Amigo
O amigo
não é bem o que ele diz
nem (é perigoso) o suposto silêncio profundo:
repousa na retina do outro
imagem colada dispersa
recortada
cheia de roupas e gestos característicos.
O amigo
causa o mal-estar da amizade incumprível
persegue-nos na solidão
não faz bem algum,
é distante se o vemos, jamais comparável
ao guardado lá em casa.
O amigo
nada sabe de nós
mas fita-nos
ouve-nos
melhor que uma pedra
(e não diremos nunca).
Será por certo um charlatão
fera para o primeiro bote
ou — quem sabe? — o anjo de riso certo
na precisão.
Que coisa incômoda um amigo.
Melhor ficássemos desolados
sob o parapeito
sem a insinuação periscópica
de seu talento de investigador.
Mas que boas intenções afinal não estarão
na
mão
do
amigo? (estendida em silêncio em silêncio sempre)
O amigo e um exagero de olhares.
Nem sabemos se o mesmo chão nos sustenta
se a mesma palavra é a mesma
como saber se o amigo
é o amigo?
Espelho da fronteira nossa?
Força do rio que conduzimos,
o barco ao lado, de proteção?
O amigo se perde na outra margem.
Olá.
E ele ouve de sua concha acústica.
Ele é perfeito, o amigo, ou nós o desenhamos
no vazio que grita?
O amigo é o fantasma de nós, não permitido
entre os secos lábios colados?
Que nome afinal ostenta para
vir ao domicílio do orgulho, desvendá-lo,
sair com ele
estandarte?
Proibamos o amigo. Melhor matá-lo
na esquina. E encararmos a avenida na madrugada
na vitória da névoa
e do silêncio.
Fechados no quarto
tapados ouvidos
esqueçamos esqueçamos o amigo.
Que já não olha.
Sem mãos nomes gestos juízes.
Somos muito mais,
inviolados nos quatro cantos do quarto
asas (sem eco) de morcego, noite adentro.
Faz falta o aplauso do amigo?
In: VILLAÇA, Alcides. O tempo e outros remorsos. Pref. Alfredo Bosi. Il. Edgard Rodrigues de Souza. São Paulo: Ática, 1975. Poema integrante da série Os Amigos
não é bem o que ele diz
nem (é perigoso) o suposto silêncio profundo:
repousa na retina do outro
imagem colada dispersa
recortada
cheia de roupas e gestos característicos.
O amigo
causa o mal-estar da amizade incumprível
persegue-nos na solidão
não faz bem algum,
é distante se o vemos, jamais comparável
ao guardado lá em casa.
O amigo
nada sabe de nós
mas fita-nos
ouve-nos
melhor que uma pedra
(e não diremos nunca).
Será por certo um charlatão
fera para o primeiro bote
ou — quem sabe? — o anjo de riso certo
na precisão.
Que coisa incômoda um amigo.
Melhor ficássemos desolados
sob o parapeito
sem a insinuação periscópica
de seu talento de investigador.
Mas que boas intenções afinal não estarão
na
mão
do
amigo? (estendida em silêncio em silêncio sempre)
O amigo e um exagero de olhares.
Nem sabemos se o mesmo chão nos sustenta
se a mesma palavra é a mesma
como saber se o amigo
é o amigo?
Espelho da fronteira nossa?
Força do rio que conduzimos,
o barco ao lado, de proteção?
O amigo se perde na outra margem.
Olá.
E ele ouve de sua concha acústica.
Ele é perfeito, o amigo, ou nós o desenhamos
no vazio que grita?
O amigo é o fantasma de nós, não permitido
entre os secos lábios colados?
Que nome afinal ostenta para
vir ao domicílio do orgulho, desvendá-lo,
sair com ele
estandarte?
Proibamos o amigo. Melhor matá-lo
na esquina. E encararmos a avenida na madrugada
na vitória da névoa
e do silêncio.
Fechados no quarto
tapados ouvidos
esqueçamos esqueçamos o amigo.
Que já não olha.
Sem mãos nomes gestos juízes.
Somos muito mais,
inviolados nos quatro cantos do quarto
asas (sem eco) de morcego, noite adentro.
Faz falta o aplauso do amigo?
In: VILLAÇA, Alcides. O tempo e outros remorsos. Pref. Alfredo Bosi. Il. Edgard Rodrigues de Souza. São Paulo: Ática, 1975. Poema integrante da série Os Amigos
961
3
Mais como isto
Ver também