Luís Gama

Luís Gama

Luís Gonzaga Pinto da Gama foi um rábula, orador, jornalista e escritor brasileiro. Nascido de mãe negra livre e pai branco, foi contudo feito escravo aos 10, e permaneceu analfabeto até os 17 anos de idade.

1830-06-21 Salvador, Bahia, Brasil
1882-08-24 São Paulo, Brasil
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A um Nariz

Você perdoe,
Nariz nefando
Que eu vou cortando
E ainda fica nariz em que se assoe.
G. DE MATOS

Aí vai, leitores,
Um monstro esguio,
Que em corropio
De uma rua tem posto os moradores.

Maior que a proa
De nau de linha,
Tem camarinha
Aonde à tarde se obumbra a tocha coa,

Rinoceronte
De tromba enorme,
Mais desconforme
Do que o mero, a baleia, a catodante

Nariz bojante,
Recurvo e longo,
Que lá do Congo
Alcança o Tenerife e monte Atlante.

De raça eslava
Tremenda espiga,
E há quem diga
Que nela Polifemo cavalgava.

Nariz alado,
De cor bringela.
Que de pinguela,
Serviu no Amazonas celebrado.

E se não mente
A tradição,
De lampião
Fazia num farol da Líbia ardente.

Nariz de pau,
Com tal composto,
Que sobre o rosto
Tem forma de bandurra ou berimbau.

Cavado e torto,
Formal tripeça,
Fundido à pressa
Nas forjas de Vulcano — por aborto.

Nariz de forno,
De amplas badanas,
Que mil bananas
Aloja em cada venta, sem transtorno.

É tão famoso
O tal nariz,
Que por um triz
Não fez parte do Cabo Tormentoso.

Qual catatau
Da testa pende,
E alguém entende
Ser ninho de coruja ou picapau.

Nariz de barro,
Mas não cozido,
Que suspendido,
Sobre as grimpas da lua vai de esbarro.

De quanto fiz
Não se enraiveça;
Não enrubesça,
Que pr'a dar e vender sobra nariz.


Publicado no livro Primeiras trovas burlescas de Getulino (1861).

In: GAMA, Luiz. Trovas burlescas e escritos em prosa. Org. Fernando Góes. São Paulo: Cultura, 1944. p.58-59. (Últimas gerações, 4)
1997
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