Hélia Correia

Hélia Correia

Escritora e tradutora galardoada com o Prémio Camões 2015

Lisboa
2426
0
0


Prémios e Movimentos

PEN Clube 2013Camões 2015

Alguns Poemas

Esmola

I
Lançai‑me
uma palavra, como alguns
atiram côdea aos cães.
Uma palavra
que, embrulhada nesse cuspo
que vos escorre pelos queixos,
brilha
e desconcerta a própria
repugnância.
Sacudi‑a
de vós, tal como alguém
sacode a lama seca do sapato
sem perceber sequer que lama é
porque não tira os pés
do alcatrão.
Essa palavra abandonada à porta,
eu a recolherei, como se houvesse
nela um pedido,
a súplica de um órfão,
de uma cria deixada para
morrer.
Eu pegarei nessa palavra ao colo
e, não sabendo onde encontrar abrigo
nem alimento,
dormirei com ela,
ouvindo‑a
murmurar,
enquanto os bosques
vão crepitando e a cinza
nos recobre.

II

Mas entregai uma qualquer palavra,
dessas que tanto desprezais,
ao meu cuidado.
Uma palavra, por exemplo,
sobre a qual
ninguém se incline já
porque a confunde
com uma pedra do caminho
ou um excremento,
tão insignificante
se tornou.
Oh, que estranho é pensar que elas tiveram,
até, reis como servos, as palavras.
Pensar que elas passavam pelos séculos
com o seu corpo musical, tão frágil
e tão convocador de tempestades.
Essas pequenas criaturas transparentes,
sem peso, com alguma vocação
para a malignidade, pois não têm
nem sombra nem reflexo,
e dos seus dedos
desce a grande beleza do terrível
e a grande redenção
que há no poema

III


Pequenas, misteriosas criaturas
que não nascem do mundo natural,
que são obra dos homens,
sendo os homens a obra delas,
vejo‑as
hoje mais do que escorraçadas:
submetidas.
Elas que eram solenes e risonhas,
tanto mais necessárias quanto inúteis,
e tanto mais inúteis quanto pura
exaltação do texto, essas palavras
rolam humildemente pelo chão.
Deixai, deixai cair uma palavra,
e outra, e outra,
os ossos do banquete,
para que me roje e as apanhe com a boca,
sendo eu menos
do que mendiga,
menos do que cadela,
sendo eu menos do que um bicho
com fome:
sendo a fome.
Licenciada em Filologia Românica, foi professora do ensino secundário, dedicando-se actualmente à tradução e à escrita. Foi uma das colaboradoras mais activas do suplemento «Juvenil» do Diário de Lisboa. Sendo também poetisa e dramaturga, foi enquanto ficcionista que Hélia Correia se revelou como um dos nomes mais importantes e originais da década de oitenta, ao publicar, em 1981, O Número dos Vivos. Autora de uma obra de características muito próprias, quer pela qualidade melódica da sua escrita, onde se detecta uma sensível contaminação poética, quer pelo universo nela criado, de características originais e inquietantes, Hélia Correia cria uma linguagem narrativa onde o ordinário e o extraordinário ultrapassam por vezes as fronteiras estabelecidas. Esta espécie de subversão dos limites revela-se nos seus livros, ora criando rupturas num quotidiano convencional e burguês (como em Soma ou A Fenda Erótica), ora denunciando a corrupção das formas de vida mais tradicionais e ligadas à terra dos camponeses e aldeões da nossa época (como em Montedemo ou Insânia, onde a tonalidade finissecular da narrativa é sensível na espécie de veneno que se insinua em toda a narrativa, contaminando todas as condições de sobrevivência humana). Lillias Fraser recupera o género do romance histórico-fantástico, onde se revisita exemplarmente a História e a Literatura, que se desfiam e desdobram em acontecimentos e personagens que influenciam o decurso da vida de Lillias. Desde a Escócia da Batalha de Culloden até à Lisboa do terramoto de 1755, assim vai crescendo Lillias no meio das guerras e das ruínas de um mundo em mudança. Participou em 10 Poemas para Che Guevara, Porto: Ed. O Oiro do Dia, 1980; e em Vozes e Olhares no Feminino, Porto: Edições Afrontamento, 2001. A sua escrita para teatro tem sido levada à cena por várias companhias de Lisboa: Montedemo, numa adaptação, pelo grupo de teatro «O Bando» em 1987, e, já na década de 90, Perdição, Exercíco sobre Antígona pelo grupo «A Comuna» e Florbela, pelo grupo «Maizum».
Ler Mais Ler Melhor Livro da Vida de Hélia Correia
Hélia Correia e Nuno Júdice no FIC 2017
MESA 14: O medo das palavras, contra o politicamente correto. Hélia Correia e Ana Sousa Dias
DIA MUNDIAL DA POESIA: HÉLIA CORREIA
À conversa com...Hélia Correia na Biblioteca Municipal de albergaria-à-Velha
Hélia Correia - 'Adoecer' (excerto)
Alunos da EB1 Hélia Correia criam o jogo da gentileza | #DesafioEscolas | Movimento Gentil
Ler Mais, Ler Melhor - A Terceira Miséria, Hélia Correia, Relógio D'Água
Filipa Martins - "Um Bailarino na Batalha" de Hélia Correia
Hélia Correia recece Prémio Camões com um viva a Grécia
Hélia Correia: Das dritte Elend & Tänzer im Taumel
FLP2021 — DUETOS#7 | MIGUEL MANSO — HÉLIA CORREIA
Nós / Εμείς / We (Hélia Correia: “Indignação”)
Storytelling - Hélia Correia
HÉLIA CORREIA presenta 'Lillias Fraser' (La umbría y la solana).
Hélia Correia - Verbetes A Europa Face à Europa
Escritora Hélia Correia na FLUL
A ruína da Grécia / Ο χαμός τής Ελλάδας (Hélia Correia)
Ler Mais, Ler Melhor - A Chegada de Twainy, de Hélia Correia, Relógio D'Água
Sem deuses (Hélia Correia: “Terceira miséria”)
A Tentação (Hélia Correia)
Desmesura, de Hélia Correia – teaser 1
Hélia Correia lê Llansol
Maria Gabriela Llansol | Hélia Correia | amar um cão [extract]
Programa “Escritores no Palácio de Belém” com Hélia Correia
Helia da Silva
Prémio Casino da Póvoa para Hélia Correia
HELIA CORREIA presenta 'Dolencia' (La Umbría y la Solana)
A crise europeia à luz da Grécia | Intervenção de Hélia Correia
Os Músicos de Bremen - Hélia Correia
Hélia Correia apoia Manuel Alegre
Poemas de Helia Correia ditos por Isabel Martins
Simulacro de incêndio na escola Hélia Correia 2018
As ilhas do Egeu / Τα νησιά τού Αιγαίου (Hélia Correia)
"ESMOLA" de hélia correia
Feitiço / Ξόρκι / Spell (Hélia Correia: “Indignação”)
Ana Hatherly e Hélia Correia
Ἐπιτάφιος Σείκιλου/Seikilos Epitaph (Hélia Correia)
Os Músicos de Bremen - Helia Correia
À conversa com... Hélia Correia, sobre o livro "Um bailarino na Batalha"
Um início / Μια αρχή (Hélia Correia: Terceira miséria)
Acidentes, de Hélia Correia
“Narrativa, poesia e pandemia” com Hélia Correia e Julieta Monginho
Linda
Anozero: Bienal de arte contemporânea de Coimbra na Casa da Escrita (6)
Leitura do conto “Uma noite em Luddenden” (2014), de Hélia Correia
Saramago na EB Hélia Correia - Estreia a 16 de novembro, às 10h00 #centenariosaramago
21 MAR 2020 | #ligadospelapoesia | Hélia Correia, "De que armas disporemos, se não destas"
ADOECER_Teatro O Bando (2017)
Ataque não pega no pé

Quem Gosta

Seguidores