Charles Bukowski

Charles Bukowski

poeta, contista e romancista estadunidense

1920-08-16 Andernach
1994-03-09 San Pedro
293511
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27

Posto de Bombeiros

(Para Jane, com amor)
saímos do bar
porque estávamos sem dinheiro
mas ainda tínhamos algumas garrafas de vinho
no quarto.
era cerca de quatro da tarde
e passamos por um posto de bombeiros
e ela
enlouqueceu:
“um POSTO DE BOMBEIROS! ah, eu adoro
os CAMINHÕES, são tão vermelhos e tudo o
mais! vamos entrar!”
eu a segui.
“CAMINHÕES DE BOMBEIRO!” ela gritou
rebolando seu grande
rabo.
ela já tentava subir num
deles, erguendo a saia até
a cintura, tentando alcançar o
banco.
“aqui, aqui, deixe eu ajudar você!” correu um
bombeiro.
outro bombeiro se aproximou de
mim: “nossos cidadãos são sempre bem-vindos”,
ele me
disse.
o outro cara já estava ao lado dela no
banco. “você tem uma dessas COISAS enormes?”
ela lhe perguntou. “digo, hahaha!, quero dizer um
desses CAPACETES enormes!
“tenho um outro capacete que também é enorme”, ele lhe
disse.
“hum, hahaha!”
“você joga cartas?” perguntei ao meu
bombeiro. tenho 43 centavos e todo o tempo do
mundo.
“venha comigo até os fundos” ele
disse. “claro, nada de jogo por aqui.
é contra as
regras.”
“entendo”, eu lhe
disse.
já havia transformado meus 43 centavos em
um dólar e noventa
quando a vi subir as escadas com
seu bombeiro.
“ele vai me mostrar seus
alojamentos”, ela me
disse.
“entendo”, eu lhe
respondi.
quando o bombeiro dela desceu deslizando pelo mastro
dez minutos depois
eu lhe fiz um aceno
com a cabeça.
“são 5
dólares.”
“5 dólares pelo
quê?”
“não queremos um escândalo, não é
mesmo? nós dois poderíamos perder nossos
empregos. claro, eu não estou
trabalhando.
ele me passou os
5.
“sente aí, você pode
recuperá-los.”
“qual que é o jogo?”
“blackjack.”
“jogar é contra a
lei.”
“tudo que é interessante é. além disso,
você está vendo algum dinheiro sobre a
mesa?”
ele se sentou.
agora éramos
5.
“que tal a parada, Harry?” alguém
perguntou.
“nada mal, nada
mal.”
o outro cara subia as
escadas.
jogavam muito mal.
não se davam ao trabalho de memorizar o
baralho. não sabiam se sobravam mais
cartas altas do que baixas. e basicamente jogavam até estourar,
não sabiam garantir uma mão
baixa.
quando o outro cara desceu
me passou uma nota de
cinco.
“como estava, Marty?”
“nada mal. ela conhece... uns movimentos
bacanas.”
“mais uma carta!” eu disse. “uma ótima garota. vou
eu mesmo lá.”
ninguém disse
nada.
“algum incêndio sério nos últimos tempos?”
perguntei.
“não. nada de
mais.”
“caras, vocês precisam
se exercitar. mais uma carta para
mim!”
um garoto grande e ruivo, que estava dando um lustre num
caminhão
largou sua flanela e
subiu as escadas.
ao descer me jogou uma nota de
cinco.
quando o quarto cara desceu eu lhe dei
3 de cinco por uma de
vinte.
não sei quantos bombeiros
estavam no prédio ou onde eles
estavam. notei que alguns haviam escapado da minha cobrança
mas eu era um bom
esportista.
estava escurecendo
quando o alarme
tocou.
começaram a correr pra lá e pra cá
caras surgiram deslizando pelo
mastro.
então ela surgiu deslizando pelo
mastro. era boa nesse negócio do
mastro. uma mulher de verdade. nada além de tripas
e
rabo.
“vamos embora”, eu lhe
disse.
ela ficou ali, dando tchauzinho para os
bombeiros mas eles já não
pareciam
muito interessados.
“vamos voltar para o bar”, eu lhe
disse.
“ah, você arrumou uma
grana?”
“achei uns trocos que eu achava que tinha
perdido...”
sentamos no fundo do bar
com uísque e cerveja para dar uma
amaciada.
“preciso dar uma boa
dormida.”
“claro, baby, você precisa de um bom
sono.”
“olha aquele marinheiro me encarando!
deve achar que eu sou... uma...”
“não, ele não acha nada disso. relaxe, você tem
classe, muita classe. às vezes você me lembra uma
cantora de ópera. você sabe, uma daquelas prima-donas.
você exala classe.
bebe
aí.”
pedi mais 2
rodadas.
“sabe, paizinho, você é o único homem que eu
AMO! digo, de verdade... AMO! sabe disso,
né?”
“claro que sei. às vezes penso que sou um rei
apesar de ser quem sou.”
“sim, sim, é isso que estou dizendo, algo
assim.”
tive que ir mijar. quando voltei
o marinheiro estava sentado no meu
lugar. a perna dela roçava a do marinheiro
enquanto ele falava.
me afastei e fui jogar dardos com
Harry o Cavalo e com o jornaleiro da
esquina.

O Hotel Sans era o melhor da cidade de Los Angeles. Era um hotel antigo, mas tinha a classe e o charme que faltavam aos mais novos. Ficava de frente para o parque do centro da cidade.
Era famoso por suas convenções de negócio e pelas putas caríssimas, de talento quase legendário que, no final de uma noite lucrativa, costumavam presentear os mensageiros com boas gorjetas. Havia também histórias de mensageiros que haviam se tornado milionários – mensageiros desgraçados, com cacetes de 27 centímetros que haviam tirado a sorte grande ao conhecer e se casar com alguma velhota rica que se hospedara no hotel. E a comida, as LAGOSTAS, os enormes chefs negros em seus altos e brancos chapéus de mestre-cuca, que sabiam de tudo, não apenas sobre comida, mas sobre a vida e sobre mim e sobre todas as coisas.
Fui contratado para trabalhar na seção de abastecimento. O setor de descarga tinha estilo: para cada caminhão que chegava, havia dez caras a postos para descarregar, quando na verdade dois bastariam. Eu vestia minhas melhores roupas. Nunca tive que tocar em nada.
Descarregávamos (eles descarregavam) tudo o que chegava ao hotel, em sua maioria itens alimentícios. Minha impressão era de que os ricos comiam mais lagostas do que qualquer outra coisa. Caixas e mais caixas do bicho não paravam de chegar, criaturas deliciosamente rosadas e grandes, balançando suas garras e barbas.
– Você gosta desse negócio, não, Chinaski?
– Claro. Maravilha – eu concordava.
Um dia, a mulher encarregada dos empregados me chamou. O escritório ficava atrás do setor de descarga.
– Quero que você gerencie este escritório aos domingos, Chinaski.
– E o que tenho que fazer?
– Basta atender ao telefone e contratar os lavadores de prato dos domingos.
– Tudo bem!
O primeiro domingo foi ótimo. Só tive que ficar ali sentado. Logo entrou um velho.
– Pois não, camarada? – perguntei.
Ele vestia um terno caro, mas estava cheio de vincos e um pouco sujo; e os punhos estavam puídos. Segurava o chapéu em uma das mãos.
– Escute, vocês precisam de um cara que seja bom de conversa? Alguém que possa tratar com o público? Tenho uma certa dose de charme, sei contar histórias engraçadas, sou capaz de fazer as pessoas darem boas risadas.
– É?
– Ah, sim.
– Faça-me rir.
– Oh, você não entende. Tem que ser no cenário adequado, é preciso clima, decoração, você entende...
– Faça-me rir.
– Senhor...
– Você não serve, não passa de um bêbado!
Os lavadores de pratos eram contratados pela tarde. Saí do escritório. Quarenta vagabundos de rua estavam por ali.
– Prestem atenção! Precisamos de cinco homens de qualidade! Cinco! Nada de bêbados, pervertidos, comunistas ou molestadores de criança! E é preciso ter o cartão da previdência! Vamos lá, tirem o cartão do bolso e ergam sobre suas cabeças!
Os cartões começaram a aparecer. Eles os agitavam.
– Ei, eu tenho um!
– Ei, camarada, olhe eu aqui! Me dê essa chance, cara!
Olhei para eles devagar.
– Você, com essa marca de merda no colarinho – apontei. – Dê um passo à frente.
– Isso não é uma marca de merda, senhor. É molho de carne.
– Bem, sei não, camarada, me parece que você anda comendo mais merda do que rosbife!
– Ha, ha, ha, ha – gargalharam os vagabundos. – Ha, ha, ha, ha.
– Certo. Ainda preciso de quatro bons lavadores! Tenho aqui quatro moedinhas na mão. Vou jogar pra cima. Os quatro que me trouxerem as moedinhas lavarão os pratos hoje!
Lancei as moedas bem alto sobre a multidão. Corpos saltaram e caíram, roupas se rasgaram, muitos praguejares, um homem gritou, vários socos foram trocados. Então os quatro sortudos se aproximaram, um por vez, ofegando, cada qual com sua moedinha. Dei-lhes seus cartões de trabalho e lhes indiquei a cantina dos empregados, onde, antes de mais nada, receberiam comida. Os outros vagabundos foram se retirando vagarosamente pela rampa de carregamento, desceram e seguiram pela viela em direção à terra devastada que é o centro de Los Angeles aos domingos.
O Mercado dos Trabalhadores Rurais[10] ficava na Fifth Street com a San Pedro. Você tinha que se apresentar às cinco da manhã. Ainda estava escuro quando eu cheguei lá. Alguns homens estavam sentados, outros de pé, enrolando seus cigarros e conversando baixinho. Tais lugares sempre têm o mesmo cheiro – suor velho, urina e vinho barato.
No dia anterior, eu tinha ajudado Jan a se mudar para a casa de um corretor de imóveis, um gordo que morava na Kingsley Drive. Fiquei escondido num canto do saguão e a vi beijá-lo. Logo os dois entraram no apartamento dele e a porta se fechou. Retornei sozinho para a rua, notando pela primeira vez os papéis esvoaçantes e o lixo que se acumulava pelas calçadas. Havíamos sido despejados de nosso apartamento. Eu tinha US$ 2,08. Jan me prometeu que esperaria minha sorte mudar, mas era difícil de acreditar nisso. O nome do corretor era Jim Bemis, tinha um escritório na Alvarado Street e era cheio da grana.
– Odeio quando ele trepa comigo – ela tinha dito.
Agora, provavelmente, ela estava dizendo a mesma coisa de mim.
Laranjas e tomates eram empilhados em diversas caixas e, aparentemente, eram de graça. Apanhei uma laranja, fiz um buraco com os dentes na casca e chupei o suco. Eu havia exaurido os meus benefícios do seguro-desemprego desde que deixara o Hotel Sans.
Um cara de cerca de quarenta anos veio em minha direção. Seu cabelo parecia morto, de fato nem parecia cabelo humano, lembrando mais fios de linha. A luz branca que vinha do teto lhe atingia em cheio. Ele tinha verrugas marrons na cara, muitas delas concentradas ao redor de sua boca. Um ou dois pelos negros brotavam de cada uma delas.
– Como vai?
– Tudo bem.
– Está a fim de um boquete?
– Não, acho que não.
– Estou com tesão, cara. Estou excitado. Sei realmente fazer um.
– Escute, sinto muito. Não estou a fim.
Ele se afastou tomado de fúria. Dei uma olhada pelo galpão. Havia cerca de cinquenta homens esperando. Havia dez ou doze funcionários do governo sentados em suas mesas ou caminhando ao redor. Eles fumavam e pareciam mais preocupados que os vagabundos de rua. Os funcionários estavam separados dos vagabundos por uma sólida tela de metal entrelaçada, que ia do teto ao chão. Alguém a tinha pintado de amarelo. Era um amarelo bastante apagado.
Quando um dos funcionários tinha que fazer uma transação com um dos vagabundos, ele destravava e corria uma portinhola de vidro presa à tela. Quando a questão da papelada se resolvia, o funcionário fechava a portinhola, trancava-a por dentro e, toda vez que isso ocorria, a esperança parecia desaparecer. Todos despertávamos quando a portinhola deslizava, a chance de cada homem era a chance de todos nós, mas, quando ela se fechava, a esperança evaporava. Então restava apenas olhar para as caras uns dos outros.
Na parede dos fundos, atrás da tela amarela e dos funcionários, havia seis quadros-negros. Havia giz branco e apagadores, como na escola. Cinco dos quadros estavam vazios, embora ainda fosse possível enxergar os resquícios das mensagens anteriores, de trabalhos havia muito preenchidos e naquele momento perdidos para sempre, ao menos no que nos dizia respeito.
Havia uma mensagem no sexto quadro:
PRECISA-SE DE COLHEDORES DE TOMATES EM
BAKERSFIELD
Eu pensara que as colheitadeiras automáticas haviam extinguido esse trabalho. No entanto, ali estava o anúncio. Seres humanos, aparentemente, saem mais barato que máquinas. E máquinas quebram. É isso.
Dei uma olhada ao redor do recinto – não havia orientais nem judeus, pouquíssimos negros. A maioria dos vagabundos ou era composta de brancos pobres ou de mexicanos. Os dois negros, naquele momento, já iam altos no vinho.
Então um dos funcionários se pôs de pé. Era um homem grande, com uma proeminente barriga de cerveja. O que você podia notar era sua camisa amarela com listras pretas verticais. A camisa estava esturricada, e ele usava braçadeiras – para segurar suas mangas como nas fotografias tiradas em 1890. Ele se aproximou e destravou uma das janelas de vidro na tela amarela.
– Muito bem! Há um caminhão lá nos fundos recolhendo gente pra trabalhar em Bakersfield!
Correu a janela, trancou-a, sentou-se à sua mesa e acendeu um cigarro.
Por um momento, ninguém se mexeu. Então, um a um, aqueles que estavam sentados nos bancos começaram a se levantar, os rostos sem expressão. Os homens que já aguardavam de pé deixaram cair seus cigarros e os apagaram cuidadosamente com as solas de seus sapatos. Depois disso, começou um êxodo vagaroso e geral; todos saíram em fila por uma porta lateral que dava para um pátio cercado.
O sol nascia. Na verdade, olhávamos pela primeira vez uns para os outros. Uns poucos homens sorriam ao reconhecer um rosto familiar.
Permanecemos enfileirados, lutando para conseguir chegar até a caçamba, o dia começando a raiar. Era hora de partir. Subíamos em um caminhão de exército usado na Segunda Guerra Mundial, a cobertura de lona toda rasgada. Fomos avançando, aos encontrões, mas ao mesmo tempo tentando manter a mínima polidez. Então, cansado das cotoveladas, dei um passo para o lado.
A capacidade do caminhão era admirável. O grande capataz mexicano acompanhava a tudo em um dos lados da traseira da caçamba, acenando sem parar:
– Isso aí, isso aí, vamos lá, vamos lá...
Os homens avançavam devagar, como se entrassem na boca de uma baleia.
Pela lateral do caminhão eu podia ver os rostos deles; falavam baixinho e sorriam. Sentia a um só tempo repugnância por aquelas pessoas, mas também minha solidão. Então decidi que era capaz de colher tomates. Decidi embarcar. Alguém bateu em mim pelas costas. Era uma mexicana gorda e ela parecia bastante sentimental. Agarrei-a pelos quadris para ajudá-la a subir. Ela era muito pesada, difícil de manejar. Finalmente encontrei apoio em algo; aparentemente uma de minhas mãos se atolou no fundo da sua virilha. Consegui colocá-la para dentro. Então fui em busca de um apoio para também subir. Eu era o último. O capataz mexicano pôs o pé sobre minha mão.
– Não – ele disse –, já temos gente que chega.
O motor do caminhão deu a partida, engasgou e apagou. O motorista tentou novamente. Desta vez pegou, e eles seguiram em frente.
A Associação de Trabalhadores para a Indústria ficava nos limites da periferia. Aqui os vagabundos de rua eram mais bem vestidos, mais jovens, porém igualmente indiferentes. Sentavam-se por ali, nas bordas das janelas, inclinados para frente, aquecendo-se ao sol e bebendo o café grátis que a A.T.I. oferecia. Não havia creme e açúcar, mas era de graça. Não havia qualquer tela nos separando dos funcionários. Os telefones tocavam com mais frequência, e os empregados aqui tinham um aspecto muito mais descontraído que os do Mercado dos Trabalhadores Rurais.
Aproximei-me de um balcão e me foi dada uma ficha e uma caneta presa por corrente.
– Preencha – disse o funcionário, um rapaz mexicano de boa aparência que tentava esconder sua cordialidade atrás de uma postura profissional.
Comecei a preencher a ficha. Na lacuna para o número de telefone, escrevi: nenhum. Após grau de escolaridade e capacitação profissional, escrevi: dois anos na L.A. City College. Jornalismo e belas-artes.
Então eu disse ao funcionário:
– Rasurei a ficha. Poderia me conseguir outra?
Ele me passou uma nova em branco. Em vez daquilo, escrevi: ensino médio, L. A. High School. Carregador, almoxarife, trabalhador braçal. Alguma experiência como datilógrafo.
Devolvi-lhe a ficha.
– Muito bem – disse o funcionário –, sente aí e vamos ver se aparece alguma coisa.
Encontrei um espaço na borda de uma das janelas e me sentei. Um negro velho estava sentado próximo de mim. Ele tinha um rosto interessante; não trazia aquele olhar resignado que a maioria dos que estavam ali mostrava. Era como se ele tentasse não rir de si mesmo nem do resto de nós.
Ele viu que eu o olhava. Sorriu com malícia.
– O cara que chefia esse lugar é muito esperto. Foi demitido dos Trabalhadores Rurais, ficou puto da vida, veio pra cá e abriu isso aqui. Especializado em serviços de meio turno. Um cara que quer descarregar um vagão, rápido e barato, liga pra cá.
– Pois é, ouvi falar.
– O cara quer descarregar um vagão, rápido e barato, liga pra cá. O chefe desse lugar leva cinquenta por cento. A gente não reclama, pega o que aparece.
– Pra mim está beleza. Merda.
– Você parece desanimado. Tudo certo?
– Perdi uma mulher.
– Logo vêm outras, e você também vai acabar perdendo elas.
– Pra onde elas vão?
– Experimente isso aqui.
Era uma garrafa em um saco. Tomei um gole. Vinho do porto.
– Obrigado.
– Não há mulheres quando se está na rua.
Ele me passou novamente a garrafa.
– Não deixe ele ver nós dois bebendo. Isso deixa ele louco.
Enquanto estávamos ali sentados, vários homens foram chamados e seguiram para algum posto. Aquilo nos alegrou. Pelo menos havia alguma ação.
Meu amigo negro e eu ficamos esperando, revezando a garrafa.
Até que ela acabou vazia.
– Onde é a loja de bebidas mais próxima? – perguntei.
Recebi o endereço e fui até lá. De alguma maneira, durante o dia, o calor sempre era escaldante nas periferias de Los Angeles. Você avistava os vagabundos caminhando nas redondezas com pesados sobretudos. Mas quando a noite caía, e o albergue estava cheio, aqueles sobretudos vinham a calhar.
Quando retornei da loja, meu amigo continuava ali.
Sentei-me e abri a garrafa, passei o saco.
– Pô, mantém o negócio na moita – ele disse.
Era agradável ficar bebendo aquele vinho.
Alguns mosquitos começaram a se reunir e a circular ao nosso redor.
– Mosquitinhos do vinho – ele disse.
– Os filhos da puta ficam viciados nisso.
– Sabem o que é bom.
– Bebem pra esquecer suas mulheres.
– Só bebem.
Dei um golpe com a mão no ar e apanhei um dos mosquitinhos. Quando a abri a única coisa que pude ver foi uma mancha negra e a estranha visão de duas asinhas. Nada mais.
– Aí vem ele!
Era o jovem de boa aparência que comandava o lugar. Apressou-se em nossa direção.
– Muito bem! Caiam fora daqui! Sumam, seus bebuns de merda! Deem o fora daqui antes que eu chame a polícia!
Ele nos conduziu até a porta, aos empurrões e nos maldizendo. Senti culpa, mas nenhuma raiva. Mesmo enquanto nos empurrava, eu sabia que ele não dava a mínima para o que fazíamos. Ele usava um anel enorme na mão direita.
Não avançávamos com a pressa necessária, e recebi um golpe com a mão do anel no meu supercílio esquerdo; logo senti o sangue começar a correr e depois meu olho inchar. Meu amigo e eu estávamos de volta para as ruas.
Afastamo-nos. Encontramos um pórtico e sentamos sobre os degraus. Passei-lhe a garrafa. Ele deu um gole.
– Coisa fina.
Devolveu-me a garrafa. Dei um gole.
– É, coisa fina.
– O sol já vai alto.
– É, o sol já vai alto mesmo.
Ficamos em silêncio, revezando a garrafa.
Então a bebida chegou ao fim.
– Bem – ele disse, está na minha hora.
– Nos falamos.
Ele se afastou. Levantei-me, segui na direção contrária, dobrei a esquina e ganhei a Main Street. Segui até chegar ao Roxie.
As fotos das strippers estavam expostas atrás de um vidro junto à porta de entrada. Aproximei-me e comprei um ingresso. A garota no guichê parecia melhor do que as fotos. Naquele momento me restavam 38 centavos. Entrei no teatro escuro equipado com oito fileiras de poltronas. As três primeiras estavam lotadas.
Tive sorte. O filme já havia terminado, e a primeira stripper já estava no palco. Darlene. A primeira geralmente era a pior, uma veterana decadente que não conseguiria, no mais das vezes, nada além de uns números de bailado na segunda linha do coro. Seja como fosse, tínhamos Darlene para a abertura. Era provável que alguma das dançarinas tivesse sido assassinada, ou estivesse menstruada, ou tivesse tido uma crise histérica, explicando assim a nova oportunidade para Darlene de um número solo.
Darlene, no entanto, era boa. Magra, mas peituda. Um corpo que lembrava um salgueiro. Ao fim daquelas costas esguias, no meio daquele corpo magro, brotava um enorme traseiro. Era como um milagre – o suficiente para levar um homem à loucura.
Darlene trajava um vestido negro de veludo, longo e muito justo – suas panturrilhas e pernas pareciam de um branco mortiço contra aquela negrura. Ela dançava e nos olhava com olhos de maquiagem extremamente carregada. Era sua chance. Ela queria retornar – ter novamente o seu número no programa. Eu estava com ela. À medida que o zíper descia, mais e mais do seu corpo ficava à mostra, saltando para fora daquele sofisticado vestido de veludo negro, pernas e carne branca. Logo ela estava apenas com seu sutiã cor-de-rosa e uma tanga cheia de penduricalhos, falsos diamantes que balançavam e reluziam aos seus movimentos.
Darlene seguiu dançando e se agarrou à cortina do palco, que estava puída e coberta por uma grossa camada de pó. Ela se agarrou ao pano, dançando no compasso que o quarteto de músicos impunha e sob a luz rosada dos holofotes.
Começou a trepar com a cortina. A banda acelerou o ritmo. Darlene realmente se entregou para a cortina. As luzes rosadas passaram de súbito a púrpuras. A banda veio com tudo. Ela pareceu chegar ao orgasmo. Sua cabeça se curvou para trás, sua boca se abriu.
Então ela se endireitou e voltou dançando para o centro do palco. De onde eu estava sentado, podia escutá-la cantar para si mesma por sobre a música. Agarrou seu sutiã cor-de-rosa e o arrancou, enquanto um cara três filas abaixo acendia um cigarro. Agora restava apenas a tanga. Empurrou o dedo contra o umbigo e gemeu.
Darlene seguiu dançando no centro do palco. A banda tocava com mais sutileza. Ela começou a se mexer com doçura. Então o quarteto começou a esquentar a coisa novamente. Os músicos avançavam para o ato culminante; o baterista atacava o aro da caixa lembrando o fogo de uma metralhadora; eles pareciam extenuados, desesperados.
Darlene manipulou seus seios nus, mostrando-os para a gente, seus olhos reluziam com a plenitude do sonho, seus lábios úmidos e entreabertos. De repente, ela se voltou e balançou seu imenso rabo para nós. As contas tremularam e brilharam em um bailado louco e cintilante. O canhão de luz acompanhava a dança e os movimentos como uma espécie de sol. O quarteto seguia botando para quebrar. Darlene girava e girava. Ela lançou as contas para longe. Eu olhei, eles olharam. Podíamos ver os pelos de sua buceta através de sua segunda pele. A banda realmente fazia sua bunda vibrar.
E eu não conseguia ficar de pau duro.
– Factótum
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