua cadeira como um
Buda
e ele era o meu Buda, meu guru
meu herói, meu rugido de
luz.
às vezes ele não era gentil
mas ele era sempre bem mais do que
interessante.
sair daqueles escravos
dos correios
e entrar naquela explosão de luz
me confundia,
mas era uma confusão
extraordinária e
deliciosa.
milhares de livros sobre
centenas de assuntos
apodreciam em seu
porão.
jogar xadrez com ele era
levar uma surra risível no
tabuleiro.
desafiá-lo
física ou
mentalmente era
inútil.
mas ele tinha a habilidade de
escutar nossa
caçoada
com paciência
e também a habilidade
de resumir as
fraquezas,
as ilusões daquilo
numa única frase.
eu muitas vezes me perguntava como é que
ele aguentava as minhas
queixas; ele era gentil,
afinal de contas.
as noites duravam 7,
8 horas.
eu tinha minhas libações.
ele tinha a si mesmo
e uma linda mulher
que sorria em silêncio enquanto
nos
escutava.
ela trabalhava numa prancheta
de desenho,
projetando coisas.
nunca perguntei o que era e
ela nunca
disse.
as paredes e os tetos
eram cobertos com
centenas de dizeres esquisitos
colados –
como as últimas palavras de
um homem numa cadeira
elétrica,
ou gângsteres em seus
leitos de morte,
ou as instruções de uma velha mulher de bandido
para suas crianças;
fotos de Hitler, Al Capone,
Chefe Touro Sentado,
Lucky Luciano.
era uma interminável
colmeia de faces
e
declarações estranhas.
era sombriamente revigorante.
e em momentos raros e ocasionais
até eu ficava bom.
então o Buda assentia
com a cabeça.
ele gravava tudo em
fitas.
às vezes numa outra
noite ele tocava uma
fita desde o começo para
mim.
e aí eu me dava
conta de como
eu soava lastimável,
desprezível,
inepto.
raramente ele falhava.
por vezes eu me perguntava por que
o mundo não
o
descobrira.
ele não fazia o menor esforço para ser
descoberto.
ele recebia outros
visitantes,
sempre gente maluca,
original,
revigorante.
era mais louco do que o
sol incendiando o
mar,
eram os morcegos do inferno
rodopiando pela
sala.
era a depuração
da merda na
psique
retalhada.
noite após noite após
noite, eu
me enchia, eu voava, eu me encharcava
num deslumbramento
especial.
isso foi décadas atrás
e ele ainda está
vivo, eu
também.
ele criou um lugar quando
não havia
lugar.
um lugar para ir quando tudo
estava se fechando,
estrangulando, esmagando,
debilitando,
quando não havia
voz, não havia som,
não havia sentido,
ele emprestava calma
salvando
a graça
natural.
eu sinto que lhe devo
uma,
eu sinto que lhe devo
várias.
mas consigo ouvi-lo
agora, aquela mesma
voz
de quando ele se sentava
tão imenso
naquela mesma
cadeira:
“Não há dívida alguma,
Bukowski.”
afinal você está errado
dessa vez,
John Thomas, seu
desgraçado.
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