Auto de fé

Quando o amor é como os papéis velhos
e anseia por mais arte que a do poema
o coração é o forno onde ardem palavras.

Nesse dia  elas foram, amarradas com barbante,
viúvas precipitando-se dentro da pira.
Fiquei a vê-las abrirem-se como pétalas
para  logo definharem a meus olhos
numa florescência não cumprida.
O seu frémito era ainda uma ânsia minha.

Remexi as cinzas, agitei o ar com as mãos.
Vi como um poema se mostra servil ante o fogo.
E pensei: ardessem também os meus dedos!
Para que o poema não deixe crias ao morrer
e não mais confira o direito à vida
do que nele vai escrito.

Porque o amor é a arte que fica além do poema,
no dia em que não escrever mais poemas
sei que o amor resgatará o meu corpo da chama.
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