Morte de mãe
.1.
Cercando a cama a gente esperava
escorregar daquele corpo a vida
para chorar (como se a morte
não vivesse sempre impressentida)
Matronas em pé com velhas varizes
machos curtidos em pinga úmidos
na penumbra: escuridão arrependida
(todos pendendo para aquele útero)
E devagar a vida escorregava
daquela boneca vestida de mãe
que abria os olhos e que chorava
e que dizia sempre sim sim sim
e esquecemos num canto qualquer e
para sempre fechou os olhos enfim
.2.
A carne quando nova, que beleza
mas vem o tempo com rugas varizes
cascas cansaço calos cicatrizes
careca corcunda cegueira surdeza
Olhar sem brilho e gesto sem leveza
tarde saudosa dos dias felizes
noite de acessos, tosses e crises
um dia a menos, única certeza
Vale a pena viver para isso?
E valerá a pena viver mais?
Mas a carne resiste, eis a verdade:
agarra-se às sopas e ao suspiro
dorme com medo de não acordar
e quando dorme enfim, que dignidade
.3.
E nossa mãe morreu, morreu avó
e tia prima cunhada sobrinha
empregada da casa e da rotina
e então nos móveis descansou o pó
Não teve tempo de ter uma amiga
entre campo e cidade em seu quintal
vassoura pia fogão e varal
e tanta planta da rosa à urtiga
Morreu – mas não desabou o mundo
também não despencaram as estrelas
só apagou-se a luz no criado-mudo
Não morreu de velha mas de canseira
e ainda queria dar algum conselho
quando lhe enchemos a boca de terra
.4.
Muito sol sem discursos e sem bronze
– chegamos, abrimos o caixão e
olhamos e olhamos como se
fosse uma foto para mandar longe
E soluçavam as pedras
por onde a gente tropeçava – tanto que
irmão até abraçava irmão e
o banguelo não ria do corcunda
Então irmanamente depusemos
os beijos de café que ela coou
na face enruguecida que bebemos
Choveu remorso até nas crianças
o silêncio afinal nos abençoou
mas em casa já falamos de herança
Cercando a cama a gente esperava
escorregar daquele corpo a vida
para chorar (como se a morte
não vivesse sempre impressentida)
Matronas em pé com velhas varizes
machos curtidos em pinga úmidos
na penumbra: escuridão arrependida
(todos pendendo para aquele útero)
E devagar a vida escorregava
daquela boneca vestida de mãe
que abria os olhos e que chorava
e que dizia sempre sim sim sim
e esquecemos num canto qualquer e
para sempre fechou os olhos enfim
.2.
A carne quando nova, que beleza
mas vem o tempo com rugas varizes
cascas cansaço calos cicatrizes
careca corcunda cegueira surdeza
Olhar sem brilho e gesto sem leveza
tarde saudosa dos dias felizes
noite de acessos, tosses e crises
um dia a menos, única certeza
Vale a pena viver para isso?
E valerá a pena viver mais?
Mas a carne resiste, eis a verdade:
agarra-se às sopas e ao suspiro
dorme com medo de não acordar
e quando dorme enfim, que dignidade
.3.
E nossa mãe morreu, morreu avó
e tia prima cunhada sobrinha
empregada da casa e da rotina
e então nos móveis descansou o pó
Não teve tempo de ter uma amiga
entre campo e cidade em seu quintal
vassoura pia fogão e varal
e tanta planta da rosa à urtiga
Morreu – mas não desabou o mundo
também não despencaram as estrelas
só apagou-se a luz no criado-mudo
Não morreu de velha mas de canseira
e ainda queria dar algum conselho
quando lhe enchemos a boca de terra
.4.
Muito sol sem discursos e sem bronze
– chegamos, abrimos o caixão e
olhamos e olhamos como se
fosse uma foto para mandar longe
E soluçavam as pedras
por onde a gente tropeçava – tanto que
irmão até abraçava irmão e
o banguelo não ria do corcunda
Então irmanamente depusemos
os beijos de café que ela coou
na face enruguecida que bebemos
Choveu remorso até nas crianças
o silêncio afinal nos abençoou
mas em casa já falamos de herança
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