Pablo Neruda
Pablo Neruda foi um poeta chileno, bem como um dos mais importantes poetas da língua castelhana do século XX e cônsul do Chile na Espanha e no México.
1904-07-12 Parral, Chile
1973-09-23 Santiago, Chile
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Canto X - O Fugitivo
I
O fugitivo (1948)
Pela alta noite, pela vida inteira,
de lágrima a papel, de roupa em roupa,
andei nestes dias angustiados.
Fui o fugitivo da polícia:
na hora de cristal, na mata
de estrelas solitárias,
cruzei cidades, bosques,
chácaras, portos,
da porta de um ser humano a outro,
da mão de um ser a outro ser, a outro ser.
Grave é a noite, mas o homem
dispôs seus signos fraternais,
e às cegas por caminhos e por sombras
cheguei à porta iluminada, ao pequeno
ponto de estrela que era o meu,
ao fragmento de pão que no bosque os lobos
não haviam devorado.
Uma vez a uma casa, na campina,
cheguei à noite, a ninguém
antes daquela noite havia visto,
nem adivinhado aquelas existências.
O que faziam, as suas horas
eram novas a meu conhecimento.
Entrei, eram cinco da família:
todos como na noite dum incêndio
se haviam levantado.
Apertei uma
e outra mão, vi um rosto e outro rosto,
que nada me diziam: eram portas
que antes não vi na rua,
olhos que não conheciam meu rosto,
e na alta noite, apenas
recebido, me entreguei ao cansaço,
para adormecer a angústia de minha pátria.
Enquanto vinha o sonho,
o eco inumerável da terra
com seus roucos ladridos e suas fibras
de solidão, continuava a noite,
e eu pensava: “Onde estou? Quem
são? Por que me abrigam hoje?
Por que eles, que até hoje não me viram,
abrem suas portas e defendem meu canto?”
E ninguém respondia
a não ser um rumor de noite desfolhada,
um tecido de grilos se construindo:
a noite inteira mal
parecia tremer na folhagem.
Terra noturna, a minha janela
chegavas com os teus lábios,
para que eu dormisse docemente,
como a cair sobre milhares de folhas,
de estação em estação, de ninho em ninho,
de ramo em ramo, até ficar de súbito
adormecido como um morto em tuas raízes.
II
Era o outono das uvas.
Tremia o parreiral numeroso.
Os cachos brancos, velados,
escarchavam seus doces dedos,
e as negras uvas enchiam
seus pequenos ubres repletos
de um secreto rio redondo.
O dono da casa, artesão
de magro rosto, me lia
o pálido livro terrestre
dos dias crepusculares.
Sua bondade conhecia o fruto,
o ramo principal e o trabalho
da poda que deixa à árvore
sua despida forma de taça.
Com os cavalos conversava
como com imensas crianças: seguiam
atrás dele os cinco gatos
e os cachorros daquela casa,
alguns arqueados e lentos,
outros a correr loucamente
sob os frios pessegueiros.
Conhecia ele cada ramo,
cada cicatriz das árvores,
e sua antiga voz me ensinava
acariciando os cavalos.
III
Outra vez aí à noite recorri.
Ao cruzar a cidade a noite andina,
a noite derramada abriu a sua rosa
sobre minha roupa.
Era inverno no sul.
A neve havia
subido a seu alto pedestal, o frio
queimava com mil pontas congeladas.
O rio Mapocho era de neve negra.
E eu, entre rua e rua de silêncio
pela cidade manchada do tirano.
Ai! era eu como o próprio silêncio
olhando quanto amor e amor caía
através dos meus olhos em meu peito.
Porque essa rua e a outra e o umbral
da noite nevada, e a noturna
solidão dos seres, e meu povoado
enterrado, obscuro, em seu arrabalde de mortos,
tudo, a última janela
com seu pequeno ramo de luz falsa,
o apertado coral negro
de casa em casa, o vento
jamais gasto de minha terra,
tudo era meu, tudo
para mim no silêncio levantava
uma boca de amor cheia de beijos.
IV
Um jovem casal abriu uma porta
que antes tampouco conheci.
Era ela
dourada como o mês de junho,
e ele era um engenheiro de altos olhos.
Desde então com eles pão e vinho
compartilhei,
pouco a pouco
cheguei a sua intimidade desconhecida.
Me disseram: “Estávamos
separados,
nossa dissensão já era eterna:
hoje nos unimos para receber-te,
hoje te esperamos juntos”.
Lá, na pequena
casa reunidos,
fizemos uma silenciosa fortaleza.
Guardei o silêncio até no sonho.
Estava no pleno
centro da cidade, quase escutava
os passos do Traidor, junto aos muros
que me apartavam, ouvia
as vozes sujas dos carcereiros,
suas gargalhadas de ladrão, suas sílabas
de bêbados metidos entre balas
na cintura da minha pátria.
Quase roçavam por minha pele silenciosa
as eructações de Holgers e Pobletes,
seus passos, arrastando-se, tocavam
quase o meu coração e suas fogueiras:
eles mandando os meus para o tormento,
eu reservando a minha saúde de espada.
E outra vez, na noite, adeus, Irene,
adeus, Andrés, adeus, amigo novo,
adeus aos andaimes, à estrela,
adeus talvez à casa inconclusa
que diante de minha janela parecia
povoar-se de fantasmas lineares.
Adeus ao ponto ínfimo de monte
que recolhia em meus olhos cada tarde,
adeus à luz verde néon que abria
com seu relâmpago cada nova noite.
V
Outra vez, outra noite, fui mais longe.
Toda a cordilheira da costa,
a vasta margem do mar Pacífico,
e logo entre as ruas retorcidas,
rua e ruela, Valparaíso.
Entrei numa casa de marinheiros.
A mãe me esperava.
“Só soube ontem”, me disse; “meu filho
me chamou, e o nome de Neruda
me percorreu como um calafrio.
Falei com ele: que conforto,
meus filhos, podemos dar a ele?” “Ele pertence
a nós, os pobres”, me respondeu,
“ele não zomba nem despreza
a nossa pobre vida, ele a exalta
e defende.
” “Eu falei: está bem,
e esta é a sua casa a partir de hoje.
”
Ninguém me conhecia nessa casa.
Olhei a límpida toalha, a jarra d'água
pura como essas vidas que do fundo
da noite como asas
de cristal a mim chegavam.
Fui à janela: Valparaíso abria suas mil pálpebras
que tremiam, a aragem
do mar noturno entrou em minha boca,
as luzes dos morros, o tremor
da lua marítima na água,
a escuridão como uma monarquia
enfeitada de diamantes verdes,
todo o novo repouso que a vida
me entregava.
Olhei: a mesa estava posta,
o pão, o guardanapo, o vinho, a água,
e uma fragrância de terra e ternura
umedeceu os meus olhos de soldado.
Junto a essa janela de Valparaíso
passei dias e noites.
Os navegantes de minha nova casa
cada dia procuravam
um barco em que partir.
Eram
enganados uma vez e mais outra vez.
O Atomena
não podia levá-los, o Sultana
também não.
Me explicaram:
eles pagavam a gorjeta ou o suborno
a esse ou àquele chefe.
Outros
davam mais.
Tudo estava podre
como no palácio de Santiago.
Aqui se abriam os bolsos
do capitão, do secretário,
não eram tão grandes como os bolsos
do presidente, porém roíam
o esqueleto dos pobres.
Triste república chicoteada
como uma cadela por ladrões,
uivando sozinha nos caminhos,
espancada pela polícia.
Triste nação gonzalizada,
arrojada pelos trapaceiros
ao vômito do delator,
vendida nas esquinas rotas,
desmantelada num arremate de leilão.
Triste república na mão
do que vendeu sua própria filha
e sua própria pátria entregou
ferida, muda e manietada.
Voltavam os dois marinheiros
e partiam carregando nos ombros
sacos, bananas, comestíveis,
com saudade do sal das ondas,
do pão marinho, do alto céu.
No meu dia solitário o mar
se afastava: olhava então
a chama vital dos morros,
cada casa pendurando, o
pulsar de Valparaíso:
os altos morros a transbordar
de vidas, as portas pintadas
de turquesa, escarlate e rosa,
as escadas desdentadas,
os cachos de portas pobres,
as vivendas frouxas,
a névoa, a fumaça estendendo suas
redes de sal sobre as coisas,
as árvores desesperadas
agarrando-se às quebradas,
a roupa pendurada nos braços
das mansões desumanas,
o rouco silvo de repente
filho das embarcações,
o som da salmoura,
da névoa, a voz marinha,
feita de golpes e sussurros,
tudo isso envolvia meu corpo
como um novo traje terrestre,
e habitei a bruma de cima,
a alta aldeia dos pobres.
VI
Janela dos morros! Valparaíso, estanho frio,
partido em um e outro grito de pedras populares!
Olha comigo do meu esconderijo
o porto cinzento tachonado de barcas,
água lunar apenas movediça,
imóveis depósitos de ferro.
Em outra hora longínqua,
povoado esteve teu mar, Valparaíso,
pelos delgados navios do orgulho,
os Cinco Mastros com sussurro de trigo,
os disseminadores do salitre,
os que dos oceanos nupciais
a ti vieram, transbordando tuas adegas.
Altos veleiros do dia marinho,
comerciais cruzados, estandartes
inflados pela noite marinheira,
convosco o ébano e a pura
claridade do marfim, os aromas
do café e da noite em outra lua,
Valparaíso, a tua paz perigosa
vieram envolvendo-te em perfume.
Tremia o Potosí com os seus nitratos
avançando no mar, pescado e flecha,
turgência azul, baleia delicada,
para outros negros portos da terra.
Quanta noite do sul sobre as velas
enroladas, sobre os empinados
peitos da máscara do barco,
quando sobre a Dama do navio,
rosto daquelas proas balançadas,
toda a noite de Valparaíso,
a noite austral do mundo, baixava.
VII
Era o amanhecer do salitre nos pampas.
Palpitava o planeta do adubo
até encher o Chile como um navio
de nevadas adegas.
Hoje olho quanto ficou de todos
os que passaram sem deixar sinal
nas areias do Pacífico.
Olhai o que eu olho,
o hostil detrito
que deixou na garganta de minha pátria
como um colar de pus, a chuva de ouro.
Que te acompanhe, caminheiro,
este olhar imóvel que perfura,
atado ao céu de Valparaíso.
Vive o chileno
entre lixeira e vendaval, escuro
filho da dura Pátria.
Vidraças despedaçadas, tetos partidos,
paredes aniquiladas, cal leprosa,
porta enterrada, piso de barro,
sujeitando-se apenas ao vestígio
do solo.
Valparaíso, rosa imunda,
pestilencial sarcófago marinho!
Não me firas com tuas ruas de espinhos,
com tua coroa de azedas ruelas,
não me deixes olhar o menino ferido
por tua miséria de mortal pântano!
Me dói em ti meu povo,
toda a minha pátria americana,
tudo o que roeram de teus ossos
deixando-te cingida pela espuma
como miserável deusa despedaçada,
em cujo doce peito partido
urinam os cachorros famintos.
VIII
Amo, Valparaíso, tudo o que encerras,
tudo o que irradias, noiva do oceano,
até mais além de teu nimbo surdo.
Amo a luz violenta com que socorres
o marinheiro na noite do mar,
e aí és - rosa de laranjeiras -
luminosa e nua, fogo e névoa.
Que não venha ninguém com um martelo turvo
para golpear o que amo, para defender-te:
ninguém senão meu ser pelos teus segredos:
ninguém senão minha voz pelas tuas abertas
fileiras de rocio, pelas tuas escadarias
onde a maternidade salobre
do mar te beija, ninguém senão meus lábios
em tua coroa fria de sereia,
elevada na aragem das alturas,
oceânico amor, Valparaíso.
Rainha de todas as costas do mundo,
verdadeira central de ondas e navios,
és em mim como a lua ou como
a direção da brisa no arvoredo.
Amo as tuas ruelas criminosas,
a tua lua de punhal sobre os morros,
e entre as tuas praças a marinhagem
a revestir de azul a primavera.
Que se entenda, te peço, porto meu,
que tenho eu o direito
de escrever-te o bom e o perverso
e sou como lâmpadas amargas
quando iluminam garrafas quebradas.
IX
Eu percorri os afamados mares,
o estame nupcial de cada ilha,
sou o mais marinheiro do papel
e andei, andei, andei,
até a última espuma,
mas teu penetrante amor marinho
foi marcado em mim como nenhum outro.
És a montanhosa
cabeça capital
do grande oceano,
e na tua celeste garupa de centaura
teus arrabaldes reluzem a pintura
vermelha e azul dos brinquedinhos.
Caberias num frasco marinheiro
com tuas pequenas casas e o “Latorre”
como uma prancha cinzenta num lençol
se não fora a grande tormenta
do mais imenso mar,
o golpe verde
das rajadas glaciais, o martírio
de teus terrenos sacudidos, o horror
subterrâneo, a marulhada
de todo o mar contra a tua tocha,
te fizeram magnitude de pedra sombria,
ciclônica igreja da espuma.
Te declaro meu amor, Valparaíso,
e tornarei a viver a tua encruzilhada,
quando tu e eu formos livres
de novo, tu em teu trono
de mar e vento, eu em minhas úmidas
terras filosofais, veremos como surge
a liberdade entre o mar e a neve.
Valparaíso, Rainha só,
só na soledade do solitário
sul do oceano,
olhei cada penhasco
amarelo de tua altura,
toquei teu pulso torrencial, tuas mãos
de portuária me deram o abraço
que minha alma te pediu na hora noturna
e te relembro reinando no brilho
do fogo azul que teu reino respinga.
Não há outra como tu sobre a areia,
Albacora do sul, Rainha da água.
X
Assim, pois, de noite em noite,
aquela longa hora, a treva
mergulhada em todo o litoral chileno,
fugitivo passei de porta em porta.
Outras casas humildes, outras mãos
em cada ruga da Pátria estavam
esperando os meus passos.
Tu passaste
mil vezes por essa porta que nada te disse,
por essa parede sem pintura, por essas
janelas com flores murchas.
Para mim era o segredo:
estava para mim palpitando,
era nas zonas do carvão,
empapadas pelo martírio,
era nos portos da costa
junto ao antártico arquipélago,
era, escuta, talvez nessa
rua sonora, entre a música
do meio-dia das ruas,
ou junto ao parque essa janela
que ninguém distinguiu entre as outras
janelas, e que me esperava
com um prato de sopa clara
e o coração sobre a mesa.
Todas as portas eram minhas,
todos disseram: “É meu irmão,
queiram traze-lo a esta casa pobre”,
enquanto minha pátria se tingia
com tantos castigos
como um lagar de vinho amargo.
Veio o pequeno latoeiro,
a mãe daquelas raparigas,
o camponês desajeitado,
o homem que fazia sabões,
a doce romancista, o jovem
cravado como um inseto
ao escritório desolado,
vieram e em sua porta havia
um signo secreto, uma chave
defendida como uma torre
para que eu entrasse de imediato,
à noite, de tarde ou de dia,
e sem conhecer ninguém
dissesse: “Irmão, já sabes quem eu sou,
parece que me esperavas”.
XI
Que podes tu, maldito, contra o ar?
Que podes tu, maldito, contra tudo
o que floresce e surge c cala e olha,
c me espera e te julga?
Maldito, com as tuas traições
está o que compraste, o que deves
regar a cada instante com moedas.
Maldito, podes
expatriar, apresar e dar tormentos,
e apressadamente pagar prontamente,
antes de que o vendido se arrependa,
poderás dormir apenas
rodeado de compradas carabinas,
enquanto no regaço de minha pátria
vivo eu, o fugitivo da noite!
Como é triste tua pequena e passageira
vitória! Enquanto Aragon, Ehrenburg,
Éluard, os poetas
de Paris, os valentes
escritores
da Venezuela e outros c outros e outros
estão comigo,
tu, Maldito,
entre Escanilla e Cuevas,
Peluchoneaux e Poblete!
Eu por escadas que o meu povo assume,
em socavões que o meu povo esconde,
sobre a minha pátria e sua asa de pomba
durmo, sonho e derrubo as tuas fronteiras.
XII
A todos, a vós,
os silenciosos seres da noite
que tomaram a minha mão nas trevas, a vós,
lâmpadas
de luz imortal, linhas de estrela,
pão das vidas, irmãos secretos,
a todos, a vós,
digo: não há obrigado,
nada poderá encher as taças
da pureza,
nada pode
conter todo o sol nas bandeiras
da primavera invencível
como vossas caladas dignidades.
Somente
penso
que fui talvez digno de tanta
singelez, de flor tão pura,
por eu ser vós talvez, isso mesmo,
essa migalha de terra, farinha e canto,
essa massa natural que sabe
de onde sai e onde fica.
Não sou um sino de tão longe,
nem um cristal enterrado tão profundo
que não possas decifrar, sou apenas
povo, porta escondida, pão escuro,
e quando me recebes, recebes
a ti mesmo, a esse hóspede
tantas vezes batido
e tantas vezes
renascido.
A tudo, a todos,
a quantos não conheço, a quantos nunca
ouviram este nome, aos que vivem
ao largo de nossos grandes rios,
ao pé dos vulcões, à sombra
sulfúrica do cobre, a pescadores e labregos,
a índios azuis na margem
de lagos cintilantes como vidros,
ao sapateiro que a esta hora interroga
pregando o couro com antigas mãos,
a ti, ao que sem saber me esperou,
eu pertenço e reconheço e canto.
XIII
Areia americana, solene
plantação, cordilheira,
filhos, irmãos debulhados
por velhas tormentas,
juntemos todos o grão vivo
antes que torne à terra,
e que o novo milho que nasce
haja escutado as tuas palavras
e as repita e se repitam.
E se cantem de dia e de noite,
e se mordam e se devorem,
e se propaguem pela terra,
se façam, de súbito, silêncio,
se afundem debaixo das pedras,
encontrem as portas noturnas,
e outra vez voltem a nascer,
a repartir-se, a conduzir-se
como o pão, como a esperança,
como a brisa dos navios.
O milho leva o meu canto,
saído das raízes
de meu povo, para nascer,
para construir, para cantar,
e para ser outra vez semente
mais numerosa na tormenta.
Aqui estão minhas mãos perdidas.
São invisíveis, mas tu
as vês através da noite,
através do vento invisível.
Dá-me tuas mãos, eu as vejo
sobre as ásperas areias
de nossa noite americana,
e escolho a tua e a tua,
essa mão e aquela outra,
a que se levanta para lutar
e a que volta a ser semeada.
Não me sinto só na noite,
na escuridão da terra.
Sou povo, povo inumerável.
Tenho em minha voz a força pura
para atravessar o silêncio
e germinar nas trevas.
Morte, martírio, sombra, gelo,
cobrem de repente a semente.
E o povo parece enterrado.
Mas o milho volta à terra.
Atravessaram o silêncio
suas implacáveis mãos vermelhas.
Da marte renascemos.
O fugitivo (1948)
Pela alta noite, pela vida inteira,
de lágrima a papel, de roupa em roupa,
andei nestes dias angustiados.
Fui o fugitivo da polícia:
na hora de cristal, na mata
de estrelas solitárias,
cruzei cidades, bosques,
chácaras, portos,
da porta de um ser humano a outro,
da mão de um ser a outro ser, a outro ser.
Grave é a noite, mas o homem
dispôs seus signos fraternais,
e às cegas por caminhos e por sombras
cheguei à porta iluminada, ao pequeno
ponto de estrela que era o meu,
ao fragmento de pão que no bosque os lobos
não haviam devorado.
Uma vez a uma casa, na campina,
cheguei à noite, a ninguém
antes daquela noite havia visto,
nem adivinhado aquelas existências.
O que faziam, as suas horas
eram novas a meu conhecimento.
Entrei, eram cinco da família:
todos como na noite dum incêndio
se haviam levantado.
Apertei uma
e outra mão, vi um rosto e outro rosto,
que nada me diziam: eram portas
que antes não vi na rua,
olhos que não conheciam meu rosto,
e na alta noite, apenas
recebido, me entreguei ao cansaço,
para adormecer a angústia de minha pátria.
Enquanto vinha o sonho,
o eco inumerável da terra
com seus roucos ladridos e suas fibras
de solidão, continuava a noite,
e eu pensava: “Onde estou? Quem
são? Por que me abrigam hoje?
Por que eles, que até hoje não me viram,
abrem suas portas e defendem meu canto?”
E ninguém respondia
a não ser um rumor de noite desfolhada,
um tecido de grilos se construindo:
a noite inteira mal
parecia tremer na folhagem.
Terra noturna, a minha janela
chegavas com os teus lábios,
para que eu dormisse docemente,
como a cair sobre milhares de folhas,
de estação em estação, de ninho em ninho,
de ramo em ramo, até ficar de súbito
adormecido como um morto em tuas raízes.
II
Era o outono das uvas.
Tremia o parreiral numeroso.
Os cachos brancos, velados,
escarchavam seus doces dedos,
e as negras uvas enchiam
seus pequenos ubres repletos
de um secreto rio redondo.
O dono da casa, artesão
de magro rosto, me lia
o pálido livro terrestre
dos dias crepusculares.
Sua bondade conhecia o fruto,
o ramo principal e o trabalho
da poda que deixa à árvore
sua despida forma de taça.
Com os cavalos conversava
como com imensas crianças: seguiam
atrás dele os cinco gatos
e os cachorros daquela casa,
alguns arqueados e lentos,
outros a correr loucamente
sob os frios pessegueiros.
Conhecia ele cada ramo,
cada cicatriz das árvores,
e sua antiga voz me ensinava
acariciando os cavalos.
III
Outra vez aí à noite recorri.
Ao cruzar a cidade a noite andina,
a noite derramada abriu a sua rosa
sobre minha roupa.
Era inverno no sul.
A neve havia
subido a seu alto pedestal, o frio
queimava com mil pontas congeladas.
O rio Mapocho era de neve negra.
E eu, entre rua e rua de silêncio
pela cidade manchada do tirano.
Ai! era eu como o próprio silêncio
olhando quanto amor e amor caía
através dos meus olhos em meu peito.
Porque essa rua e a outra e o umbral
da noite nevada, e a noturna
solidão dos seres, e meu povoado
enterrado, obscuro, em seu arrabalde de mortos,
tudo, a última janela
com seu pequeno ramo de luz falsa,
o apertado coral negro
de casa em casa, o vento
jamais gasto de minha terra,
tudo era meu, tudo
para mim no silêncio levantava
uma boca de amor cheia de beijos.
IV
Um jovem casal abriu uma porta
que antes tampouco conheci.
Era ela
dourada como o mês de junho,
e ele era um engenheiro de altos olhos.
Desde então com eles pão e vinho
compartilhei,
pouco a pouco
cheguei a sua intimidade desconhecida.
Me disseram: “Estávamos
separados,
nossa dissensão já era eterna:
hoje nos unimos para receber-te,
hoje te esperamos juntos”.
Lá, na pequena
casa reunidos,
fizemos uma silenciosa fortaleza.
Guardei o silêncio até no sonho.
Estava no pleno
centro da cidade, quase escutava
os passos do Traidor, junto aos muros
que me apartavam, ouvia
as vozes sujas dos carcereiros,
suas gargalhadas de ladrão, suas sílabas
de bêbados metidos entre balas
na cintura da minha pátria.
Quase roçavam por minha pele silenciosa
as eructações de Holgers e Pobletes,
seus passos, arrastando-se, tocavam
quase o meu coração e suas fogueiras:
eles mandando os meus para o tormento,
eu reservando a minha saúde de espada.
E outra vez, na noite, adeus, Irene,
adeus, Andrés, adeus, amigo novo,
adeus aos andaimes, à estrela,
adeus talvez à casa inconclusa
que diante de minha janela parecia
povoar-se de fantasmas lineares.
Adeus ao ponto ínfimo de monte
que recolhia em meus olhos cada tarde,
adeus à luz verde néon que abria
com seu relâmpago cada nova noite.
V
Outra vez, outra noite, fui mais longe.
Toda a cordilheira da costa,
a vasta margem do mar Pacífico,
e logo entre as ruas retorcidas,
rua e ruela, Valparaíso.
Entrei numa casa de marinheiros.
A mãe me esperava.
“Só soube ontem”, me disse; “meu filho
me chamou, e o nome de Neruda
me percorreu como um calafrio.
Falei com ele: que conforto,
meus filhos, podemos dar a ele?” “Ele pertence
a nós, os pobres”, me respondeu,
“ele não zomba nem despreza
a nossa pobre vida, ele a exalta
e defende.
” “Eu falei: está bem,
e esta é a sua casa a partir de hoje.
”
Ninguém me conhecia nessa casa.
Olhei a límpida toalha, a jarra d'água
pura como essas vidas que do fundo
da noite como asas
de cristal a mim chegavam.
Fui à janela: Valparaíso abria suas mil pálpebras
que tremiam, a aragem
do mar noturno entrou em minha boca,
as luzes dos morros, o tremor
da lua marítima na água,
a escuridão como uma monarquia
enfeitada de diamantes verdes,
todo o novo repouso que a vida
me entregava.
Olhei: a mesa estava posta,
o pão, o guardanapo, o vinho, a água,
e uma fragrância de terra e ternura
umedeceu os meus olhos de soldado.
Junto a essa janela de Valparaíso
passei dias e noites.
Os navegantes de minha nova casa
cada dia procuravam
um barco em que partir.
Eram
enganados uma vez e mais outra vez.
O Atomena
não podia levá-los, o Sultana
também não.
Me explicaram:
eles pagavam a gorjeta ou o suborno
a esse ou àquele chefe.
Outros
davam mais.
Tudo estava podre
como no palácio de Santiago.
Aqui se abriam os bolsos
do capitão, do secretário,
não eram tão grandes como os bolsos
do presidente, porém roíam
o esqueleto dos pobres.
Triste república chicoteada
como uma cadela por ladrões,
uivando sozinha nos caminhos,
espancada pela polícia.
Triste nação gonzalizada,
arrojada pelos trapaceiros
ao vômito do delator,
vendida nas esquinas rotas,
desmantelada num arremate de leilão.
Triste república na mão
do que vendeu sua própria filha
e sua própria pátria entregou
ferida, muda e manietada.
Voltavam os dois marinheiros
e partiam carregando nos ombros
sacos, bananas, comestíveis,
com saudade do sal das ondas,
do pão marinho, do alto céu.
No meu dia solitário o mar
se afastava: olhava então
a chama vital dos morros,
cada casa pendurando, o
pulsar de Valparaíso:
os altos morros a transbordar
de vidas, as portas pintadas
de turquesa, escarlate e rosa,
as escadas desdentadas,
os cachos de portas pobres,
as vivendas frouxas,
a névoa, a fumaça estendendo suas
redes de sal sobre as coisas,
as árvores desesperadas
agarrando-se às quebradas,
a roupa pendurada nos braços
das mansões desumanas,
o rouco silvo de repente
filho das embarcações,
o som da salmoura,
da névoa, a voz marinha,
feita de golpes e sussurros,
tudo isso envolvia meu corpo
como um novo traje terrestre,
e habitei a bruma de cima,
a alta aldeia dos pobres.
VI
Janela dos morros! Valparaíso, estanho frio,
partido em um e outro grito de pedras populares!
Olha comigo do meu esconderijo
o porto cinzento tachonado de barcas,
água lunar apenas movediça,
imóveis depósitos de ferro.
Em outra hora longínqua,
povoado esteve teu mar, Valparaíso,
pelos delgados navios do orgulho,
os Cinco Mastros com sussurro de trigo,
os disseminadores do salitre,
os que dos oceanos nupciais
a ti vieram, transbordando tuas adegas.
Altos veleiros do dia marinho,
comerciais cruzados, estandartes
inflados pela noite marinheira,
convosco o ébano e a pura
claridade do marfim, os aromas
do café e da noite em outra lua,
Valparaíso, a tua paz perigosa
vieram envolvendo-te em perfume.
Tremia o Potosí com os seus nitratos
avançando no mar, pescado e flecha,
turgência azul, baleia delicada,
para outros negros portos da terra.
Quanta noite do sul sobre as velas
enroladas, sobre os empinados
peitos da máscara do barco,
quando sobre a Dama do navio,
rosto daquelas proas balançadas,
toda a noite de Valparaíso,
a noite austral do mundo, baixava.
VII
Era o amanhecer do salitre nos pampas.
Palpitava o planeta do adubo
até encher o Chile como um navio
de nevadas adegas.
Hoje olho quanto ficou de todos
os que passaram sem deixar sinal
nas areias do Pacífico.
Olhai o que eu olho,
o hostil detrito
que deixou na garganta de minha pátria
como um colar de pus, a chuva de ouro.
Que te acompanhe, caminheiro,
este olhar imóvel que perfura,
atado ao céu de Valparaíso.
Vive o chileno
entre lixeira e vendaval, escuro
filho da dura Pátria.
Vidraças despedaçadas, tetos partidos,
paredes aniquiladas, cal leprosa,
porta enterrada, piso de barro,
sujeitando-se apenas ao vestígio
do solo.
Valparaíso, rosa imunda,
pestilencial sarcófago marinho!
Não me firas com tuas ruas de espinhos,
com tua coroa de azedas ruelas,
não me deixes olhar o menino ferido
por tua miséria de mortal pântano!
Me dói em ti meu povo,
toda a minha pátria americana,
tudo o que roeram de teus ossos
deixando-te cingida pela espuma
como miserável deusa despedaçada,
em cujo doce peito partido
urinam os cachorros famintos.
VIII
Amo, Valparaíso, tudo o que encerras,
tudo o que irradias, noiva do oceano,
até mais além de teu nimbo surdo.
Amo a luz violenta com que socorres
o marinheiro na noite do mar,
e aí és - rosa de laranjeiras -
luminosa e nua, fogo e névoa.
Que não venha ninguém com um martelo turvo
para golpear o que amo, para defender-te:
ninguém senão meu ser pelos teus segredos:
ninguém senão minha voz pelas tuas abertas
fileiras de rocio, pelas tuas escadarias
onde a maternidade salobre
do mar te beija, ninguém senão meus lábios
em tua coroa fria de sereia,
elevada na aragem das alturas,
oceânico amor, Valparaíso.
Rainha de todas as costas do mundo,
verdadeira central de ondas e navios,
és em mim como a lua ou como
a direção da brisa no arvoredo.
Amo as tuas ruelas criminosas,
a tua lua de punhal sobre os morros,
e entre as tuas praças a marinhagem
a revestir de azul a primavera.
Que se entenda, te peço, porto meu,
que tenho eu o direito
de escrever-te o bom e o perverso
e sou como lâmpadas amargas
quando iluminam garrafas quebradas.
IX
Eu percorri os afamados mares,
o estame nupcial de cada ilha,
sou o mais marinheiro do papel
e andei, andei, andei,
até a última espuma,
mas teu penetrante amor marinho
foi marcado em mim como nenhum outro.
És a montanhosa
cabeça capital
do grande oceano,
e na tua celeste garupa de centaura
teus arrabaldes reluzem a pintura
vermelha e azul dos brinquedinhos.
Caberias num frasco marinheiro
com tuas pequenas casas e o “Latorre”
como uma prancha cinzenta num lençol
se não fora a grande tormenta
do mais imenso mar,
o golpe verde
das rajadas glaciais, o martírio
de teus terrenos sacudidos, o horror
subterrâneo, a marulhada
de todo o mar contra a tua tocha,
te fizeram magnitude de pedra sombria,
ciclônica igreja da espuma.
Te declaro meu amor, Valparaíso,
e tornarei a viver a tua encruzilhada,
quando tu e eu formos livres
de novo, tu em teu trono
de mar e vento, eu em minhas úmidas
terras filosofais, veremos como surge
a liberdade entre o mar e a neve.
Valparaíso, Rainha só,
só na soledade do solitário
sul do oceano,
olhei cada penhasco
amarelo de tua altura,
toquei teu pulso torrencial, tuas mãos
de portuária me deram o abraço
que minha alma te pediu na hora noturna
e te relembro reinando no brilho
do fogo azul que teu reino respinga.
Não há outra como tu sobre a areia,
Albacora do sul, Rainha da água.
X
Assim, pois, de noite em noite,
aquela longa hora, a treva
mergulhada em todo o litoral chileno,
fugitivo passei de porta em porta.
Outras casas humildes, outras mãos
em cada ruga da Pátria estavam
esperando os meus passos.
Tu passaste
mil vezes por essa porta que nada te disse,
por essa parede sem pintura, por essas
janelas com flores murchas.
Para mim era o segredo:
estava para mim palpitando,
era nas zonas do carvão,
empapadas pelo martírio,
era nos portos da costa
junto ao antártico arquipélago,
era, escuta, talvez nessa
rua sonora, entre a música
do meio-dia das ruas,
ou junto ao parque essa janela
que ninguém distinguiu entre as outras
janelas, e que me esperava
com um prato de sopa clara
e o coração sobre a mesa.
Todas as portas eram minhas,
todos disseram: “É meu irmão,
queiram traze-lo a esta casa pobre”,
enquanto minha pátria se tingia
com tantos castigos
como um lagar de vinho amargo.
Veio o pequeno latoeiro,
a mãe daquelas raparigas,
o camponês desajeitado,
o homem que fazia sabões,
a doce romancista, o jovem
cravado como um inseto
ao escritório desolado,
vieram e em sua porta havia
um signo secreto, uma chave
defendida como uma torre
para que eu entrasse de imediato,
à noite, de tarde ou de dia,
e sem conhecer ninguém
dissesse: “Irmão, já sabes quem eu sou,
parece que me esperavas”.
XI
Que podes tu, maldito, contra o ar?
Que podes tu, maldito, contra tudo
o que floresce e surge c cala e olha,
c me espera e te julga?
Maldito, com as tuas traições
está o que compraste, o que deves
regar a cada instante com moedas.
Maldito, podes
expatriar, apresar e dar tormentos,
e apressadamente pagar prontamente,
antes de que o vendido se arrependa,
poderás dormir apenas
rodeado de compradas carabinas,
enquanto no regaço de minha pátria
vivo eu, o fugitivo da noite!
Como é triste tua pequena e passageira
vitória! Enquanto Aragon, Ehrenburg,
Éluard, os poetas
de Paris, os valentes
escritores
da Venezuela e outros c outros e outros
estão comigo,
tu, Maldito,
entre Escanilla e Cuevas,
Peluchoneaux e Poblete!
Eu por escadas que o meu povo assume,
em socavões que o meu povo esconde,
sobre a minha pátria e sua asa de pomba
durmo, sonho e derrubo as tuas fronteiras.
XII
A todos, a vós,
os silenciosos seres da noite
que tomaram a minha mão nas trevas, a vós,
lâmpadas
de luz imortal, linhas de estrela,
pão das vidas, irmãos secretos,
a todos, a vós,
digo: não há obrigado,
nada poderá encher as taças
da pureza,
nada pode
conter todo o sol nas bandeiras
da primavera invencível
como vossas caladas dignidades.
Somente
penso
que fui talvez digno de tanta
singelez, de flor tão pura,
por eu ser vós talvez, isso mesmo,
essa migalha de terra, farinha e canto,
essa massa natural que sabe
de onde sai e onde fica.
Não sou um sino de tão longe,
nem um cristal enterrado tão profundo
que não possas decifrar, sou apenas
povo, porta escondida, pão escuro,
e quando me recebes, recebes
a ti mesmo, a esse hóspede
tantas vezes batido
e tantas vezes
renascido.
A tudo, a todos,
a quantos não conheço, a quantos nunca
ouviram este nome, aos que vivem
ao largo de nossos grandes rios,
ao pé dos vulcões, à sombra
sulfúrica do cobre, a pescadores e labregos,
a índios azuis na margem
de lagos cintilantes como vidros,
ao sapateiro que a esta hora interroga
pregando o couro com antigas mãos,
a ti, ao que sem saber me esperou,
eu pertenço e reconheço e canto.
XIII
Areia americana, solene
plantação, cordilheira,
filhos, irmãos debulhados
por velhas tormentas,
juntemos todos o grão vivo
antes que torne à terra,
e que o novo milho que nasce
haja escutado as tuas palavras
e as repita e se repitam.
E se cantem de dia e de noite,
e se mordam e se devorem,
e se propaguem pela terra,
se façam, de súbito, silêncio,
se afundem debaixo das pedras,
encontrem as portas noturnas,
e outra vez voltem a nascer,
a repartir-se, a conduzir-se
como o pão, como a esperança,
como a brisa dos navios.
O milho leva o meu canto,
saído das raízes
de meu povo, para nascer,
para construir, para cantar,
e para ser outra vez semente
mais numerosa na tormenta.
Aqui estão minhas mãos perdidas.
São invisíveis, mas tu
as vês através da noite,
através do vento invisível.
Dá-me tuas mãos, eu as vejo
sobre as ásperas areias
de nossa noite americana,
e escolho a tua e a tua,
essa mão e aquela outra,
a que se levanta para lutar
e a que volta a ser semeada.
Não me sinto só na noite,
na escuridão da terra.
Sou povo, povo inumerável.
Tenho em minha voz a força pura
para atravessar o silêncio
e germinar nas trevas.
Morte, martírio, sombra, gelo,
cobrem de repente a semente.
E o povo parece enterrado.
Mas o milho volta à terra.
Atravessaram o silêncio
suas implacáveis mãos vermelhas.
Da marte renascemos.
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