Pablo Neruda
Pablo Neruda foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha e no México.
1904-07-12 Parral, Chile
1973-09-23 Santiago, Chile
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Viajantes
Recordo a fina cinza celeste que se desprendia
caindo em teus olhos, cobrindo a veste celeste,
azul, extrazul azulado era o céu desnudo
e o ouro era azul nos seios sagrados com que Samarkanda
entornava suas taças azuis sobre tua cabeça
dando-te o prestígio de um vento enterrado que volta à vida
derramando presentes azuis e frutos de pompa celeste.
Eu escrevo a lembrança, o recente viajante, a perdida
homenagem
que minha alma traçou navegando as duras regiões
em que se encontraram os séculos mais velhos, cobertos de pó e de sangue,
com a irrigação florescente das energias:
tu sabes, amor, que pisamos a estepe recém-entregada ao cravo;
recém amassavam o pão os que ordenam que cantem as águas;
recém se deitavam ao lado do rio inventado por eles
e vimos chegar o aroma depois de mil anos de ausência.
Acordo na noite, acordas de noite, perdido na paz cinzenta
daquelas cidades que tombam a tarde com torres de ouro
e em cima cachos de mágicas cúpulas onde a turquesa
forjou um hemisfério secreto e sagrado de luz feminina
e tu no crepúsculo, perdida em meu sonho repetes
com dois cereais dourados o sonho do céu perdido.
O novo que traçam os homens, o riso do claro engenheiro
que deu-nos a provar o produto orgulhoso nascido na
estepe maldita
talvez esqueçamos tecendo no sonho a continuidade do silêncio
porque assim determina o viajante que aquela cinza sagrada,
as torres de guerra, o hotel dos deuses calados,
tudo aquilo que ouviu os galopes guerreiros, o grito
do agonizante enredado na cruz ou na roda,
tudo aquilo que o tempo acendeu com sua lâmpada e depois
tremeu no vazio e gastou a corrente infinita de outonos e luas
parece no sonho mais vivo que todos os vivos
e quando este ovo, este mel, este hectare de linho,
este assado de reses que pastam as novas pradarias,
este canto de amor kolkosiano na água que corre
parecem irreais, perdidos no meio do sol de Bukhara,
como se a terra sedenta, violada e nutritiva,
quisesse estender o mandato, e o punho vazio
de cúpulas, tumbas, mesquitas, e de seu esplendor angustiado.
caindo em teus olhos, cobrindo a veste celeste,
azul, extrazul azulado era o céu desnudo
e o ouro era azul nos seios sagrados com que Samarkanda
entornava suas taças azuis sobre tua cabeça
dando-te o prestígio de um vento enterrado que volta à vida
derramando presentes azuis e frutos de pompa celeste.
Eu escrevo a lembrança, o recente viajante, a perdida
homenagem
que minha alma traçou navegando as duras regiões
em que se encontraram os séculos mais velhos, cobertos de pó e de sangue,
com a irrigação florescente das energias:
tu sabes, amor, que pisamos a estepe recém-entregada ao cravo;
recém amassavam o pão os que ordenam que cantem as águas;
recém se deitavam ao lado do rio inventado por eles
e vimos chegar o aroma depois de mil anos de ausência.
Acordo na noite, acordas de noite, perdido na paz cinzenta
daquelas cidades que tombam a tarde com torres de ouro
e em cima cachos de mágicas cúpulas onde a turquesa
forjou um hemisfério secreto e sagrado de luz feminina
e tu no crepúsculo, perdida em meu sonho repetes
com dois cereais dourados o sonho do céu perdido.
O novo que traçam os homens, o riso do claro engenheiro
que deu-nos a provar o produto orgulhoso nascido na
estepe maldita
talvez esqueçamos tecendo no sonho a continuidade do silêncio
porque assim determina o viajante que aquela cinza sagrada,
as torres de guerra, o hotel dos deuses calados,
tudo aquilo que ouviu os galopes guerreiros, o grito
do agonizante enredado na cruz ou na roda,
tudo aquilo que o tempo acendeu com sua lâmpada e depois
tremeu no vazio e gastou a corrente infinita de outonos e luas
parece no sonho mais vivo que todos os vivos
e quando este ovo, este mel, este hectare de linho,
este assado de reses que pastam as novas pradarias,
este canto de amor kolkosiano na água que corre
parecem irreais, perdidos no meio do sol de Bukhara,
como se a terra sedenta, violada e nutritiva,
quisesse estender o mandato, e o punho vazio
de cúpulas, tumbas, mesquitas, e de seu esplendor angustiado.
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