Pablo Neruda
Pablo Neruda foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha e no México.
1904-07-12 Parral, Chile
1973-09-23 Santiago, Chile
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O Grande Amor
No entanto,
Inglaterra,
há algo de caoba
em tua cintura,
velha madeira usada
pela mão do homem,
banco de igreja, coro
de catedral na névoa.
Algo
a ti nos une,
há algo
contido
detrás de tuas janelas,
um vento brusco, uma ave
de litoral selvagem,
uma melancolia matutina,
algo impossivelmente solitário.
Amei a vida
de teus homens, falsos
conquistadores conquistados,
derramados rumo aos quatro ventos do planeta
para encher teu cofre. No entanto,
se o ouro os moveu com sua onda negra
não só foram isso
mas seres,
tímidos seres em trevas, sós,
enquanto o estandarte com leões
sufocava a luta dos povos.
Pobres meninos ingleses, amos pobres
de um mundo debulhado,
eu sei que entre vós
é natural
o rouxinol terrestre.
Shelley canta na chuva
e decora a chuva
sua citara escarlate.
Nasce em teu litoral o agressivo
punhal de proa rumo a todos os mares,
mas em tua areia o perseguido
encontrou o pão e construiu sua casa.
Lenin sob a névoa
entrando no Museu
em busca de uma linha,
de uma data, de um nome,
enquanto toda a terra
parecia oprimida,
solidão sozinha, etapa impenetrável,
ali, com seus óculos
e seu livro,
Lenin,
mudando em luz a névoa.
E então, isso eras,
Inglaterra,
torre de asilo,
catedral de refúgio,
e os que agora
fecham com a polícia
as linhas, as palavras,
o tesouro
das sabedorias que resguardas,
os que recusam tua areia
ao peregrino da luz errante,
não são dignos
de tua antiga verdade, de tua madeira,
mas te esfaqueiam,
matam em ti o que te resguardava,
não coração, mas o decoro.
Pátria de aves marinhas,
me ensinaste
quanto sei dos pássaros.
Mostraste-me a escama
polida dos peixes,
o tesouro plenário
da natureza,
foste catalogando rios, flores,
moluscos e vulcões.
Nas encarniçadas
regiões de minha pátria
chegou Darwin o jovem,
com sua lâmpada
e sua luz alumiou sob a terra
e sob o mar profundo
tudo o que temos:
plantas, metais, vidas
que tecem a estrutura
de nossa obscura estrela.
Mais tarde Hudson
nas campinas
se ocupou dos pássaros que haviam
sido esquecidos pelos livros
e com eles
encheu a geografia
que nos está parindo pouco a pouco.
Inglaterra,
és doce
descobridora
de plumas e raízes,
pudeste
ser o conhecimento enamorado,
e agora
por que permites
que em tua beira
vivam os destruidores de aves,
os rapaces, os enterradores?
Foste
penetradora
do mais secreto
labirinto
da vida e as vidas,
e agora,
quando escutamos
tua voz
ouvimos a cinza,
a destruição do pó, a agonia.
Eu sei que cantas
e és
singela como tua perdida gente
de subúrbios e minas,
grave e crepitante
como o carvão que escavas.
Peço-te,
Inglaterra,
que voltes
a ser
inglesa,
me ouves?
Sim, que sejas
inglesa,
que não te macaquizem,
que não te policiem, que respires,
que sejas e que sejas
o que tens sido
em teu campo e teus povoados,
horto frutal de pássaros e gentes,
humanidade simples,
refugio dos homens perseguidos,
descobridora de aves.
Inglaterra,
peço-te
que sejas uma rainha das ilhas,
não uma vassala insular,
que obedeças
a teu coro de pássaros marinhos,
a tua simples estirpe
mineira e marinheira.
Eu vou dizer-te em segredo
que desejamos amar-te.
E difícil,
tu sabes
quantas coisas ocorreram
nos distantes territórios,
sangue, explorados,
etcetera e etcetera.
E então, agora,
na hora do amor
te queremos amar.
Prepara-te como antes
para o amor que volta,
para o amor que sobe
na onda mais alta
do oceano humano.
Prepara-te
na paz,
e então,
volta a ser o que amamos,
homens como nós,
terra como a nossa,
isso é o que desejamos.
Todos
vivemos
na terra
sob os mesmos bosques,
sobre a mesma areia.
Não podemos
contrariar o outono,
ou lutar
contra a primavera,
temos
que viver
sobre as mesmas ondas.
São nossas, dos homens,
dos meninos.
Todas
as ondas,
não têm selo algum,
nem a terra
tem selo,
por isso
homens de tantas raças e regiões
nesta época
da fertilidade, dos destinos
e das invenções,
podemos descobrir
o grande amor
e implantá-lo
sobre os mares e sobre a terra.
Inglaterra,
há algo de caoba
em tua cintura,
velha madeira usada
pela mão do homem,
banco de igreja, coro
de catedral na névoa.
Algo
a ti nos une,
há algo
contido
detrás de tuas janelas,
um vento brusco, uma ave
de litoral selvagem,
uma melancolia matutina,
algo impossivelmente solitário.
Amei a vida
de teus homens, falsos
conquistadores conquistados,
derramados rumo aos quatro ventos do planeta
para encher teu cofre. No entanto,
se o ouro os moveu com sua onda negra
não só foram isso
mas seres,
tímidos seres em trevas, sós,
enquanto o estandarte com leões
sufocava a luta dos povos.
Pobres meninos ingleses, amos pobres
de um mundo debulhado,
eu sei que entre vós
é natural
o rouxinol terrestre.
Shelley canta na chuva
e decora a chuva
sua citara escarlate.
Nasce em teu litoral o agressivo
punhal de proa rumo a todos os mares,
mas em tua areia o perseguido
encontrou o pão e construiu sua casa.
Lenin sob a névoa
entrando no Museu
em busca de uma linha,
de uma data, de um nome,
enquanto toda a terra
parecia oprimida,
solidão sozinha, etapa impenetrável,
ali, com seus óculos
e seu livro,
Lenin,
mudando em luz a névoa.
E então, isso eras,
Inglaterra,
torre de asilo,
catedral de refúgio,
e os que agora
fecham com a polícia
as linhas, as palavras,
o tesouro
das sabedorias que resguardas,
os que recusam tua areia
ao peregrino da luz errante,
não são dignos
de tua antiga verdade, de tua madeira,
mas te esfaqueiam,
matam em ti o que te resguardava,
não coração, mas o decoro.
Pátria de aves marinhas,
me ensinaste
quanto sei dos pássaros.
Mostraste-me a escama
polida dos peixes,
o tesouro plenário
da natureza,
foste catalogando rios, flores,
moluscos e vulcões.
Nas encarniçadas
regiões de minha pátria
chegou Darwin o jovem,
com sua lâmpada
e sua luz alumiou sob a terra
e sob o mar profundo
tudo o que temos:
plantas, metais, vidas
que tecem a estrutura
de nossa obscura estrela.
Mais tarde Hudson
nas campinas
se ocupou dos pássaros que haviam
sido esquecidos pelos livros
e com eles
encheu a geografia
que nos está parindo pouco a pouco.
Inglaterra,
és doce
descobridora
de plumas e raízes,
pudeste
ser o conhecimento enamorado,
e agora
por que permites
que em tua beira
vivam os destruidores de aves,
os rapaces, os enterradores?
Foste
penetradora
do mais secreto
labirinto
da vida e as vidas,
e agora,
quando escutamos
tua voz
ouvimos a cinza,
a destruição do pó, a agonia.
Eu sei que cantas
e és
singela como tua perdida gente
de subúrbios e minas,
grave e crepitante
como o carvão que escavas.
Peço-te,
Inglaterra,
que voltes
a ser
inglesa,
me ouves?
Sim, que sejas
inglesa,
que não te macaquizem,
que não te policiem, que respires,
que sejas e que sejas
o que tens sido
em teu campo e teus povoados,
horto frutal de pássaros e gentes,
humanidade simples,
refugio dos homens perseguidos,
descobridora de aves.
Inglaterra,
peço-te
que sejas uma rainha das ilhas,
não uma vassala insular,
que obedeças
a teu coro de pássaros marinhos,
a tua simples estirpe
mineira e marinheira.
Eu vou dizer-te em segredo
que desejamos amar-te.
E difícil,
tu sabes
quantas coisas ocorreram
nos distantes territórios,
sangue, explorados,
etcetera e etcetera.
E então, agora,
na hora do amor
te queremos amar.
Prepara-te como antes
para o amor que volta,
para o amor que sobe
na onda mais alta
do oceano humano.
Prepara-te
na paz,
e então,
volta a ser o que amamos,
homens como nós,
terra como a nossa,
isso é o que desejamos.
Todos
vivemos
na terra
sob os mesmos bosques,
sobre a mesma areia.
Não podemos
contrariar o outono,
ou lutar
contra a primavera,
temos
que viver
sobre as mesmas ondas.
São nossas, dos homens,
dos meninos.
Todas
as ondas,
não têm selo algum,
nem a terra
tem selo,
por isso
homens de tantas raças e regiões
nesta época
da fertilidade, dos destinos
e das invenções,
podemos descobrir
o grande amor
e implantá-lo
sobre os mares e sobre a terra.
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