A Casa

A casa era de seda
sorrisos e alecrim

Na casa ecoavam
cantigas de roda
tinir de talheres
arrastar de chinelos
vozes de bichos

Tinha quadros de santos
retratos sisudos
miado de gatos
moringa de barro

A casa era tépida
cheirava a pêssego
amora
goiaba
manga-espada

No porão escuro
a casa escondia relíquias:
bordados de renda
passados do tempo,
tempo das moças
hoje grisalhas

A casa era um mito

Na mesa da casa
um gosto de festa:
arroz branco, lombo frito
couve-flor, caruru
o melado adoçando lembranças
o leite branqueando a noite

A casa era um livro
de vida e de vidas:
enchendo os espaços
os gritos da infância
o cheiro do café coado

A casa era acesa:
no fogão de lenha
o avô aquecia os pés frios,
mãos quentes de proteção

A casa prendia verdades
dentro do aconchego:
gradeava afetos
segredos
desafetos
medos

A casa não era estática
viajava conosco

Que saudade da casa
com portões de madeira
e de ferro
trancando risos mágoas
escondendo o pudor da família
......................................

A casa não é mais a casa
é uma casa
e eu sou uma saudade
da casa.

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