António Ramos Rosa
António Victor Ramos Rosa, foi um poeta, português, tradutor e desenhador. Ramos Rosa estudou em Faro, não tendo acabado o ensino secundário por questões de saúde.
1924-10-17 Faro
2013-09-23 Lisboa
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Antes do Poema
à Eusa
e ao António
O que antes se desenha antes
do poema e da folhagem o branco quarto é o animal branco
antes da boca e do barco no próprio muro
gota de água que encerra
o ponto do espaço em que as formas
se debruçam sobre um olho negro um olho verde
nulo
aqui onde tudo pode começar nada começa
livre e branco (livro branco)
luz nua que atravessa o espaço
das palavras nunca ditas
asas que nunca voaram actos incidências pausas
estático e branco e nulo um grande passo
para começar de vez o inacabável
princípio
o corpo insondável na água nua
o que nunca se encontrará secretamente
em vocábulos vivos através da página
um olhar que se encerra no seu espaço puro
onde se desenha um dedo de ar
a insinuação de um sulco
a ficção do início a boca ausente
do poema
eu não escrevo no lugar que se abriu
estou dentro e fora de uma caverna branca mas fechada
continuo sempre dentro dentro e sempre fora
sem encontrar o lugar material e transparente e nulo
que seria a boca do poema e do corpo vivo
se encontro a palavra encontro o muro antes da palavra antes do mundo
nada encontro que não seja o ar da árvore que não rompe
porque as palavras separam-se das palavras
e apagam o silêncio branco do lugar
no não princípio de um muro sem princípio nem fim
dia único e neutro de sol implacável sobre o muro
Aqui é para sempre estar-se fixo e perdido
com as palavras só sem as palavras
porque nada dizem não dizem o nada
deste lugar ausente
onde a diferença é nula
de palavra a palavra
Aqui é um espaço um lugar Posso habitá-lo
mesmo sem ervas sem sombras unicamente branco?
Um desejo o futuro de um desejo no espaço irrespirável
Como pode ser um lugar invisível não é visível o branco
o nu o nulo?
Eu disse um espaço para respirar E digo um braço
para continuar mas não descrevo
este lugar
nu
onde dar um passo é construir a boca
do chão
habitar o lugar
repetir a diferença de palavra a palavra
num eterno num secreto
recomeçar
Este lugar é impossível mas é um lugar que nasce
de um extremo É um lugar muito rápido e
no entanto para descrevê-lo são necessárias pausas
numa vertigem lenta minuciosa
É um lugar compacto e lúcido Atravessa-o uma trave
de sinais brancos Uma frescura perpassa
no cimo de um arvoredo que não está lá
Nada se passa senão qualquer coisa que passa
e não se sabe bem se passou E é apenas esta
habitação a cair no nulo que suspensa
é a palavra do invisível lugar ausente
Disse que o lugar era compacto e todavia que leveza
que ténue é a folhagem invisível!
A dor torna-se branca Na nudez nua
o corpo delicia-se na superfície livre
que se abre no interior e as imagens brancas
aguardam as cores iminentes Sente-se
os animais próximos
um rumor da água rasa diz um segredo de folhas
como se algo estivesse a passar-se ou algo fosse passar-se
mas nada nada se sabe e é exactamente aí
que o eu principia
a sua própria fábula
O ilegível rumor nas palavras legíveis
o legível rumor nas palavras ilegíveis
Tudo se anuncia tudo é possível porque se está no centro
ou no extremo de algo impossível e irredutivelmente obscuro
Mas que claridade nas palavras desertas!
Que volúpia ténue como se o ar fosse um rosto
como se o corpo se desse na água nua invisível
como se tudo começasse ó boca do poema!
Nada começa afinal E é esse o preço e o prémio
Tudo cessou há muito O que se ouve é o futuro
começo e onde estou é o livre intervalo
que o rastro das palavras restitui
Assim tudo é possível até o próprio princípio
É iminente a cor no muro As vozes de todo o mundo
Mas sobretudo a ausência de tudo abre o caminho
que não se descobre senão nas trevas do lugar
É aqui sabe-se que é aqui e não aqui sabe-se
que os animais caminham na claridade
que o corpo se anuncia
através das palavras mais cinzentas
mais nuas
mais nulas
O deserto é fecundo Fica sempre à beira de
nada
de
tudo
Há uma língua que inunda a língua ferida
no deserto A língua consumida exausta terminada
Já nada se espera desta língua perdida
Esta língua feriu-se no extremo do possível
e eis que ela diz a própria limpidez
das palavras nuas como o corpo entrevisto
como a água que passa invisível na berma
como o leve sorriso que paira no lugar
Lugar branco pedra negra palavra dita sobre o mar
quem a ouve ouvirá mais do que o sussurro das ondas
quem a compreende compreenderá o ar
compreenderá o nulo e leve sorriso que paira no lugar?
As palavras perpassam Que aconteceu? Ou algo
acontece ou acontecerá? O que está antes ou depois ou entre
é o ar e a folhagem o quarto branco
o espaço livre intermitente a água
o possível de tudo a repetição da diferença
o princípio de tudo?
e ao António
O que antes se desenha antes
do poema e da folhagem o branco quarto é o animal branco
antes da boca e do barco no próprio muro
gota de água que encerra
o ponto do espaço em que as formas
se debruçam sobre um olho negro um olho verde
nulo
aqui onde tudo pode começar nada começa
livre e branco (livro branco)
luz nua que atravessa o espaço
das palavras nunca ditas
asas que nunca voaram actos incidências pausas
estático e branco e nulo um grande passo
para começar de vez o inacabável
princípio
o corpo insondável na água nua
o que nunca se encontrará secretamente
em vocábulos vivos através da página
um olhar que se encerra no seu espaço puro
onde se desenha um dedo de ar
a insinuação de um sulco
a ficção do início a boca ausente
do poema
eu não escrevo no lugar que se abriu
estou dentro e fora de uma caverna branca mas fechada
continuo sempre dentro dentro e sempre fora
sem encontrar o lugar material e transparente e nulo
que seria a boca do poema e do corpo vivo
se encontro a palavra encontro o muro antes da palavra antes do mundo
nada encontro que não seja o ar da árvore que não rompe
porque as palavras separam-se das palavras
e apagam o silêncio branco do lugar
no não princípio de um muro sem princípio nem fim
dia único e neutro de sol implacável sobre o muro
Aqui é para sempre estar-se fixo e perdido
com as palavras só sem as palavras
porque nada dizem não dizem o nada
deste lugar ausente
onde a diferença é nula
de palavra a palavra
Aqui é um espaço um lugar Posso habitá-lo
mesmo sem ervas sem sombras unicamente branco?
Um desejo o futuro de um desejo no espaço irrespirável
Como pode ser um lugar invisível não é visível o branco
o nu o nulo?
Eu disse um espaço para respirar E digo um braço
para continuar mas não descrevo
este lugar
nu
onde dar um passo é construir a boca
do chão
habitar o lugar
repetir a diferença de palavra a palavra
num eterno num secreto
recomeçar
Este lugar é impossível mas é um lugar que nasce
de um extremo É um lugar muito rápido e
no entanto para descrevê-lo são necessárias pausas
numa vertigem lenta minuciosa
É um lugar compacto e lúcido Atravessa-o uma trave
de sinais brancos Uma frescura perpassa
no cimo de um arvoredo que não está lá
Nada se passa senão qualquer coisa que passa
e não se sabe bem se passou E é apenas esta
habitação a cair no nulo que suspensa
é a palavra do invisível lugar ausente
Disse que o lugar era compacto e todavia que leveza
que ténue é a folhagem invisível!
A dor torna-se branca Na nudez nua
o corpo delicia-se na superfície livre
que se abre no interior e as imagens brancas
aguardam as cores iminentes Sente-se
os animais próximos
um rumor da água rasa diz um segredo de folhas
como se algo estivesse a passar-se ou algo fosse passar-se
mas nada nada se sabe e é exactamente aí
que o eu principia
a sua própria fábula
O ilegível rumor nas palavras legíveis
o legível rumor nas palavras ilegíveis
Tudo se anuncia tudo é possível porque se está no centro
ou no extremo de algo impossível e irredutivelmente obscuro
Mas que claridade nas palavras desertas!
Que volúpia ténue como se o ar fosse um rosto
como se o corpo se desse na água nua invisível
como se tudo começasse ó boca do poema!
Nada começa afinal E é esse o preço e o prémio
Tudo cessou há muito O que se ouve é o futuro
começo e onde estou é o livre intervalo
que o rastro das palavras restitui
Assim tudo é possível até o próprio princípio
É iminente a cor no muro As vozes de todo o mundo
Mas sobretudo a ausência de tudo abre o caminho
que não se descobre senão nas trevas do lugar
É aqui sabe-se que é aqui e não aqui sabe-se
que os animais caminham na claridade
que o corpo se anuncia
através das palavras mais cinzentas
mais nuas
mais nulas
O deserto é fecundo Fica sempre à beira de
nada
de
tudo
Há uma língua que inunda a língua ferida
no deserto A língua consumida exausta terminada
Já nada se espera desta língua perdida
Esta língua feriu-se no extremo do possível
e eis que ela diz a própria limpidez
das palavras nuas como o corpo entrevisto
como a água que passa invisível na berma
como o leve sorriso que paira no lugar
Lugar branco pedra negra palavra dita sobre o mar
quem a ouve ouvirá mais do que o sussurro das ondas
quem a compreende compreenderá o ar
compreenderá o nulo e leve sorriso que paira no lugar?
As palavras perpassam Que aconteceu? Ou algo
acontece ou acontecerá? O que está antes ou depois ou entre
é o ar e a folhagem o quarto branco
o espaço livre intermitente a água
o possível de tudo a repetição da diferença
o princípio de tudo?
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