Pablo Neruda
Pablo Neruda foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha e no México.
1904-07-12 Parral, Chile
1973-09-23 Santiago, Chile
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Um Certo Monteiro
Conheci-o (e aquele homem se chamava
Montero) no tumulto
de uma guerra em que estive.
Ele estava grudado à política
como uma concha à geologia,
e parecia ser a coralífera
expressão, mais um do organismo,
vital e vitalício, jactancioso
de uma pureza como a do povo.
Agora, bem, aquele homem se rompeu
e sua autenticidade era mentira.
Não era aquilo, descobrimos,
não era uma uva do cacho escuro,
não era o gregário da vontade,
nem o capitão unânime:
tudo que levava caiu
como uma roupa velha. E ficou nu:
apenas um vociferante indivíduo
surgido de um lamaçal silvestre.
Mas o que importa ou o que não suporto
é que a falsidade deste ou daquele
achem máscaras e luvas e roupas
tão suntuosas e tão enfeitadas
que nós, os verdadeiros,
convencidos de tudo e boquiabertos
colaboramos em seu carnaval
sem saber direito onde está a vida.
Ah, e que não se chame de traidores
a tantos que ensinaram a verdade
vivendo-a talvez com inteireza
para chegar a ser seus inimigos
e odiaram desde então
o que eles foram e o que sempre somos.
O pobre renegado
de lugar em lugares vive,
sobrevive em hotéis presunçosos
condenando-se mais e mais amargo
até explicar-se ao vazio
já sem outra companhia além do umbigo.
Por que maldizê-los quando se gastaram
vertendo o frio que traziam dentro?
Montero) no tumulto
de uma guerra em que estive.
Ele estava grudado à política
como uma concha à geologia,
e parecia ser a coralífera
expressão, mais um do organismo,
vital e vitalício, jactancioso
de uma pureza como a do povo.
Agora, bem, aquele homem se rompeu
e sua autenticidade era mentira.
Não era aquilo, descobrimos,
não era uma uva do cacho escuro,
não era o gregário da vontade,
nem o capitão unânime:
tudo que levava caiu
como uma roupa velha. E ficou nu:
apenas um vociferante indivíduo
surgido de um lamaçal silvestre.
Mas o que importa ou o que não suporto
é que a falsidade deste ou daquele
achem máscaras e luvas e roupas
tão suntuosas e tão enfeitadas
que nós, os verdadeiros,
convencidos de tudo e boquiabertos
colaboramos em seu carnaval
sem saber direito onde está a vida.
Ah, e que não se chame de traidores
a tantos que ensinaram a verdade
vivendo-a talvez com inteireza
para chegar a ser seus inimigos
e odiaram desde então
o que eles foram e o que sempre somos.
O pobre renegado
de lugar em lugares vive,
sobrevive em hotéis presunçosos
condenando-se mais e mais amargo
até explicar-se ao vazio
já sem outra companhia além do umbigo.
Por que maldizê-los quando se gastaram
vertendo o frio que traziam dentro?
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