Charles Bukowski

Charles Bukowski

poeta, contista e romancista estadunidense

1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
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Todos Os Meus Amigos

Van Gogh acabou de vir aqui me reclamar
que Theo tinha lhe mandado as tintas
erradas.
mal passara um momento desde sua saída
quando Dostoiévski bateu e pediu um
empréstimo para pagar a roleta,
alegou estar trabalhando numa obra-prima,
algo chamado Crime e castigo
então Chatterton bateu e perguntou se eu não
tinha um pouco de veneno de rato, disse que tinha uma ideia de
como se livrar dos ratos.
Villon ficou sentado dando chilique metade da noite sobre
como tinha sido banido de Paris – não por sua
escrita mas simplesmente por causa de certo roubo
trivial, sério, ele disse, titica de galinha.
depois o Ernie chegou, ele estava bêbado e começou
a falar sobre as touradas, é só disso que ele fala:
touradas e pescaria, o GRANDE que escapou,
e ele não se desliga da guerra, da guerra, da guerra.
fiquei contente quando ele saiu.
Picasso chegou em seguida e reclamou que sua
amante da vez, também uma pintora, tinha inveja
dele, ela achava que sabia pintar mas era
contida por ser mulher e que um
dia pintaria um livro sobre ele chamando-o
de reles monstro babaca e com isso ela ganharia
a única fama pela qual tanto ansiava.
então Knut Hamsun apareceu e afirmou ter sofrido
armação na história dos crimes de guerra.
seguido por Ezra que falou do mesmo assunto.
seguido pelo bom doutor Céline.
então H.D. veio e disse “agora eu só queria que eu
tivesse usado meu nome verdadeiro, Hilda Doolittle, que vá pro inferno
o Manifesto Imagista, acabou acontecendo de todo modo que quando
as pessoas viam ‘H.D.’ tudo que faziam era inverter as iniciais
e pensar naquele merda do D.H. Lawrence.”
depois Mozart, o ex-menino prodígio, bateu e pediu
uma moedinha, eu dei, que impostor fingindo estar
em apuros depois de escrever mais sinfonias do que qualquer homem
que eu consiga lembrar.
depois o Ernie veio de novo, pedindo pra pegar emprestado um cartucho
de espingarda, dizendo ter uma caça especial em
mente.
deixei que ele levasse.

aí Borodin bateu, alegando que sua esposa o fazia dormir nas
escadas e sempre virava um demônio quando ele apertava o saquinho de chá
com a colher.

depois disso me cansei de todas as batidas e de todas as pessoas – fiquei
gritando para Beethoven ir embora mas ele não parava de bater –
então desliguei as luzes, meti meus tampões de ouvido e fui dormir
mas não adiantou porque tive um pesadelo e eis ali
o tal Van Gogh de novo, só que ele não tinha cortado fora só uma orelha
e sim as duas orelhas, quero dizer, ele realmente parecia fodido, e ele mandou
uma orelha para uma prostituta e a outra para outra e a primeira
prostituta teve ânsia de vômito e jogou a orelha por cima do ombro esquerdo mas
a segunda prostituta só riu, baixou as calcinhas e
enfiou a orelha no reto dizendo “agora posso escutar os cacetes
entrando e a merda caindo.”

então acordei e os ossos do crânio e o sangue de Hemingway pingaram
em mim do
teto.
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