Miguel Torga
Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, foi um dos mais influentes poetas e escritores portugueses do século XX. Destacou-se como poeta, contista e memorialista, mas escreveu também romances, peças de teatro e ensaios.
1907-08-12 S.Martinho de Anta-Sabrosa, Portugal
1995-01-17 Coimbra
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1503
Afonso de Albuquerque
Quando esta escrevo a Vossa Alteza
Estou com um soluço que é sinal de morte.
Morro à vista de Goa, a fortaleza
Que deixo à índia a defender-lhe a sorte.
Morro de mal com todos que servi,
Porque eu servi o rei e o povo todo.
Morro quase sem mancha, que não vi
Alma sem mancha à tona deste lodo.
De Oeste a Leste a índia fica vossa;
De Oeste a Leste o vento da traição
Sopra com força para que não possa
O rei de Portugal tê-la na mão.
Em Deus e em mim o império tem raízes
Que nem um furacão pode arrancar...
Em Deus e em mim, que temos cicatrizes
Da mesma lança que nos fez lutar.
Em mais alguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho cresceu e avassalou
A semente daninha que de além
A tua mão, Senhor, lhe semeou.
Por isso a índia há de acabar em fumo
Nesses doiros paços de Lisboa;
Por isso a pátria há de perder o rumo
Das muralhas de Goa.
Por isso o Nilo há de correr no Egito
E Meca há de guardar o muçulmano
Corpo dum moiro que gerou meu grito
De cristão lusitano.
Por isso melhor é que chegue a hora
E outra vida comece neste fim...
Do que fiz não cuido agora:
A índia inteira falará por mim.
Estou com um soluço que é sinal de morte.
Morro à vista de Goa, a fortaleza
Que deixo à índia a defender-lhe a sorte.
Morro de mal com todos que servi,
Porque eu servi o rei e o povo todo.
Morro quase sem mancha, que não vi
Alma sem mancha à tona deste lodo.
De Oeste a Leste a índia fica vossa;
De Oeste a Leste o vento da traição
Sopra com força para que não possa
O rei de Portugal tê-la na mão.
Em Deus e em mim o império tem raízes
Que nem um furacão pode arrancar...
Em Deus e em mim, que temos cicatrizes
Da mesma lança que nos fez lutar.
Em mais alguém, Senhor, em mais ninguém
O meu sonho cresceu e avassalou
A semente daninha que de além
A tua mão, Senhor, lhe semeou.
Por isso a índia há de acabar em fumo
Nesses doiros paços de Lisboa;
Por isso a pátria há de perder o rumo
Das muralhas de Goa.
Por isso o Nilo há de correr no Egito
E Meca há de guardar o muçulmano
Corpo dum moiro que gerou meu grito
De cristão lusitano.
Por isso melhor é que chegue a hora
E outra vida comece neste fim...
Do que fiz não cuido agora:
A índia inteira falará por mim.
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